Câmbio nas remessas de receitas de exportação para o Brasil
Por Flávia Holanda Gaeta
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As receitas de exportação são aquelas decorrentes de processos de exportação de bens ou serviços, lastreadas em negócio jurídico firmado por empresa no Brasil com outra estrangeira e que tem por objeto a entrega de bens ou serviços para o beneficiário final, qual seja, o cliente no exterior. Com efeito, as receitas decorrentes destes contratos são necessariamente receitas de exportação, ainda que a forma de liquidação de pagamento do preço seja antecipada ou a prazo, com remessa direta para o país ou crédito em conta corrente do exportador no exterior.
É facultado ao exportador manter suas receitas de exportação no exterior nos termos e limites autorizados em lei (Lei nº 11.371/2006, art. 1º e IN RFB nº 1.801/2018). A decisão de manter recursos no exterior pode decorrer de interesses e estratégias comerciais que lhe são peculiares, bem como para otimizar a gestão das obrigações financeiras perante os fornecedores estrangeiros, garantir a proteção cambial etc., obedecidos os limites e regras do Conselho Monetário Nacional.
As receitas de exportação, portanto, ainda que mantidas temporariamente no exterior mantêm sua natureza jurídica para todos os efeitos legais e fiscais, não sendo válido qualquer ato do Poder Executivo que venha a alterar o conteúdo semântico do termo “receitas de exportação” para fins de incidência do imposto.
Todavia, em 24 de dezembro de 2018, foi publicada a Solução de Consulta COSIT nº 246, na qual restou absolutamente distorcida a natureza jurídica das receitas de exportação mantidas no exterior e remetidas para o País exterior após o encerramento do ciclo de exportação do bem ou serviços, vejamos:
ASSUNTO: Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários – IOF
EMENTA: RECURSOS PROVENIENTES DE EXPORTAÇÕES. MANUTENÇÃO NO EXTERIOR. INOCORRÊNCIA DO FATO GERADOR.
Não incide IOF quando da manutenção de recursos em moeda estrangeira em instituição financeira fora do país, relativos aos recebimentos de exportações brasileiras de mercadorias e de serviços para o exterior, realizadas por pessoas físicas ou jurídicas. Nesta situação, não há liquidação de contrato de câmbio e, portanto, não se verifica a ocorrência do fato gerador do imposto conforme definido no art. 63, II do Código Tributário Nacional (CTN) e no art. 11 do Decreto 6.306, de 2007.
No entanto, se os recursos inicialmente mantidos em conta no exterior forem, em data posterior à conclusão do processo de exportação, remetidos ao Brasil, haverá incidência de IOF à alíquota de 0,38%, conforme determina o caput do art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007.
Operações de câmbio relativas ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços. alíquota zero.
No caso de operações de câmbio relativas ao ingresso no país de receitas de exportação de bens e serviços, há a incidência do IOF na operação de câmbio à alíquota zero, conforme expressa previsão no art. 15-B do Decreto nº 6.306, de 2007.
DISPOSITIVOS LEGAIS: Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional - CTN); Lei nº 8.894, de 21 de junho de 1994; e Lei nº 11.371, de 28 de novembro de 2006; Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007. (grifo nosso)
Contrariando a expressa disposição legal (art. 15-B, inciso I, Decreto nº 6.306/2007), a Receita Federal trouxe nova interpretação à norma que passou a delimitar o conceito de receitas de exportação no tempo, de modo que a decisão de manter no exterior dos recursos provenientes de operações de exportação impactou diretamente na alíquota de IOF câmbio, a despeito de todas as disposições legais vigentes.
Em outras palavras, a posição do fisco federal reside no simples fato de que sempre que mantidos os recursos no exterior após a exportação restaria alterada a natureza jurídica da operação para fins de incidência da alíquota zero de IOF, devendo ser aplicada a regra geral do caput do art. 15-B do Decreto nº 6.306/2007, não mais o seu inciso I que trata de alíquota zero.
O erro de interpretação reside na afirmação de que se encerrará o ciclo de exportação na data do recebimento dos recursos no exterior, de modo que, se em data posterior ao depósito, o exportador decidir remeter os recursos para o Brasil, estes recursos não teriam vínculo com o processo de exportação.
Note-se que o entendimento é absolutamente equivocado e fere princípios constitucionais como o da segurança jurídica, da legalidade, da moralidade administrativa, da previsibilidade do direito, da estabilidade das relações jurídicas tributárias, além de ofender a extrafiscalidade do IOF, criando um ambiente de absoluta descrença nas normas e no ordenamento jurídico pátrio, ao passar a tributar as operações de câmbio envolvendo receitas de exportação para as quais a lei define sua alíquota como zero.
É de se notar que os efeitos desta solução de consulta são desastrosos, afinal, nos termos no art. 9º da IN RFB nº 1.396/2013[1], tanto a autoridade administrativa como os contribuintes, ainda que não figurem como consulentes, ficam vinculados à norma.
Para reverter os efeitos desastrosos da referida Solução de Consulta COSIT 246/2018, as empresas contribuintes estão ingressando com medidas judiciais para afastar a incidência do IOF CAMBIO à alíquota de 0,38% sobre as remessas de receitas e exportação, com as quais estão obtendo resultados positivos por meio de decisões liminares e sentenças.
[1] Art. 9º A Solução de Consulta Cosit e a Solução de Divergência, a partir da data de sua publicação, têm efeito vinculante no âmbito da RFB, respaldam o sujeito passivo que as aplicar, independentemente de ser o consulente, desde que se enquadre na hipótese por elas abrangida, sem prejuízo de que a autoridade fiscal, em procedimento de fiscalização, verifique seu efetivo enquadramento.
Flávia Holanda Gaeta (PhD) é advogada tributarista e sócia fundadora da FH Advogados