Qual o dividendo social dos portos? Ah, muitos irão dizer, a eficiência portuária trará mais negócios, mais competitividade e, logo, mais crescimento econômico para o território. A literatura especializada aponta que a conexão não é tão direta como a princípio somos levados a crer.
Para o Brasil, um porto mais eficiente, ou seja, que movimenta cargas de forma mais rápida e a menores custos, possibilita ao país se integrar melhor ao sistema marítimo-portuário e de trocas internacionais, gera mais riquezas e PIB, nos torna um país mais competitivo. De fato, a melhora contínua na infraestrutura logística leva a aumentos nos fluxos de comércio, sobretudo em países menos desenvolvidos.
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Em termos de desenvolvimento econômico local, a literatura da economia marítima internacional tem comprovado que os impactos territoriais dos ganhos de eficiência portuária são fracos. O aumento na movimentação de 100 toneladas de cargas tem efeito inferior a 0,05 na geração de empregos diretos. Além disso, varia conforme o tipo de porto: impactos menores para portos mais automatizados e impactos maiores para portos de carga a granel.
Os impactos em termos de geração de empregos e negócios devem ser visualizados como um funil: na ponta de cima — e em menor quantidade — os empregos diretos e na base — e em maior quantidade — os impactos induzidos.
É importante lembrar que o porto traz bônus e ônus. É por isso que a legislação brasileira reconhece os portos como grandes infraestruturas com impactos negativos no meio ambiente, daí precisarem de licenças ambientais. E se os impactos econômicos são difusos, é no lugar onde o porto se encontra, no território, nas cidades, onde os impactos negativos da infraestrutura e das atividades portuárias são mais sentidos.
Os pontos de conflito entre cidade e porto são físicos, pela disputa e compartilhamento de espaços. Nos tradicionais portos urbanos brasileiros é comum caminhões de carga transitarem dentro de bairros, junto a veículos de passeios, bicicletas e transeuntes. Mais movimentação portuária é mais trânsito, mais ruídos e piora na mobilidade urbana.
É também mais emissão de poluição atmosférica. O enxofre e CO2 emitidos pela queima de combustível dos navios são raramente lembrados como um problema urbano. O motor de propulsão é utilizado em todo canal até a atracação em baixa potência e é dessa forma que o motor tem a pior eficiência e gera maior quantidade de CO2 por grama de combustível.
A lista de impactos ambientais é grande, o que por si só já geraria um novo debate sobre se de fato mais eficiência portuária — e, logo, maior movimentação de cargas — seria benéfico para o território/cidade. Mas não acredito que este seja um debate produtivo.
O que vale mesmo a pena é reconhecer que existem impactos do porto no lugar, negativo e positivos. A partir daí engajar com transparência e de forma verdadeira a comunidade portuária, incluindo usuários diretos e também moradores, comerciantes, academia, gestores públicos locais… Os negócios portuários ganham mais quando geram valor compartilhado.
O capitalismo de stakeholders foi assunto transversal nas discussões do início deste ano em Davos, no Fórum Econômico Mundial. O assunto tem ganhado executivos de vários setores. Questionar o dividendo social dos portos é pensar nos negócios do Brasil no longo prazo. É também pensar os portos dentro de uma agenda ESG focada em propósitos. É buscar competitividade para os portos com progresso para as cidades.
Flavia Nico é doutora em Ciências Sociais, membro do Comitê Executivo da Wista Brazil, consultora no iPORTS Consultoria e Treinamentos, fundadora do Observatório Cidade e Porto/UFES e pesquisadora associada no LabPortos/UFMA