Desde 1978, a Organização Marítima Internacional (IMO) comemora o Dia Marítimo Mundial na última quinta-feira de setembro. Mais do que um data comemorativa, o Dia Marítimo Mundial fomenta discussões em torno de um tema relevante não apenas para comunidade marítima, mas para toda a humanidade.
Em 2024, o tema é “Navegando no Futuro: Segurança em Primeiro Lugar”. A escolha está intimamente ligada aos 50 anos da adoção da última versão da SOLAS, a Convenção Internacional para Salvaguarda da Vida Humana no Mar.
A SOLAS foi adotada pela primeira vez em 1914, como uma resposta direta à tragédia do Titanic, ocorrida em 1912. Refletir sobre a SOLAS nos 50 anos da adoção da sua versão mais recente demonstra a necessidade de superação de um paradigma: o aprimoramento da segurança e dos regulamentos não pode ser uma resposta a eventos desastrosos ou trágicos.
Navegar no futuro impõe uma preocupação imediata com a segurança e com os impactos do desenvolvimento tecnológico. A prevenção do risco deve substituir cada vez mais a resposta ao risco. Embora essa preocupação não seja recente, ainda há uma falsa dicotomia entre desenvolvimento tecnológico e gestão de riscos.
Essa dicotomia, sem dúvidas, deriva em parte da ampliação do conceito de risco. A inserção da necessária proteção ao meio ambiente na agenda internacional levou à descobertas de diversas formas de impacto ambiental, as quais devem ser consideradas em novos empreendimentos tecnológicos. Não obstante, novas tecnologias também devem considerar como responder a cenários ainda imperfeitos.
Todavia, a dicotomia é aparente e o tema do Dia Marítimo Mundial ajuda a endereçar isso. A IMO tem buscado cada vez mais antecipar a agenda regulatória, de modo que seja possível aproximar a regulação da velocidade dos empreendimentos tecnológicos. Desenvolvimento tecnológico e proteção do meio ambiente são conciliáveis e interdependentes: as novas tecnologias são a resposta para o desenvolvimento sustentável.
O Dia Marítimo Mundial ainda busca cooperar com a implementação dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, cuja data comemorativa é 25 de setembro. Tema deste ano particularmente contribui com 5 dos objetivos:
I) ODS 7: buscando ampliar o acesso e desenvolvimento de energia sustentável;
II) ODS 8: promoção de crescimento econômico sustentável baseado em relações de trabalho decente;
III) ODS 9: fomento de infraestrutura adequada e resiliente;
IV) ODS 13: estímulo às medidas de combate as mudanças climáticas; e
V) ODS 14: construindo meios de uso sustentável dos oceanos.
Traduzindo esses objetivos e estímulos em medidas concretas, a IMO compreende que para navegarmos com segurança no futuro precisamos continuar a desenvolver uma regulação para redução dos gases do efeito estufa, estimular o uso e desenvolvimento de combustíveis alternativos, concretizar medidas de digitalização e automação de processos, melhor compreender os navios autônomos, implementar mecanismos de auditoria, entre outros.
Ainda, o tema do Dia Marítimo Mundial traz à discussão uma perspectiva relevante para os Estados-membros. A IMO tem adotado nos últimos anos um modelo de regulação goal-based, isto é, regulações baseadas em metas, as quais melhor acomodam as rápidas mudanças e desenvolvimentos tecnológicos. A dificuldade de atualizar textos prescritivos demonstra a utilidade de modelos que sejam voltados aos objetivos e metas, garantindo aplicabilidade imediata mesmo aos novos desenvolvimentos. O Polar Code e o IP Code já são bons frutos dessa metodologia.
Para o Direito Interno, a adoção de um paradigma normativo goal-based também oferecerá vantagens. Assim como no âmbito internacional, a modernização das normas e regulamentos aplicáveis é lenta, os processos de ratificação demorados e a legislação muitas vezes é atualizada por pessoas que não dominam as minúcias das novas tecnologias.
A adoção de normas que visem o alcance de metas, sejam de redução de emissão de gases ou de conservação do meio ambiente não esvazia a eficácia, em verdade, amplia a eficiência. Inclusive, normas e regulamentos voltados à metas contribuem com a segurança jurídica necessária para o desenvolvimento de novas tecnologias na navegação.
A navegação marítima é uma atividade de demanda derivada, tornando a segurança jurídica ainda mais relevante do que em outras indústrias. Notadamente, a perenidade da normal facilita e reduz os custos de contratos cujas obrigações se cumprem em longos prazos. Nesse sentido, pesquisas científicas para desenvolvimento de novas tecnologias, as quais levam alguns anos, terão maior previsibilidade do direito aplicável que encontrarão quando de sua realização.
Na navegação do futuro, desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento sustentável seguem juntos em uma viagem rumo à novas descobertas que devem contribuir com o desenvolvimento justo e igualitário da humanidade e o tema do Dia Marítimo Mundial de 2024 auxilia na concretização rápida disso.
Paulo Henrique Reis de Oliveira é advogado do escritório Kincaid Mendes Vianna
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