Notícias veiculadas pela mídia tem dado alguma relevância à decisão do plenário do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) que suspendeu preventivamente o direito das empresas APM Terminals e Portonave pela cobrança dos valores referentes aos serviços de segregação e entrega de contêineres em seus respectivos terminais na cidade de Itajaí/SC, suspensão esta que, a princípio, perduraria até o final dos respectivos processos que tramitam perante aquela autarquia, os quais visam apurar eventuais abusividades na cobrança de SSE pelos operadores portuários.
Como era de se esperar, referidas decisões do Cade foram objeto de análise pelo Poder Judiciário e ora encontram-se suspensas por força de decisões prolatadas pela 20ª Vara Federal Cível do Distrito Federal (Portonave) e 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (APM).
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Sobreleva reconhecer a exatidão no posicionamento do Poder Judiciário nestes dois casos, como na maioria das demandas que tratam da legalidade na cobrança de valores decorrentes do serviço de segregação e entrega de contêineres (SSE).
Apesar da suspensão das decisões do Cade, de fato contrárias à lógica do serviço envidado, é relevante refletirmos sobre o grau de afetação que posicionamentos como estes possuem, não se limitando aos dois terminais localizados em Itajaí (que ora servem de paradigma), mas em todo o cenário portuário nacional.
É imperioso asseverar que tais decisões proferidas pelo Cade caminham na contramão das conclusões alcançadas tanto pelo Poder Judiciário, quanto pelo Poder Executivo, por meio da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) em sua Resolução nº 34/2019, agência reguladora da matéria, motivo pelo qual, estas decisões do Cade não costumam perdurar por tempo demasiado, face que a judicialização do tema pelas empresas diretamente afetadas, possuem sempre boas chances de êxito em seus respectivos pleitos.
Esta boa chance de êxito nas demandas judiciais advém, em boa parte, do fato de que o Superior Tribunal de Justiça, por meio de decisão monocrática do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, já se manifestou acerca do tema, inclusive suspendendo decisão da 30ª Câmara de Direito Privado de São Paulo que apresentava posicionamento antagônico à jurisprudência majoritária das câmaras daquele tribunal paulista, cuja declaração de legitimidade e legalidade na cobrança de valores de SSE tem sido a regra.
Este posicionamento do STJ, aliás, está em perfeita harmonia com as decisões recentemente prolatadas pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (especialmente pela 6ª Turma, como ora torna a ocorrer), e pela Seção Judiciária Federal de Brasília (17ª e 20ª Varas Federais), decisões dentre as quais, inclusive, afastaram os efeitos de outras decisões oriundas do Cade, chegando a suspender o curso destes processos até que sejam finalizadas as demanda judiciais.
Trata-se de caminho bem pavimentado a ser percorrido não somente pelos terminais de Itajaí, mas pelos demais espalhados pelos portos nacionais que precisam buscar no Poder Judiciário a correção de um reiterado equívoco do Cade, sendo obrigados a pleitear a suspensão de decisões daquele Conselho que impedem a cobrança de um serviço devidamente prestado em prol dos terminais retroportuários. O que se nota, é que o Cade apresenta-se hoje como o único “campo de guerra” comercial em que os terminais retroportuários ainda encontram um fronte, referenciado por ser a única autoridade contrária a cobrança do serviço de segregação e entrega de contêineres.
Infelizmente, têm-se que o Conselho Administrativo de Defesa Econômica transgride de forma reiterada a competência da Antaq como agência reguladora, contrariando a jurisprudência majoritária sobre o tema em que as teses sobre eventuais práticas anticoncorrenciais ou abusivas originárias do serviço de SSE foram rechaçadas de forma contundente. Pior, o Cade ao transgredir a competência da Antaq sobre a matéria, termina por negar vigência não somente à atual Resolução nº 34/2019, mas à Resolução Normativa n° 2.389/2012 que anteriormente já regia a matéria, e impedia a prestação de serviço remunerado de forma totalmente gratuita.
Sendo assim, o que se pode concluir, é que o Cade está sozinho em sua empreitada, agarrando-se em decisões que além de antigas, não se coadunam com a natureza do serviço prestado e não consideram a existência de qualquer abusividade concreta, mas utilizam a mera possibilidade de abuso em abstrato (“per se”) como motivo suficiente para proibir a percepção de valores inerentes a serviço tido por todas as demais esferas como legítimo.
Marcelo Sammarco é advogado especialista em Direito Portuário