Os portos são parte fundamental da economia brasileira. Sem eles, não há comércio e nem geração de riqueza. A livre concorrência é uma conquista central no desenvolvimento da logística nacional e constitui interesse público. Mas ela tem sido diariamente ameaçada, afetando diretamente a economia nacional. Com uma crise global na cadeia de suprimentos, é fundamental que os operadores de terminais portuários consigam encontrar as melhores soluções e tenham o suporte de toda a cadeia logística do transporte marítimo para prover as melhores estratégias de enfrentamento para estes problemas.
No Brasil, o transporte marítimo é prioritário para o escoamento da produção de commodities para diferentes regiões do mundo. Segundo a consultoria de dados portuários Drewry, até o final deste ano o mercado global de transporte de contêineres terá um lucro de meio trilhão de dólares. O número dá a dimensão da importância de defendermos um modelo que atenda a todos os integrantes deste processo, evitando, assim, a concentração na mão de poucos.
Na contramão
Movimento oposto ao modelo de atender a todos os integrantes do mercado é o que temos visto nos últimos anos. Grandes empresas do mercado de transporte marítimo de contêineres, os chamados “armadores”, têm passado a administrar muitos terminais portuários no Brasil, gerando um processo de “extrema concentração e dominância”. Isto coloca em risco os demais terminais independentes, os chamados de bandeiras brancas, em razão de práticas anticoncorrenciais perpetuadas pelos armadores em favor de terminais que, direta ou indiretamente detenham controle e/ou participação acionária.
As práticas discriminatórias de preferência aos terminais pertencentes aos armadores, self preferencing, restringem a disputa de mercado. Isto porque, independentemente da qualidade e do preço dos serviços oferecidos pelos terminais bandeiras brancas, a movimentação de cargas é direcionada aos terminais dos armadores. Além da questão da preferência aos seus terminais, independentemente de critérios técnicos, há outros exemplos desta atuação predatória como: a disponibilização de contêineres vazios para carregamento priorizando os terminais próprios destas companhias; omissões de escalas em portos nos quais tais empresas não estão presentes; e mesmo a cotação de valores de frete marítimos injustificadamente mais elevados quando seus terminais não estão envolvidos na transferência da carga – motivando, inclusive, o escoamento da carga por portos mais distantes dos locais de produção.
As referidas práticas abusivas tendem a se agravar diante da repetição, em terra, de uma estratégia já levada a efeito no mar nas últimas décadas pelos grandes armadores, e que consiste em uma série de fusões e aquisições isoladas, que passaram abaixo dos radares das agências antitruste, e que resultaram em uma dominância sem precedentes do mercado de transporte marítimo de contêineres. O mesmo movimento vem acontecendo em território nacional, pois os terminais vinculados a armadores já movimentam mais de 40 % dos contêineres, chegando a assustadores 98% em algumas regiões, e o número tende a crescer em razão das recentes aquisições e da possibilidade de participação em licitações de terminais.
Por outra perspectiva, lembramos que a presença de um agente econômico em diferentes etapas do processo de exportação e de importação de cargas poderia representar uma busca por eficiência que, quando aplicada corretamente, geraria ganhos que alcançariam os consumidores e a economia nacional como um todo. Entretanto, no segmento de contêineres, eventuais economias geradas neste processo somente estão beneficiando os armadores, que vêm reduzindo os seus custos com terminais, mas cobrando fretes e preços mais elevados dos usuários, elevando de forma estratosférica os seus lucros, aumentando a velocidade e a abrangência do processo de dominância em curso.
O abuso da posição dominante é facilitado pelo reduzido número de players que operam as rotas que atendem a costa brasileira, visto que apenas duas companhias respondem por mais de 55% da movimentação de contêineres importados e exportados no país, controlando ou participando de 83% dos serviços marítimos de longo curso que operam na costa brasileira. Há enorme risco de que a escalada de custos que observamos no frete seja, em breve, replicada para outros elos da cadeia logística. Não satisfeitos, partem agora para a concentração total dos serviços de cabotagem.
É fundamental ressaltar que a liberdade econômica e a justa concorrência do setor portuário são valores que devem ser priorizados e preservados, por se tratar de infraestrutura fundamental para viabilizar o comércio internacional do País. Não há dúvida de que, caso permitida a consolidação da posição dominante também em terra, a perspectiva óbvia é de prejuízos futuros ainda maiores aos donos da carga – motores da economia nacional - cujas opções de escoamento ficarão ainda mais limitadas, resultando no fim do dia em um aumento do já tão distorcido custo Brasil.
A justa competição entre terminais portuários não pode ser contaminada indevidamente por mercados não-competitivos. Precisamos de uma defesa efetiva da concorrência equilibrada e saudável entre todos os terminais, sejam eles de armadores ou não, como se espera de uma economia saudável e madura.
A solução definitiva para este problema, entretanto, não se limita ao combate das atuais práticas abusivas no mercado, mas também depende da adoção de medidas preventivas efetivas pelas autoridades competentes, nas novas rodadas de leilões de portos e terminais, bem como na cessão de novas autorizações de TUP. É preciso impedir a expansão destes grupos econômicos oligopolizados, com práticas abusivas, nos competitivos mercados de operação e armazenagem contêineres, para que a história que já ocorre no mar, não se repita na terra.
*Jesualdo Conceição da Silva é diretor-presidente da Associação Brasileira de Terminais Portuários (ABTP)
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