Por Maria de Castro Michielin
• O IPTU, nos termos da Constituição e do disposto no artigo 34 do Código Tributário Nacional (CTN), tem por fato gerador possível: “(...) a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.”
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Por força dessas disposições, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça, por décadas, firmaram jurisprudência pela inexigibilidade do IPTU em áreas de propriedade da União (e das demais pessoas políticas de direito público) sob concessão, e em seguida arrendados, locados ou dados em comodato a pessoas de direito privado para exploração de atividade econômica com fins lucrativos.
A ausência de direito real do arrendatário, locador ou comodatário, mormente quanto à impossibilidade de posse que conduza ao domínio do imóvel de propriedade de pessoa política de direito público, bem como a extensão da imunidade recíproca a pessoas jurídicas que, embora possuam personalidade jurídica de direito privado, qualifiquem-se tão somente como prestadoras de serviço público, sem intuito lucrativo, impediria a exigência do IPTU nessa hipótese. Assim decidiu o STF e o STJ por anos.
Em 6 de abril de 2017, o Supremo decidiu colocar em pauta o assunto em repercussão geral (Tema 385), no qual se discutia a exigibilidade do IPTU pelo Município de Santos em área de propriedade da União, concedida à CODESP e arrendada à Petrobras.
Nesse julgado, a maioria da Corte decidiu que a imunidade recíproca já garantida à CODESP não se estende a pessoa jurídica de direito privado arrendatária de imóvel público no exercício de exploração de atividade econômica com fins lucrativos, hipótese na qual estaria enquadrada a estatal.
Nesse julgamento, restou firmada a seguinte tese para fins de repercussão geral: “A imunidade recíproca não se estende a empresa privada arrendatária de imóvel público, quando seja ela exploradora de atividade econômica com fins lucrativos. Nessa hipótese, é constitucional a cobrança de IPTU pelo município”.
Em seguida, por ocasião do julgamento do RE n. 601720, no qual se discutia a exigência do IPTU da concessionária de automóveis Barrafor Veículos LTDA., cujo estabelecimento ocupava terreno de propriedade da União cedido em contrato de concessão à Infraero, próximo ao aeroporto de Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, o Plenário, de igual modo, seguiu a orientação firmada no Tema 385 e deu provimento ao recurso do município do Rio de Janeiro, de modo a legitimar a cobrança do IPTU em área de propriedade da União.
Assim, após o julgamento dos RE´s 594.015 e 601.720, intensificaram-se as exigências de IPTU por parte dos Municípios, de concessionários em portos, aeroportos, estradas e demais áreas exploradas mediante regime de concessão, sem a devida atenção aos limites do decidido pelo STF.
Entretanto, no caso das concessionárias de serviço público, ainda que a atividade seja desenvolvida por particulares e autorizada a busca do lucro na respectiva exploração, o serviço desenvolvido continua sendo, para todos os efeitos constitucionais e legais, público. Nesse ponto há distinção quanto ao decidido pelo STF, em julgados nos quais a matéria de fundo dizia respeito a clara exploração de atividade econômica por pessoa de direito privado, de início, estranhas àquelas decorrentes do ato concessório (Petrobras e Barrafor Veículos). E mais. No caso da Barrafor (RE 601720), sequer a área ocupada pela “revendedora de veículos” (Ford) se encontrava dentro do aeroporto, mas apenas próximo ao complexo aeroportuário!
Portanto, é necessária a distinção entre o decidido pelo STF e a tentativa dos municípios de exigir o IPTU de áreas de propriedade da União exploradas por concessionárias de serviço público. Isso porque a “distinção fática deve revelar uma justificativa convincente, capaz de permitir o isolamento do caso sob julgamento em face do precedente”, segundo Luiz Guilherme Marinoni, em sua obra “ Precedentes Obrigatórios”, 3ª ed, ver. Atual. E ampliada – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013.
É óbvio que a exigência do IPTU pelos municípios em áreas sob concessão deve levar em consideração qual a relação da atividade exercida pelo particular. É preciso avaliar se é decorrente de serviço público ou se essencialmente privada, sem a presença de qualquer interesse público que justifique o tratamento fiscal privilegiado.
Se a exploração, ainda que econômica e com fins lucrativos, decorrer exclusivamente das obrigações pactuadas no contrato de concessão, ainda que realizada por terceiros, é inexigível o IPTU de área de propriedade da União. Se privada e desvinculada do serviço público concedido, aí sim, em tese, nos termos do decidido pelo Supremo, se justificaria a exigência do imposto municipal.
Ademais, se por hipótese admitida fosse a exigência do IPTU de áreas sob concessão de serviços públicos essenciais e de inequívoca utilidade pública, ainda assim estaria vedada a sua exigência retroativa. Isso porque é indispensável preservar a segurança jurídica decorrente de mudança de orientação do STF sobre o tema nos contratos de concessão vigentes, em respeito à proteção à confiança e ao equilíbrio econômico-financeiro.
Para isso, é imperativa a aplicação do artigo 146 do Código Tributário Nacional, cujas disposições são claras quanto à impossibilidade de exigência retroativa de tributo em decorrência de mudança de critério jurídico, mormente quando ocasionado por mudança radical de postura da Corte Suprema sobre o assunto.
Assim, considerando a natureza da concessão do serviço, a natureza de bem público, resta claro o entendimento de que o IPTU não é devido aos concessionários de serviços públicos em geral (de rodovias, aeroportos, portos, ferrovias, etc).
Maria de Castro Michielin. MBA em Direto Empresarial e Direito Econômico pela Fundação Getúlio Vargas e Ohio University, e Sócia da área de Infraestrutura (concessões e parcerias público privadas) do Braga Nascimento e Zílio Advogados