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Indenização por danos causados por cartel

O tema da defesa da concorrência é relevante para a melhoria do serviço adequado (um direito constitucional sonegado), por meio das condições de modicidade, previsibilidade, eficiência, pontualidade, continuidade e segurança, em qualquer setor da economia, especialmente no Brasil, onde o capitalismo ainda é um projeto. Os escândalos da Lava Jato demonstram os danos causados pelos cartéis à nossa economia.

Por tal motivo, a Constituição Federal menciona cinco vezes a palavra “concorrência”, que foi alçada a princípio da ordem econômica, juntamente com a função social dos contratos e a defesa dos usuários (art. 170). Mas como o papel “aceita tudo”, é preciso que haja efetividade de tais direitos.


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Um bom remédio jurídico para os que sofrem as “dores” das práticas abusivas em mercados concentrados e/ou verticalizados, com abuso de posição dominante e baixa eficácia de regulação setorial econômica, como grande parte da infraestrutura brasileira, ainda pouco divulgado na mídia brasileira, é a ação indenizatória por danos causados por cartel.

Segundo o ex-Diretor Geral da Antaq, Sr. Mario Povia, no Estudo sobre Cabotagem (Antaq, 2019, p. 15): “A verticalização no setor de navegação, cujos armadores têm adquirido terminais portuários, é uma preocupação grande dos reguladores do setor no mundo todo, pelas distorções causadas na cadeia logística. Isso rompe com a lógica da racionalidade do mercado”.

Empresas e usuários do setor marítimo e portuário, segundo o Bacen, entre janeiro de 2014 e abril de 2019, remeteram US$ 37 bilhões para o exterior, como pagamento de frete marítimo na importação, afretamento, sobre-estadia e aluguel de contêiner, manejo e armazenagem de carga e comissão de agentes.

Das condutas que configuram infração à ordem econômica, o cartel é universalmente reconhecido como a mais grave, sendo reprimido pela Lei Antitruste, e investigado pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Esse crime é silencioso e, muitas vezes, os prejudicados não percebem que estão sendo lesados, ou tomam conhecimento muitos anos depois.

O cartel é caracterizado como acordo ou conluio, tácito ou explícito, entre concorrentes para aumentar preços e lucros conjuntamente, seja dividindo mercados ou estabelecendo qualquer conduta previamente combinada que tenha por objeto afetar a livre concorrência dos mercados, prejudicando a sociedade como um todo.

A criação de muitos desses cartéis é decidida fora do Brasil, por empresas transnacionais, muitas com sede em paraísos fiscais, que atuam com outorga de uma agência reguladora e na retórica da livre iniciativa, com alto grau de associativismo e grupos de pressão no aparelho estatal.

Ainda, recusam-se a ter preço teto (price cap) e a fornecer os seus custos (informações) ao regulador, para se beneficiarem da assimetria de informação, praticam sham litigation (inclusive para impedir novos entrantes no seu mercado), free rider e price squeeze e combatem em todas as esferas qualquer esforço de regulação econômica, sob o frágil argumento que o “mercado regula” e que precisam operar sob o manto da livre iniciativa. Esquecem-se que a Constituição não pode ser interpretada em fatias, mas como um sistema.

Esses “acordos” podem envolver empresas em diferentes elos da cadeia produtiva, como produtores, distribuidores e varejistas. O resultado esperado dos cartéis é a imposição de efeitos monopolísticos no mercado por um grupo de agentes econômicos que, apenas na “fachada”, atuam de forma separada.

No Brasil, os prejudicados pelo “cartel do câmbio” formado por vários bancos, dentre os quais o HSBC, entre 2007 e 2013, envolvendo taxas PTAX (Bacen) e WM Reuters (Banco Central Europeu), tiveram um dano estimado de R$ 110 bilhões decorrentes apenas da manipulação da PTAX, além de outros a serem apurados em perícia. Há várias ações indenizatórias em curso.

Nos Estados Unidos, cinco bancos fecharam acordo com o Departamento de Justiça e pagaram US$ 5,7 bilhões (R$ 22,26 bilhões) para evitar futuros processos judiciais: Barclays, Citicorp, Deutsche, HSBC e JPMorgan Chase. O UBS, que denunciou o grupo, ficou isento de multas, o que também ocorreu no Brasil, mas não imune ao pagamento de indenização. Em dezembro de 2016, os mesmos bancos entraram em acordo com o CADE e aceitaram pagar multas de R$ 183 milhões.

Uma das condições para que exista a formação de um cartel é que haja uma baixa expectativa de punição severa, porque quanto mais difícil for a detecção da prática de cartel e mais baixa for a probabilidade de punição severa, maior estímulo haverá para a prática de cartel.

Segundo a OCDE, os cartéis geram um sobrepreço estimado entre 10% e 20% comparado ao preço em um mercado competitivo. No Brasil, a multa pode ser de até 20% do valor do faturamento bruto da empresa, no último exercício anterior à instauração do processo administrativo, no ramo de atividade empresarial em que ocorreu a infração, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.

Aliás, o trecho final do inciso I, do art. 37, da Lei do Cade, de forma imperativa, prevê que a multa nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação.

Ora, e no caso do sobrepreço durar mais de um ano, como poderia um cartel que tivesse perdurado por mais de cinco anos ter auferido uma vantagem inferior à multa que lhe poderia ser imposta? Dessa forma, racionalmente os agentes de mercado propensos à prática de cartel facilmente calculam que quanto mais tempo puder ser mantida oculta a conduta ilícita mais lucro terão com a prática, ainda que sejam compelidos ao pagamento da multa imposta pelo CADE.

Isso se dá porque a multa é muito inferior à vantagem auferida, portanto, não cumpre sua função de desestímulo à conduta. Além dessa multa, há tipificação de crime, sendo que o agente poderá ser beneficiado em ambos os aspectos se firmar acordo de leniência com o CADE.

Destaca-se que o acordo de leniência não inibe a obrigação de indenizar as perdas e os danos decorrentes da conduta ilícita, ficando mantido o direito de ação, o que pode ser feito pelo prejudicado contra todos os autores do cartel, que respondem de forma solidária pelo dano gerado pelo ilícito.

Como mencionado, para além da atuação do Estado na repressão às infrações à ordem econômica através de persecução criminal e administrativa, também os particulares que tenham sofrido danos em consequência das infrações perpetradas por agentes econômicos podem buscar, através da responsabilização civil dos infratores, a reparação pelos prejuízos incorridos.

No marco regulatório do transporte aquaviário e da atividade portuária, há vários normativos da Agência Nacional de Transportes Aquaviários com dispositivos que tratam de sanções administrativas para práticas de cartel, como o art. 5º, da RN n. 18/2017 (direitos e deveres do transportador marítimo, agente intermediário e usuário), e o art. 8º, da RN n. 34/2019 (regula o THC2/Serviço de Segregação e Entrega), adiante transcritos:

Art. 5º. Os transportadores marítimos e os agentes intermediários devem abster-se de práticas lesivas à ordem econômica por meio de atos sob qualquer forma manifestados, independentemente de culpa, que tenham por objeto ou possam produzir os efeitos, ainda que não alcançados, de limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, aumentar arbitrariamente os lucros, ou exercer de forma abusiva posição dominante.

Art. 8º São consideradas práticas abusivas ou lesivas à concorrência, no âmbito desta norma e da norma que dispõe sobre a fiscalização da prestação dos serviços portuários, as que tem por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I - criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente, visando eliminá-la; II - aumentar artificialmente os custos operacionais dos rivais à jusante ou do mesmo mercado relevante; III - elevar sem justa causa os preços ou valer-se de meios artificiosos, exercendo posição dominante sobre a carga com a finalidade de aumentar arbitrariamente os lucros; IV - fraudar preços por meio da: a) sua alteração, sem a correspondente modificação da essência ou da qualidade do bem ou do serviço; b) divisão em partes de bem ou serviço, habitualmente oferecido à venda em conjunto; c) junção de bens ou serviços, comumente oferecidos à venda em separado; d) inclusão de insumo não efetivamente empregado na produção do bem ou na prestação dos serviços; V - sonegar bens e serviços, recusando-se a vendê-los a quem pretenda comprá-los nas condições publicamente ofertadas; VI - reter insumos, cargas ou mercadorias com o fim de inviabilização da concorrência; ou VII - ampliar voluntariamente e sem justa causa o tempo de permanência de cargas na instalação portuária em prejuízo da nova destinação.

Para combater os cartéis, a primeira atuação estatal acima é chamada de enforcement público, ou persecução pública do direito concorrencial (advocacia da concorrência, feita pelo CADE, reguladores e Ministério Público), enquanto a segunda, ação indenizatória, é identificada como enforcement privado, ou persecução privada do direito concorrencial que, à primeira vista, pode parecer atender apenas aos interesses particulares, mas, na prática, também pode funcionar como mecanismo eficiente de prevenção de condutas anticoncorrenciais.

Isso se dá em face do poder dissuasório que uma eventual condenação ao pagamento de uma indenização pode causar na empresa do cartel, tal como cem exportadores representados pela Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB) fizeram contra dez bancos do cartel do câmbio, com prejuízo de mais de R$ 50 bilhões.

A dificuldade para calcular o dano existe e a formação de cartel não gera apenas sobrepreço, mas também redução da oferta, extinção de concorrentes, além de afetar os investimentos em marketing e em tecnologia, em virtude do controle de mercados. Dessa forma, prejudica economicamente o consumidor final, os prestadores de serviços e compradores intermediários (quando envolve o fornecimento de um componente numa cadeia produtiva) e compromete o bem-estar da sociedade como um todo. Aspectos prescricionais também devem ser observados para que os prejudicados não percam o prazo para exercer a sua pretensão.

Para reduzir custos, a medida judicial recomendada é a coletiva, pois se trata de ação que precisa de bons fundamentos e provas, embora a ação individual também seja cabível. Essas medidas judiciais e administrativas são complexas e envolvem equipes de advogados, profissionais do mercado e economistas, de modo que é recomendável assessoria jurídica especializada.

Osvaldo AgripinoOsvaldo Agripino – Sócio do Agripino & Ferreira, Pós-Doutor em Regulação de Transportes e Portos – Harvard University (2007-2008)






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