Apesar das mudanças na legislação visando o aperfeiçoamento e desenvolvimento do setor portuário no Brasil, ainda há muitas incertezas nas relações entre os players da logística do comércio internacional, especialmente, transportador marítimo, terminal portuário e usuário.
Esta insegurança jurídica, aliada à morosidade na solução de litígios pelo Poder Judiciário, tendo em vista o pouco uso dos métodos adequados de solução de conflitos pelos agentes acima, diminui a competitividade do comércio exterior brasileiro.
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Deve-se mencionar o projeto de lei que trata da reforma do Código Comercial, editado em 1850, e que possui parte que regulamenta o Direito Marítimo. Trata-se do Projeto de Lei n. 1572/2011, que tramita no Congresso Nacional e que será abordado adiante.
Além disso, o desconhecimento das especificidades do Direito Marítimo e do Direito Portuário por parcela grande dos gestores públicos, privados e da magistratura, prejudica o recebimento dos créditos devidos pelos prestadores de serviços, de um lado, e a liberação da carga do usuário, de outro lado, e compromete a eficiência das transações comerciais.
Nesse cenário de risco, assume relevância o instituto da retenção de carga, que consiste na faculdade que o terminal portuário ou armador, detentores da carga, de não entregá-la a quem pode exigi-la, enquanto o consignatário não cumprir a obrigação a que está adstrito. Para que exista tal direito, é necessário que o respectivo titular detenha uma coisa que deva entregar a outrem e simultaneamente, seja credor daquele a quem deve a restituição.
Ocorre que, há algum tempo, verificam-se abusos relacionados à retenção de cargas, de um lado, por usuários que se recusam, por exemplo, a pagar o frete, a avaria grossa declarada (de fato e de direito) ou as despesas portuárias e; do outro lado, pelos terminais portuários e armadores que usam o instituto para cobrança de despesas que extrapolam as hipóteses legais.
Assim, o desconhecimento ou o uso de má fé do referido instituto, pelos agentes mencionados, vem trazendo significativos prejuízos, de um lado, aos usuários dos serviços prestados pelos armadores e terminais e, por outro lado, a estes prestadores de serviços, em face da morosidade para recebimento dos seus créditos.
Explico: na esfera judicial há casos de deferimento do direito de retenção de carga pelo terminal, como mandatário do armador, quando não é devido, por exemplo, em caso de não pagamento de sobre-estadia. E há casos de liberação da carga via ordem judicial quando o direito de retenção é devido, tal como quando não há pagamento de frete.
Neste caso, a liberação de carga pelo Poder Judiciário, com a sonegação do direito do terminal portuário em exigir o pagamento pelos serviços portuários, e do direito do armador a receber o frete e da avaria grossa declarada, constitui-se em óbice para a previsibilidade da receita decorrente da prestação desses serviços. Este quadro não permite a amortização e a adequada remuneração dos investimentos previstos no contrato (no caso do setor portuário), vez que exigem grande aporte de capital.
Ademais, a retenção da carga, conseqüência por alguma contraprestação exigida, aumenta a própria despesa de sobre-estadia, onera o custo da armazenagem portuária e, dependendo do prazo para esta solução pelo Judiciário, pode gerar a apreensão aduaneira por suposto “abandono”.
Justamente a ausência de informação e de assessoria especializada em face da possibilidade do uso do direito de retenção pelo armador e terminal portuário, e no outro lado, pelo usuário, acerca dos efeitos sofridos pela retenção, acaba por acarretar situações impactantes do ponto de vista profissional e dos custos da operação.
Esta assimetria de informação gera prejuízos financeiros irrecuperáveis ao importador/exportador, assim como ao terminal portuário e ao armador, porque fazem jus ao recebimento dos preços pelos serviços prestados.
Há, ainda, casos de não liberação da carga sob o manto da avaria grossa que pode ser caracterizada para avaria simples, descaracterizando o direito de retenção. Por isso é necessário que, especialmente,quando o motivo é avaria grossa, haja o acompanhamento de profissional especializado.
A legislação assegura ao armador os mecanismos próprios e regulares aptos ao reconhecimento, resguardo e satisfação de seu direito, inviabilizando a retenção de carga a bordo ou no terminal, como mecanismo coercitivo para cobrança de qualquer valor, seja a que título for. Tal problema aumenta os custos de transação, no caso dos serviços prestados aos usuários, e reduz a receita pela prestação de serviço, no caso dos terminais portuários e armador.
O Projeto de Lei nº 1572/2011 que trata do Novo Código Comercial, caso venha a ser aprovado, será taxativo a respeito do direito de retenção, contempla a jurisprudência dos tribunais brasileiros que, efetivamente, tem coibido as arbitrariedades no setor, às vezes decorrentes de retenção de carga com bloqueio de conhecimento de embarque, cobrança de sobre-estadia de contêineres, dentre outros abusos.
Contudo, deve-se ter cautela, porque que, ironicamente, a inclusão no caput do artigo 636, do projeto acima, da expressão “despesas adiantadas, encargos contratuais” poderá causar insegurança jurídica e, portanto,abusos pelo armador ou seus intermediários, e pelo terminal, especialmente se for verticalizado.
Ressalte-se que a previsibilidade e a modicidade nos serviços portuários são princípios relevantes para a defesa dos usuários, especialmente quando há indevida retenção de carga pelo terminal. A segurança jurídica, por sua vez, é um princípio que regula o direito dos armadores e terminais, credores da receita pelo serviço prestado e, dessa forma, podem fazer uso da retenção.
Cabe mencionar, ainda, que medidas judiciais e administrativas podem ser tomadas para inibir e punir os abusos dos usuários, terminais portuários, armadores, bem como seus intermediários, tema esse que foge ao objeto desse artigo.
Por fim, o setor portuário demanda regulação sob nova racionalidade, própria deste século XXI, não mais em atenção somente aos portos, mas que englobe todos os prestadores de serviços, agentes intermediários e usuários e, especialmente, aos novos investidores dos setores de infra-estrutura, que devem exigir do Judiciário o cumprimento do marco regulatório do setor, em relação aos serviços portuários, frete e avaria grossa declarada.