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Artigo - Navios abandonados, tripulação negligenciada

Os recentes dados divulgados pela Organização Marítima Internacional (IMO) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre navios abandonados abre espaço para uma reflexão sobre a dura triste realidade enfrentada pela tripulação destas embarcações.

De acordo com as estatísticas das organizações, os casos em que as tripulações, por diferentes razões, são simplesmente deixadas à própria sorte aumentaram exponencialmente nos últimos anos, passando de menos de 20 casos por ano, entre 2011 e 2016, para 55 casos em 2017. Em 2018 o número de casos reportados foi de 44, sendo apenas 22 resolvidos. Em 2021 foram notificados 95 casos e, em 2022, 109 casos. Um crescimento de 82% em uma década. O espantoso é que menos da metade destes casos encontra-se resolvido. Os custos e burocracias para a troca e repatriação de tripulantes resultam em centenas de marítimos a bordo de navios em situação de abandono, por períodos muito além do tempo máximo permitido pela Convenção sobre Trabalho Marítimo – CTM (Maritime Labor Convention – MLC) , de 11 meses.

Navios de bandeira estrangeira e com tripulação estrangeira são os casos mais polêmicos. Exemplar é o caso do navio "Srakrane", de bandeira do Panamá, abandonado no Porto de Santos em 2021, cuja tripulação permaneceu 11 meses a bordo, sem salários. A seguradora da embarcação informou que, muito embora o armador tenha deixado de honrar com os pagamentos previamente acordados para emissão da apólice e respectiva cobertura, houve o pagamento de indenização referente a quatro meses de salários atrasados, bem como o pagamento integral da repatriação dos 15 tripulantes abandonados aos seu país de origem, objetivando o atendimento à Convenção sobre Trabalho Marítimo.

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Ressalte-se ainda que o número real de tripulantes em navios abandonados é seguramente maior do que o oficialmente registrado, uma vez que impera entre os trabalhadores contratados o receio da denúncia. São números tão alarmantes que, em 2021, três das maiores nações marítimas do mundo — China, Indonésia e Filipinas — propuseram o estabelecimento de um Fundo Mútuo de Emergência para Marítimos para amparar tripulações abandonadas.

É evidentemente correta, portanto, a preocupação sobre o aperfeiçoamento de leis de proteção a tripulantes de navios abandonados. Nas sessões de 2021 e de 2022 do Comitê Legal da IMO, as diretrizes para casos de abandono de marítimos, bem como para alegados casos de crimes cometidos por marítimos, foram analisadas a fundo. As novas diretrizes que procuram fazer frente ao aumento dos casos de abandono de tripulantes comunicados à OIT baseiam-se nas normas trabalhistas internacionais, entre elas a Convenção do Trabalho Marítimo de 2006 e suas emendas mais recentes, estruturas e acordos internacionais relevantes da Organização Marítima Internacional (IMO) e tendências e desenvolvimentos relevantes na legislação e prática regional e nacional.

A Convenção sobre Trabalho Marítimo estabelece precisamente que, em casos de abandono, a empresa tem como obrigação garantir salários aos trabalhadores, limitados a quatro meses, e assegurar a repatriação da tripulação. O nó da questão é que proprietários inescrupulosos destas embarcações abandonadas se esgueiram para não arcar com as obrigações trabalhistas e, tampouco, têm seguros para fazer frente às indenizações previstas.

O que vemos na prática são tripulações vivenciando períodos muito mais longos do que quatro meses de abandono. O pagamento dos salários e a repatriação ocorrem tardiamente por meio de decisão judicial em processos longos e complexos. Em muitos casos, são instauradas ações Civis Públicas em que são rés representantes do armador no Brasil. Também são comuns casos em que se chama a União Federal ao processo ou utiliza-se a Teoria da Aparência para direcionar a responsabilidade a alguma empresa — a qual passa a ser a provedora da garantia financeira e é acionada para pagamento de salários pendentes e outros haveres devidos pelo armador.

O atual cenário de crescimento de casos de abandono demanda ajustes na regulamentação. É preciso oferecer aos trabalhadores marítimos um horizonte menos incerto. O debate acerca do problema global que envolve navios abandonados precisa ser melhor endereçado e, mais urgente, é necessário assegurar que sejam garantidas as devidas responsabilizações pelos abandonos.

Raquel Guedes é sócia da área trabalhista do escritório Lopes Pinto Advogados - LP Law



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