A edição do Decreto nº 10.672, de 12 de abril de 2021, adveio da necessidade de regulamentar dois institutos da Lei nº 14.047/2020: a dispensa de licitação de arrendamento portuário e os termos, procedimentos e condições para o uso temporário de áreas e instalações portuárias localizadas na poligonal do porto organizado.
Partindo dessas duas necessidades especiais, e considerando as tratativas já em curso no âmbito do Ministério de Infraestrutura para propor melhorias regulatórias ao setor portuário, outros pontos aplicáveis ao setor portuário foram enfrentados pelo decreto regulador.
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Nesse artigo, abordo cada um dos pontos de inovação regulatória trazidas pelo Decreto nº 10.672, de 12 de abril de 2021, que altera o Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013.
Do estudo simplificado de arrendamento portuário
O primeiro ponto de destaque diz respeito à alteração do inciso IV do § 1º do art. 6º do Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013.
O art. 6º do Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013 dispõe que a realização dos estudos prévios de viabilidade técnica, econômica e ambiental do objeto do arrendamento ou da concessão observará as diretrizes do planejamento do setor portuário, de forma a considerar o uso racional da infraestrutura de acesso aquaviário e terrestre e as características de cada empreendimento.
Seu § 1º dispunha que os estudos de que trata o caput poderão ser realizados em versão simplificada, conforme disciplinado pela Antaq, sempre que: i) não houvesse alteração substancial da destinação da área objeto da concessão ou do arrendamento; ii) não houvesse alteração substancial das atividades desempenhadas pela concessionária ou pela arrendatária; iii) o objeto e as condições da concessão ou do arrendamento permitissem, conforme estabelecido pelo poder concedente; ou iv) o valor do contrato1 fosse inferior a cem vezes o limite previsto no art. 23, caput, inciso I, alínea “c”, da Lei nº 8.666/1993, e o prazo de vigência do contrato seja, no máximo, de dez anos.
Com a edição do Decreto nº 10.672, de 12 de abril de 2021, foi retirada a limitação do valor de contrato suscetível a esse tipo de contrato, mantida apenas a limitação de prazo de vigência contratual.
A retirada dessa limitação de valor de contrato adveio primeiramente da percepção de que a vinculação à Lei Geral de Licitações não estava adequada à realidade e à especificidade do setor portuário.
Essa percepção era reforçada pelo próprio art. 66 da Lei nº 12.815/2013, ao dispor sobre a aplicação apenas subsidiária da Lei nº 8.666/1993 (Lei atualmente revogada pela Lei nº 14.133/2021) às licitações de concessão de porto organizado e de arrendamento de instalação portuária.
Outra justificativa que embasou a tomada de decisão foi o entendimento de que o Decreto Regulamentador já dispunha de requisitos adequados e suficientes para enquadrar os tipos de contratação que poderiam fazer jus ao estudo simplificado de arrendamento, sendo a imposição do valor teto contratual um parâmetro que limitava demasiadamente a aplicabilidade do instituto.
A partir disso, foi proposta a retirada do valor de contrato limitante à realização desse tipo de estudo, deixando apenas a imposição de contratação limitada até 10 anos.
Da dispensa de licitação para celebração de contrato de arrendamento portuário
Em se tratando da dispensa de licitação para a celebração de contrato de arrendamento portuário, primeiramente cabe aqui fazer uma reflexão sobre qual tipo de contrato a dispensa de licitação pretende alcançar.
Acerca disso, vale rememorar uma das questões abordadas no relatório de auditoria operacional que culminou com a prolação do Acórdão nº 2711/2020-TCU-Plenário.
A necessidade de flexibilização do modelo de celebração de contratos de arrendamentos em casos específicos, como quando há apenas um interessado, foi abordada pela Corte de Contas como uma medida desejável para dar uma melhor destinação às áreas públicas, sem geração de perdas de oportunidades de investimentos para os portos.
Em total consonância com o entendimento da Corte de Contas, a Lei nº 14.047/2020 incorporou no ordenamento jurídico o parágrafo único do art. 5-B da Lei nº 12.815/2013 dispondo que poderá ser dispensada a realização da licitação de área no porto organizado, quando for comprovada a existência de um único interessado em sua exploração.
Como é sabido, há alguns contratos de arrendamento que por atenderem a um determinado segmento de mercado são naturalmente explorados por agentes específicos integrantes da cadeia logística, não fazendo qualquer sentido econômico que sejam objeto de procedimento licitatório regular para permitir a sua exploração, principalmente quando se trata de áreas pertencentes a portos sem tanta ocupação por meio de áreas arrendadas.
A título de exemplo, trago que não é rara a oferta de propostas de exploração de áreas ociosas ou subutilizadas de portos organizados por meio de projetos estruturados em movimentação de cargas advindas de unidades fabris ou áreas produtoras localizadas na hinterlândia do próprio porto.
Ao ofertar esses projetos, buscam entender quais os ritos necessários à celebração de um contrato de arrendamento que servirá como base para o estabelecimento de uma logística perene de escoamento de carga por meio daquela instalação.
No entanto, após o entendimento de todo o fluxo do processo licitatório, não é raro que esses interessados por vezes “desistam” de seguir em frente com o projeto, pois entendem que o lapso temporal necessário para a contratação não se mostra compatível com os planos de negócios da empresa.
Assim, embora saibamos que a licitação das áreas e instalações portuárias é o meio mais adequado para garantir a participação equânime de todos os interessados na exploração do terminal dentro do porto organizado, temos a consciência de que quando essa “desistência” acontece é porque o escoamento da carga se conformou por outra via logística que dificilmente retomará ao porto de origem, gerando, inequivocamente, uma perda de oportunidade de investimentos.
Somado a isso, tem-se a percepção de que a concorrência que justifica um procedimento licitatório portuário não ocorre igualmente em todos os portos brasileiros, e tampouco em todas as áreas e instalações portuárias localizadas dentro de determinada poligonal.
Assim, é perfeitamente defensável que haja um tipo de contratação que privilegie, em casos determinados, uma contratação direta, encurtando o lapso temporal necessário para a regularização da ocupação perene de áreas portuárias arrendadas; principalmente quando se tratar de portos organizados que naturalmente não possuem muita demanda pela ocupação de áreas mediante contratos de arrendamentos.
Dessa forma, embora a regulamentação não traga uma limitação à capacidade, à localização, ao porte, ao tipo de carga e à vocação dessas instalações, é razoável supor que esse tipo de contratação será mais utilizado em portos com mais áreas disponíveis para serem arrendadas. Pois será diante dessa realidade que o chamamento público realizado terá maior probabilidade de identificar um único interessado na exploração da área ofertada.
Outra vocação natural desse tipo de contratação está relacionada a mercados já estabelecidos por meio de contratos de arrendamentos que não podem mais ser prorrogados e que atendam mercados integrados sem potencial de competividade ao longo da cadeia; hipótese a ser verificada no estudo de viabilidade do arrendamento portuário.
Feitos esses esclarecimentos sobre os potenciais alcances desse tipo de contratação, trago apontamentos sobre o rito necessário para a efetivação da dispensa de licitação.
Para que a autoridade portuária possa promover um chamamento público para verificação da existência de um único interessado na exploração de área, o poder concedente deverá solicitar à administração do porto que publique o instrumento convocatório constando as características da exploração portuária pretendida.
E para chegar a esse ponto, o poder concedente terá aprovado o estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental (Evtea) da área a ser destinada para contratação, bem como definido as principais características da exploração da área. Tais como o objeto, a área e o prazo; o modo, a forma e as condições da exploração da instalação portuária; a previsão de investimentos mínimos de responsabilidade do contratado; o perfil de cargas a ser movimentado e a capacidade de movimentação do terminal.
Durante a aprovação do Evtea, e especialmente observando o mercado a ser atendido pela instalação portuária a ser arrendada, o poder concedente é capaz de fazer uma verificação tendente a identificar os potenciais interessados na exploração daquele terminal.
Importante ressaltar que essa análise já é feita atualmente durante o processo de aprovação desses estudos.
Embora não seja uma identificação exata desses potenciais interessados, essa percepção do estudo é importante para que seja possível classificar o empreendimento como apto ao chamamento público, pois apenas aqueles contratos em que seja crível pressupor a existência de um único interessado (percepção que se terá por meio da identificação do mercado potencial a ser atendido por aquela infraestrutura portuária) serão encaminhados para chamamento público diante da autoridade portuária, não sendo um passo obrigatório e necessário para todas as celebrações de contratos de arrendamentos portuários.
Após esse encaminhamento do poder concedente, a autoridade portuária deverá proceder a abertura de chamamento público por meio da divulgação de instrumento convocatório, concedendo o prazo de trinta dias para identificar a existência de interessados na exploração da área e instalação portuária.
A manifestação de interesse pressupõe o compromisso da pessoa jurídica de celebrar o contrato de arrendamento quando for a única interessada; ou de apresentar proposta válida em certame licitatório, em caso de existência de mais de um interessado.
Esse compromisso será firmado por meio da comprovação da prestação de garantia de proposta.
A exigência de garantia se justifica como uma espécie de objeção ao eventual comportamento oportunista daquele que se apresente no chamamento público apenas com a intenção de causar embaraços e impedimentos a outro agente de mercado, sem que tenha o real interesse na exploração da área.
A garantia aportada será sempre restituída ao(s) interessado(s). Se o processo de chamamento apresentou apenas um único interessado, ela será devolvida logo após a celebração do contrato de arrendamento.
Por sua vez, se o chamamento público atraiu mais de um interessado ela será devolvida quando da apresentação de garantia de proposta válida no âmbito do certame licitatório que se seguirá.
Assim, feito o chamamento público, e tendo apenas um único interessado, o processo segue diretamente para a celebração do contrato junto ao poder concedente.
No entanto, caso haja mais de um interessado, o processo é encaminhado para o prosseguimento do certame licitatório já amplamente conhecido.
Da alteração das regras do procedimento de licitação portuária
As alterações que impactaram o art. 11 dizem respeito ao prazo para realização do leilão e à obrigatoriedade de realização de audiência pública como rito do procedimento licitatório.
A primeira alteração foi a retirada do prazo mínimo de cem dias para a apresentação de propostas, contado da data de publicação do edital.
Esse artigo foi inserido no Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013, pelo Decreto nº 9.048, de 10 de maio de 2017, com a justificativa de que seria necessário estabelecer tempo razoável para que os interessados analisassem os editais da licitação.
No entanto, a experiência nas últimas licitações portuárias realizadas pelo Ministério da Infraestrutura demonstrou que esse prazo de antecedência poderia ser customizado de acordo com o porte do terminal a ser licitado, não havendo necessidade de tamanho lapso temporal para os terminais com menores obrigações de investimentos e logística de movimentação mais simplificada.
Essa percepção adveio também de pleitos de agentes de mercado que entendiam que o prazo de cem dias era justificado quando a licitação se tratava de terminais mais complexos ou com mercados mais disputados. Mas quando se tratava de procedimentos licitatórios de áreas com logística mais consolidada ou de menor porte esse prazo parecia excessivo e desnecessário, ocasionando muito atraso na realização do leilão portuário.
Assim, partindo desse racional de customização do prazo de acordo com o projeto a ser licitado, entendeu-se pela retirada do prazo mínimo de realização do leilão, que deverá ser estabelecido no próprio edital do certame.
Outra alteração do art. 11 foi em seu parágrafo terceiro, especialmente em relação ao valor de contrato acima do qual faz-se necessária a realização de audiência pública do certame licitatório de contrato de arrendamento.
A partir da publicação do Decreto nº 9.048, de 10 de maio de 2017, a Antaq deveria convocar audiência pública quando o valor do contrato fosse superior a cem vezes o limite estabelecido no art. 23, caput, inciso I, alínea “c”, da Lei nº 8.666/1993; montante equivalente a R$ 330.000.000,00 (trezentos milhões de reais).
A partir de agora esse valor de contrato não está mais vinculado à Lei Geral de Licitações, mas deverá ser estabelecido pela Agência Reguladora setorial.
O fundamento da desvinculação do valor à Lei de Licitações seguiu o mesmo racional da justificativa da alteração do art. 6º ao defender que o montante legal não estaria adequado à realidade e à especificidade do setor portuário.
Assim, entendeu-se que ao eleger a Antaq como ente responsável para fixar tal montante, o limite aplicável para a realização das audiências públicas espelharia melhor a necessidade do setor.
Das regras afetas às concessões portuárias
O Decreto nº 10.672, de 12 de abril de 2021 também trouxe importantes alterações aplicáveis às concessões portuárias por meio de alterações nos arts. 19 e 21.
Por meio da alteração do art. 19 foi retirada a limitação de prazo para o primeiro período contratual de uma concessão portuária, e aumentado o limite de prazo para que o concessionário manifeste o seu interesse pela prorrogação do contrato.
A regra de vigência contratual estabelecida até então estabelecia que o contrato de concessão, assim como o contrato de arrendamento, teria prazo determinado de até trinta e cinco anos, prorrogável por sucessivas vezes, a critério do poder concedente, até o limite máximo de setenta anos, incluídos o prazo de vigência original e todas as prorrogações.
Com a modificação trazida, não haverá, para os contratos de concessão de porto organizado, a limitação de trinta e cinco anos para o primeiro período contratual, havendo apenas a limitação total de setenta anos.
Essa alteração significa dizer que a concessão poderá ser celebrada desde o início por um prazo de trinta e cinco, cinquenta ou até setenta anos.
O importante é que o prazo total da concessão não ultrapasse o limite de setenta anos, não havendo uma limitação imposta ao primeiro período contratual.
Com o avançar dos estudos e das modelagens econômico-financeiras das concessões, começou-se a se aventar que, dependendo do porto a ser concedido e da modelagem regulatória estabelecida, a viabilidade do projeto poderia ficar prejudicada se houvesse a limitação de celebração inicial do contrato por apenas trinta e cinco anos.
A partir de agora, o poder concedente terá a liberdade de eleger, de acordo com o modelo regulatório-econômico adequado à realidade operacional do porto, qual o prazo necessário ao contrato de concessão, sempre respeitado o limite de setenta anos.
Outra alteração de mérito aplicável às concessões diz respeito à antecedência mínima para que o concessionário pleiteie a prorrogação de seu contrato.
A norma anteriormente vigente estabelecia que o prazo de antecedência para que os titulares do contrato de arrendamento e de concessão pleiteassem a prorrogação de seus contratos era de sessenta meses em relação ao encerramento da vigência.
Dada a complexidade e a magnitude dos contratos de concessão portuária, entendeu-se que a antecedência para pleitear a prorrogação deveria ser de noventa meses, e não mais sessenta meses como anteriormente previsto; tempo entendido como necessário para a adoção das providências indispensáveis à prorrogação ou à realização de novo certame licitatório.
Em se tratando da regra prevista no art. 21, foi estabelecido que os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros terão sua vigência máxima limitada ao prazo previsto para a concessão, ressalvados os casos em que houver expressa autorização do poder concedente quanto à celebração do contrato com prazo de vigência que ultrapasse o da concessão.
Essa regra já era parcialmente vigente ao estabelecer que os contratos celebrados pela concessionária e terceiros tivessem a vigência máxima coincidente com o fim da concessão.
A restrição de vigência se justifica especialmente pelas disposições do art. 5º-A da Lei nº 12.815/2013 que prevê que os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros, inclusive os que tenham por objeto a exploração das instalações portuárias, serão regidos pelas normas de direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente, sem prejuízo das atividades regulatória e fiscalizatória da Antaq.
Por se tratar do regime jurídico privado quando se trata dos contratos firmados entre a concessionária e o terceiro, não restam dúvidas de que o poder concedente não deve fazer parte da gestão dessas avenças, de modo que o titular da concessão do porto terá, desde que respeitados os instrumentos de planejamento, completa liberdade na relação contratual com esse agente.
No entanto, é certo que essa flexibilidade negocial só poderá gerar obrigações entre os titulares do contrato, motivo pelo qual a vigência do contrato firmado entre eles não poderá ultrapassar o limite do prazo da concessão, período em que cessa o direito do concessionário de explorar o porto organizado.
Apesar disso, há a percepção de que pode haver determinada contratação que, por sua natureza excepcional, justifique sua vigência por período que extrapole o termo da concessão.
Para esses casos, e desde que haja a manifestação expressa do poder concedente, haverá a possibilidade de celebração por período que exorbite o limite da concessão.
Do contrato de uso temporário
Houve também a inserção do art. 25-A, visando regulamentar o art. 5º-D. da Lei nº 12.815/2013 que dispõe que a administração do porto organizado poderá pactuar com o interessado na movimentação de cargas com mercado não consolidado o uso temporário de áreas e instalações portuárias localizadas na poligonal do porto organizado, dispensada a realização de licitação.
O contrato de uso temporário foi previsto primeiramente pela Antaq em 2011 por meio da edição da Resolução nº 2.240/2011-ANTAQ.
A regulamentação da Agência pretendia criar uma possibilidade de atração de carga não consolidada para o porto, ou mesmo disponibilizar áreas ociosas para servirem de apoio ao mercado de cargas off shore que estava em franca expansão à época.
Enquanto a norma da Agência Reguladora esteve vigente, foram celebrados 20 contratos de uso temporário que contribuíram com a redução da ociosidade de áreas em vários portos brasileiros como Itaqui, Maceió, Pelotas, Porto Alegre, Recife, Santana, São Sebastião e Vitória; no entanto, por força de decisão judicial, a celebração de contratos dessa natureza não foi mais possível no ordenamento jurídico.
O Decreto Regulamentador traz o conceito de cargas com mercado não consolidado como sendo a mercadoria não movimentada regularmente no porto nos últimos 5 (cinco) anos, tendo demandado, em média, menos de uma atracação mensal no mesmo período.
Essa conceituação é importante para que se alcance o principal objetivo dessa contratação que é trazer novas cargas para o porto e permitir a viabilização de novos mercados logísticos que ainda não utilizam o porto público como via perene de movimentação portuária.
Além da disposição trazida na lei de que a vigência desse tipo de contratação está limitada em até 48 (quarenta e oito) meses, e de que os investimentos a serem realizados na área ocorrerão exclusivamente às expensas do interessado, sem direito a indenização de qualquer natureza, o Decreto Regulamentador incorpora regra acerca da necessidade de adequação da exploração ao plano de desenvolvimento e zoneamento do porto, bem como traz a diretriz de que a utilização da área implicará o pagamento das tarifas portuárias pertinentes, podendo ser adicionada de parcela remuneratória variável fixada pela autoridade portuária competente.
A possibilidade de fixação de uma parcela variável contratual é importante instrumento de remuneração para que a autoridade portuária possa firmar uma avença que seja verdadeiramente vantajosa para as partes e que incentive o incremento de movimentação e a eficiência do ativo de infraestrutura.
Outro item importante de ser apontado é sobre a regra de alfandegamento dessas instalações.
No âmbito da regulamentação da Agência, o alfandegamento da área explorada por contrato de uso temporário não poderia estar sob a responsabilidade do titular da instalação portuária, mas apenas em nome do próprio porto organizado.
Essa disposição adveio, à época, da defesa regulatória de que o contrato de uso temporário se assemelhava ao uso público de área portuária, situação que admite apenas o alfandegamento em nome da autoridade portuária.
No entanto, essa limitação regulatória trouxe alguns entraves aos operadores de áreas de uso temporário, pois havia circunstâncias em que o próprio porto organizado não detinha as condições ideais de alfandegamento, situação que inviabilizava esse tipo de contratação.
Visando dar mais flexibilidade ao titular do contrato, e, principalmente afastar a possibilidade de que os portos organizados alfandegados tenham que vir a assumir responsabilidades por ilícitos aduaneiros causados por terceiros que fazem o uso temporário de suas áreas e instalações portuárias, foi previsto que o alfandegamento dessas áreas deverá estar sob a responsabilidade do titular da instalação portuária.
Sobre a regra de contratação, o Decreto dispõe que na hipótese de haver mais de um interessado na utilização de áreas e instalações portuárias, a autoridade portuária deverá, num primeiro momento, tentar alocar todos os interessados que vislumbrem esse tipo de contratação.
No entanto, na eventual impossibilidade de inexistir disponibilidade física para a acomodação de todos os interessados concomitantemente, a administração do porto organizado promoverá processo seletivo simplificado para a escolha do projeto que melhor atenda ao interesse público e do porto, assegurados os princípios da isonomia e da impessoalidade na realização do certame.
O Decreto Regulamentador não dispôs sobre os ritos aplicáveis ao processo seletivo simplificado, mas apenas concedeu à Antaq a regulamentação da matéria.
Da gestão de investimentos de contratos de arrendamento
Em se tratando de regras aplicáveis aos contratos de arrendamentos, houve a inserção dos §§ 9º e 10º ao art. 42 do Decreto nº 8.033, de 27 de junho de 2013.
O art. 42 dispõe sobre os ritos, regras e procedimentos aplicáveis à realização de investimentos não previstos nos contratos.
Atualmente, o inciso II do art. 42 estabelece que a realização de investimentos não previstos nos contratos deverá ser precedida de aprovação do poder concedente, precedida de análise da Antaq, no caso das concessões e dos arrendamentos.
Enquanto ao poder concedente cabe o exame da adequação do investimento ao interesse público e a celebração do aditivo contratual, à Antaq recai a competência da análise do impacto da realização do investimento na matriz econômico-financeira do contrato.
Objetivando uma dinâmica mais eficiente de aprovação de investimentos não previstos contratualmente, propôs-se a adoção de um novo racional de validação dos investimentos necessários à modernização e ampliação da infraestrutura que ocorram exclusivamente às expensas do interessado, sem direito a indenização de qualquer natureza.
Segundo as novas disposições regulatórias, o arrendatário de instalação portuária e o concessionário de porto organizado poderão realizar investimentos não previstos no contrato, dispensadas a aprovação do poder concedente e a prévia análise da Antaq, desde que exclusivamente às suas expensas e sem que haja recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Nessa hipótese, e quando se tratar de investimento realizado por arrendatário de instalação portuária, será necessária apenas a prévia autorização da administração do porto e a comunicação ao poder concedente e à Antaq, não havendo mais o rito de aprovação nesses dois entes.
Atualmente, todo e qualquer investimento não previsto no contrato precisa ser aprovado pelo poder concedente independente de causar ou não algum impacto no equilíbrio econômico-financeiro da avença.
No entanto, não é raro existir o interesse por parte do arrendatário de realização de investimentos sem que haja a contrapartida de análise de reequilíbrio contratual, hipótese que vinha causando dúvidas quanto à juridicidade e quanto ao rito aprovador necessário.
Por meio dessa alteração regulatória, restará assegurado o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato quando da realização de investimentos não previstos contratualmente, mas também será incorporada uma opção jurídica para que o arrendatário e o concessionário tenham a segurança de investirem com maior agilidade por meio de um rito de aprovação mais célere caso optem por fazê-los exclusivamente às suas expensas e sem que haja recomposição do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.
Das regras de transição
Por fim, visando conceder tempo hábil para que a Antaq exerça a competência disposta no §3º do art. 11, o Decreto Regulamentador adicionou o art. 47-B concedendo o prazo de 120 dias para que a Agência estabeleça o limite acima do qual deverá ser convocada audiência pública com antecedência mínima de dez dias úteis de sua realização, a qual deverá ocorrer com antecedência mínima de quinze dias úteis da data prevista para a publicação do edital.
Ademais, tendo por fim não gerar descontinuidade dos processos licitatórios em curso no momento da edição do Decreto, foi estabelecido o montante provisório de R$ 330.000.000,00 (trezentos e trinta milhões de reais) como base referencial para a exigência de realização de audiência pública.
Importante apontar que R$ 330.000.000,00 (trezentos e trinta milhões de reais) é o valor atualmente aplicado com base na aplicação subsidiária da revogada Lei nº 8.666/1993.
A publicação do Decreto Regulamentador vinha sendo muito aguardada pelo setor portuário desde a publicação da Lei nº 14.047/2020. Após essa publicação, espera-se grandes avanços que incorporem ainda mais investimentos aos portos organizados, trazendo ainda mais eficiência para esse importante segmento da infraestrutura brasileira.
Flávia Morais Lopes Takafashi é diretora de Gestão de Contratos de Arrendamento e Concessão da Secretaria Nacional de Portos e de Transportes Aquaviários do Ministério da Infraestrutura e membro da Wista Brazil