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Mudanças regulatórias no âmbito da Antaq poderão inviabilizar investimentos nos portos e gerar gargalos

Por Nelson Carlini

• O governo discute mudanças regulatórias que poderão afetar a dinâmica dos terminais portuários de contêineres, inviabilizando novos investimentos no setor, tão necessários para a retomada da economia, e potencializando gargalos que comprometerão a eficiência da cadeia logística. Preocupa a revisão da Resolução nº 2.389 de 2012, da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), que estabelece os parâmetros à prestação dos serviços de movimentação e armazenagem de contêineres nos portos. O assunto será decidido em reunião da Antaq no próximo dia 8 de agosto.


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Entre as mudanças regulatórias em exame está o fim da cobrança pelo Serviço de Segregação e Entrega de Contêineres (SSE), também conhecido como Taxa de Manuseio de Terminal 2 (THC2, na sigla em inglês). O THC refere-se ao valor cobrado pelos terminais para segregação, descarga e empilhamento do contêiner, ou seja, é a transferência do contêiner a partir do navio até o pátio, para cumprimento dos Liner Terms previstos nos contratos de transporte marítimos. Já a SSE (ou THC2, expressão considerada pejorativa no setor) é a taxa cobrada para selecionar e levar o contêiner da pilha no pátio até o portão do terminal, nas operações de importação.

O  fim desta cobrança coloca em xeque todo o planejamento feito pelos terminais, visando a sustentabilidade econômico-financeira desses empreendimentos no longo prazo. O SSE foi instituído em 1987 e, na fase pré-privatização dos portos (ou seja, antes da Lei 8.630, de 1993), remunerava basicamente os serviços administrativos e burocráticos da Companhia Docas de São Paulo (Codesp), em especial a fiscalização e a segurança na transferência das cargas dos navios diretamente para carretas estacionadas no porto.

A partir das privatizações, foram feitos grandes investimentos na construção, ampliação e modernização dos terminais portuários de contêineres (nos últimos 20 anos, um total de R$ 15,4 bilhões foram investidos). Essas novas e modernas instalações passaram a contar com guindastes (os portêineres), guindastes de pátio (transtêineres), empilhadeiras pesadas e sistemas de planejamento e controle especializados para fazer a descarga dos contêineres do navio para o pátio do porto de forma ordenada, seletiva e rápida de modo a agilizar as operações e possibilitar o despacho de navios cada vez maiores. A partir daí, em outra etapa da operação, também transferem os contêineres com segurança e eficiência para os chamados Terminais Tetroportuários Alfandegados (os TRAs). Reconhecendo que esse serviço prestado pelos terminais marítimos portuários é essencial, além de altamente especializado, porque envolve uma logística complexa, a Antaq regulamentou a cobrança da SSE por meio da Resolução 2.389, de 2012.

Porém, sob a falsa alegação de que as taxas são potencialmente anticompetitivas, os terminais retroportuários, localizados, portanto, fora dos portos, vêm pressionando pela eliminação da cobrança do SSE, e para tanto fizeram gestões junto ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, e ao Tribunal  de Contas da União (TCU) para derrubá-la. O TCU, no Acórdão número 1.704, de 2018, ordenou que a Antaq revisse a Resolução, a fim de, entre outras medidas, eliminar a cobrança de SSE.

Se isso for de fato feito, os terminais retroportuários (TRAs) vão ampliar as suas margens de lucro indevidamente, às custas de um serviço efetivamente prestado pelos terminais marítimos, que deixariam de ser remunerados. A lógica é simples: a cobrança de SSE existe — e deve ser mantida — para remunerar os custos pelo manuseio de carga do navio na unidade portuária e seu adequado transporte até as retroáreas; e a cobrança é devida, porque remunera um serviço efetivamente realizado. 

Na prática, o que os terminais retroportuários pretendem, de forma indevida, é que os terminais portuários de contêineres movimentem as cargas gratuitamente, beneficiando-os, como se este serviço de movimentação de contêiner, do navio à saída do porto, que é essencial — e que implica uma complexa logística —, não tivesse qualquer custo, o que não pode estar correto.

A revisão da Resolução 2.389 de 2012, com a possibilidade de eliminação da cobrança de SSE, segue em curso na Antaq sem que se tivesse respeitado o contraditório, pois os regulados (terminais portuários) não foram ouvidos, e sem que tivesse sido feita a devida Análise de Impacto Regulatório (AIR), como determina a Lei 13.848 de 2019 (que dispõe sobre as agências reguladoras).

O resultado disso poderá ser um grande impacto econômico negativo, com retração ou mesmo fuga de investimentos, com o consequente aumento dos custos logísticos para a cadeia produtiva nacional. Os terminais de contêineres planejam investir mais de R$ 5 bilhões nos próximos cinco anos. Mas como poderão confirmar esses investimentos, se não houver a necessária segurança regulatória? Impossível.

Os terminais portuários de contêineres compreendem 20 instalações nos 15 principais portos brasileiros. Juntos, geram mais de 12 mil empregos diretos e foram responsáveis pela geração de R$ 9,6 bilhões em tributos nos últimos 20 anos. Neste período, pagaram R$ 5 bilhões em outorgas ao governo. Os resultados do segmento, em termos de produtividade e eficiência, também são relevantes: de 1.428.717 de unidades movimentadas em 1998 para 6.131.809 em 2018; de cinco unidades movimentadas por hora em 1998 para 80 em 2018.

A estabilidade regulatória é a condição para que o desenvolvimento do setor possa ter prosseguimento,  com efeitos positivos para a economia do país.

Nelson Carlini

Nelson Carlini é Engenheiro naval e consultor na área de logística

Leia também a resposta da Antaq a este artigo aqui






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