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Lições para o Brasil? Trump indica Diretor-Geral para a FMC

O modelo de regulação setorial marítima e portuária, que vem sendo feito pela Antaq, através da Lei n. 10.233/2001, teve inspiração na Federal Maritime Commission, norte-americana. Nesse cenário, as ações do governo Trump em relação a esta agência reguladora setorial podem ser úteis ao modelo brasileiro? Quais lições podem ser dadas?

Não há dúvidas de que a implantação deste modelo no Brasil tem causado problemas à economia, especialmente: (i) porque o grau de participação dos agentes do setor, especialmente empresas brasileiras de navegação e usuários é muito menor, se comparado ao norte-americano; (ii) o nosso Congresso Nacional não tem cultura de accountability em relação às atividades das agências setoriais e, na maioria das vezes, tem indicado diretores vinculados à base do governo federal, o que é razoável, mas sem expertise no setor; e (iii) o direito administrativo brasileiro é de origem romano-germânica (civil law tradition), com menor interação com o mercado, enquanto a FMC atua num ambiente com direito de origem anglo-saxônica (common law tradition).


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Nesse ambiente, é relevante conhecer o que vem sendo feito nos Estados Unidos, especialmente, no governo Trump. Esta estratégia assume importância, tendo em vista a apatia dos regulados no Brasil, principalmente empresas brasileiras de navegação e usuários (são mais de 250 mil) em relação às possibilidades e limites das funções da agência para desenvolver o setor, decorridos mais de 15 anos de criação da Antaq.

A Antaq é uma agência de Estado e não de governo e, parece-me, que a omissão dos regulados sobre as suas atividades é fruto, em parte, da descrença da sociedade nas ações coletivas, tal como ensina o sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman, falecido recentemente, e autor de diversos livros, entre os quais, Modernidade LíquidaAmor Líquido e Vida Líquida.

Ao comparar a atualidade com o século XX, Bauman dizia que vivemos em um interregno, no qual as formas como aprendemos a lidar com os desafios da realidade não funcionam mais.

Em entrevista ao programa Milênio, da GloboNews, o pensador polonês declarou que “as instituições de ação coletiva, nosso sistema político, nosso sistema partidário, a forma de organizar a própria vida, as relações com as outras pessoas, todas essas formas aprendidas de sobrevivência no mundo não funcionam mais direito. Mas as novas formas, que substituiriam as antigas, ainda estão engatinhando. Não temos ainda uma visão de longo prazo, e nossas ações consistem principalmente em reagir às crises mais recentes, mas as crises também estão mudando”.

Voltando aos EUA, a indicação recente de Michael Khouri, um veterano com 45 anos de atuação na indústria marítima, para a Direção-Geral da FMC, pode trazer novas luzes para o setor no Brasil. Khouri foi nomeado diretor por Obama em  2009 e, desde então, tem incentivado armadores, usuários, terminais portuários e agentes intermediários (OTI) a buscarem  soluções para os problemas de gargalos logísticos e tem avisado o governo (poder concedente) que a ingerência pode causar externalidades negativas.

Khouri sucederá Mario Cordero, um democrata, e indica que a FMC terá uma gestão mais cautelosa no exercício do seu poder regulador e busca mais soluções comerciais negociadas entre os regulados, tendo em vista que os republicanos terão a maioria no colegiado de cinco diretores.

Na agenda da FMC encontra-se uma petição de uma coalizão de 25 associações de usuários e transportadores rodoviários acerca da urgência da regulação sobre demurrage e detention, especialmente quando as causas não decorrem de ação dos usuários, como greve de trabalhadores portuários e  atrasos com as operações dos navios da Hanjin. O grupo defende a extensão do free time do contêiner e da armazenagem a partir do início destes problemas.

Por outro lado, armadores e terminais sustentam que os atrasos nos portos possuem múltiplas causas e que tais empresas não podem assumir todos os riscos. Embora Khouri compreenda a demanda dos usuários e dos transportadores rodoviários, quando tais cobranças decorrem de retenção que está fora do controle destes regulados, em entrevista ao The Journal of Commerce, ele menciona que regular tais cobranças como unreasonable charges pode ser um caminho perigoso (sllipery slope).

A norma está em audiência pública até 28 de fevereiro e,  tão logo termine este prazo, a FMC irá preparar um relatório para os cinco diretores para analisar como será feita tal regulação.

Além disso, a defesa da concorrência no setor marítimo pela FMC analisa a revisão da norma que fará o monitoramento rigoroso da criação de três alliances de armadores estrangeiros em abril de 2017. Este tema esta na pauta da Agenda Regulatória da Antaq para 2016-2017.

No caso brasileiro, após a realização de duas audiências públicas, uma para a Resolução n. 4271/2015 e a outra para a Resolução n. 5032/2016, que terminou em 30 dezembro de 2016, a Antaq deverá enfrentar o tema. A norma, que tenho denominado de Regulamento Marítimo, e que será publicada brevemente, trata dos direitos e deveres dos armadores, dos agentes intermediários  e dos usuários.

Um dos pontos controvertidos da mesma, é a outorga de autorização do armador estrangeiro e dos agentes intermediários, que operam sem qualquer licença ou controle da agência setorial,  ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos. A Antaq sugeriu um cadastro para o transportador marítimo estrangeiro.

A nova resolução regulará a sobre-estadia de contêiner. Segundo contribuições dos poucos usuários à referida norma, é preciso que a Antaq regule o tema, sob a ótica da modicidade nos preços, como determina o marco regulatório. A palavra chave, para evitar os abusos, é equilíbrio, fairness, especialmente, em face dos abusos que foram e ainda são permitidos com cobranças no Poder Judiciário, de valores de demurrage até 25 vezes o do contêiner.

Em conclusão, é preciso olhar para o que vem sendo feito no modelo norte-americano, porque, com eventuais ajustes, pode contribuir para melhorar o setor marítimo e portuário, especialmente no que tange à previsibilidade e modicidade nos preços e tarifas. Sobre o tema, menciono o livro Direito Regulatório e Inovação nos Transportes e Portos nos Estados Unidos e Brasil, 2009, 410 páginas, com prefácio do prof. Ashley Brown, da Harvard University.

A obra é o relatório do pós-doutorado em regulação de transportes e portos comparada realizado em 2007-2008 no Center for Business and Government da Kennedy School da Harvard University. Nela fiz a análise comparativa de vinte e dois elementos determinantes da regulação da FMC e da Antaq, com sugestões para aperfeiçoar o modelo brasileiro.

Para Bauman, “Nossos acordos são temporários, passageiros, válidos apenas até novo aviso.” Seu conceito de que vivemos uma era líquida, sem solidez e, constantemente, em mutação, influencia o Direito, que, a princípio, se baseia em normas e precedentes rígidos.

No Brasil, para que a economia se desenvolva em benefício do interesse público, é preciso que os agentes compreendam o papel da regulação setorial independente. Sem tal comprometimento, o ambiente institucional de negócios continuará o mesmo, e fazendo com que a inserção da economia doméstica no comércio global, fique cada vai mais difícil, especialmente em tempos de aumento do protecionismo norte-americano.






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