Todos os anos, no último trimestre do ano, aguardamos um fenômeno natural: a estiagem na região do Rio Amazonas. Nesta época do ano, há uma redução pluviométrica, com consequente seca e diminuição do volume de água nos rios da região, que impacta fortemente a vida dos moradores e das empresas. Mas em 2023, o fenômeno do El Niño associado ao aquecimento do Atlântico Norte trouxe uma vazante bastante superior a anos anteriores. Segundo o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), a crise hídrica na Amazônia já é considerada a pior dos últimos 43 anos na região.
Os dados são de que a estiagem deverá se alongar até maio de 2024, com ápice neste mês de outubro. O problema maior que afeta a logística da região, por enquanto, acontece na Enseada do Madeira e no Tabocal, ambos no rio Amazonas. Nestes locais já é inviável passar com navios porta-contêineres que abastecem a população e a indústria local, bem como possibilitam o escoamento da produção da Zona Franca.
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Pode-se dizer que esta crise é mais uma consequência do problema ambiental, que tantos desastres têm causado pelo mundo afora. Então não há o que fazer, em curto prazo, certo? Errado! Como o problema não é uma novidade, é necessário que os órgãos responsáveis do Governo Federal, inclusive a Autoridade Marítima, se preparem com antecedência para esse grave problema que causa prejuízos incalculáveis à população, às empresas e às indústrias, com impactos até no Sul e Sudeste do País. Neste momento, na região Amazônica, pessoas estão sem água potável, com redução drástica de alimentos como arroz, feijão e congelados, usualmente transportados por navios pela cabotagem, que hoje não conseguem navegar no rio Amazonas até Manaus. O que chega, através de outros meios de transporte, alcança preços exorbitantes, pela dificuldade de logística. Da mesma forma, insumos e produtos deixam de ser escoados para outras regiões do Brasil.
O que pode ser feito? Batimetrias rotineiras com divulgação dos pontos mais críticos pelos órgãos de segurança da navegação oficiais; acompanhamento e dragagens periódicas nos locais onde a estiagem atinge mais fortemente, antes que a situação se torne inviável; acompanhamento, por parte do governo, dos valores de praticagem; são algumas das ações preventivas que minimizariam a crise. Outros problemas severos, que pioram ainda mais a situação, como o garimpo ilegal, também precisam ser eliminados o quanto antes.
Este ano, as empresas de navegação associadas a ABAC – Mercosul, Aliança e LogIn –, que possuem linhas regulares para atender a zona produtora da Amazônia e a comunidade, por não conseguirem prever como estará a situação, desde 15 de setembro fecharam o booking (reservas de contêineres a serem alocados nos navios) e não reservam novos transportes de carga para a região. Nos últimos dias, as empresas foram obrigadas a cancelar as idas a Manaus. O motivo é a impossibilidade de avançar pelo rio Amazonas, por causa do baixo nível dos rios e o assoreamento. No ano passado, o impacto no transporte de carga foi, em média, de 40%.
A crise atinge a população, que fica desabastecida, com aumento direto do preço dos produtos, pela escassez. É impactada, ainda, a Zona Franca de Manaus, que não consegue escoar seus produtos e receber os insumos, o que, dependendo da duração da estiagem, pode causar desabastecimento no mercado no Sul e Sudeste, em especial no “Black Friday” e nas compras de Natal.
Reuniões têm acontecido para definir ações prioritárias e foi prometido um investimento de R$ 140 milhões pelo Governo Federal para dragagens. Todas decisões importantes e muito necessárias, mas que levam tempo para – de fato – serem levadas a cabo, e teriam mais efeito e minimizariam as dores, se tomadas antecipadamente. Que aprendamos e façamos diferente em 2024!
Luis Fernando Resano é diretor-executivo da ABAC (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem)