O Porto de Itajaí, em Santa Catarina, passou por bruscas mudanças administrativas. Façamos uma breve composição de cenário antes de iniciar algumas considerações sobre o seu futuro.
Idas e vindas de modelagem de desestatização
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Durante o governo anterior, cogitou-se a concessão do porto. Estudos de modelagem foram elaborados pela EPL (hoje Infra S.A.), audiências e consultas públicas foram realizadas e até o TCU aprovou os estudos – não sem ajustes – dando o sinal verde para a licitaçãoi. Previam-se investimentos arrojados, de 2,8 bilhões, contemplando dragagem de aprofundamento e modernização / ampliaçãoii.
Na modelagem original, pretendia-se a concessão de todas as atividades de Administração Portuária de forma verticalizada com a operação por 35 anosiii.
Todavia, com a mudança para o atual governo, os estudos de modelagem foram reformulados de modo a preservar o papel da Superintendência do Porto de Itajaí (SPI) como Autoridade Portuária municipal e transferir para a iniciativa privada apenas a operação de terminal e a gestão de canal de acesso.
Sai de cena a APM Terminals e entra a JBS
Nesse meio tempo, em junho de 2023, após 22 anos de atividades, a APM Terminals decidiu encerrar suas operações no terminal de contêineres daquele porto ao não renovar seu contrato de transição. O que indica que, face ao futuro incerto do porto e ao instável ambiente regulatório (diga-se insegurança jurídica), a empresa encontrou oportunidades mais atrativas de investimentoiv.
O hardstop das operações de contêiner em Itajaí ensejou uma corrida para trazer um novo operador. Após algum bate e volta com a ANTAQ, a SPI conseguiu emplacar um processo seletivo para um novo contrato transitório.
Este contrato teria um prazo de 24 meses entendido como mínimo necessário para viabilizar o esforço de re-alfandegamento e re-licenciamento. Um investidor acostumado ao ambiente de insegurança jurídica veria a oportunidade: não olharia para o prazo inicial do contrato de transição, mas para a inércia da Administração em licitar o terminal e para as sucessivas renovações do contrato transitório.
Após reviravoltas no processo seletivo, para surpresa de muitos no setor, sagrou-se vencedora da seleção a Mada Araújo Asset Investment S.A. uma empresa sem histórico de exploração portuária, mas que prometeu movimentar 44.000 TEUs mensaisv. Todos suspeitaram que a Mada buscava uma oportunidade de “vender” o ativo para um grande operador.
De fato, em outubro de 2024, a Mada vendeu 70% das suas ações para a JBS S.A., passando a se chamar Seara Operações Portuárias S.A ou JBS Terminais. A JBS já controlava o TUP da Braskarne que integra o Complexo Portuário do Porto de Itajaí. A mudança societária foi aprovada pela ANTAQvi e o terminal recebeu seu primeiro navio de contêineres desde a saída da APM Terminals com a atracação do "Maersk Lamanai", de 300 m de comprimento.
Desde então, o terminal permanece sob controle JBS, que já contratou a movimentação de aproximadamente 58.000 TEUs por mês. Esse volume supera a Movimentação Mínima Contratual de 44.000 TEUs e será gradualmente viabilizado com investimentos de cerca de R$ 250 milhões até meados de 2025. Desse valor, cerca de R$ 130 milhões já foram investidos em novas tecnologias e duas gruas móveis. Com o restante, pretende-se ampliar a área de armazenagem para 200 mil m².
Itajaí debaixo de Santos
No âmbito da Autoridade Portuária, outra reviravolta. O Governo Federal decidiu em dezembro de 2024 não renovar o Convênio de Delegação do Porto de Itajaí para o Município, desse modo o porto retornou para a gestão federal, tendo sido atribuído à Autoridade Portuária de Santos (APS) o encargo de administrá-lo. Contudo, essa transição não foi tão suave.
Em 19 de dezembro de 2024, uma liminar do TRF-4 suspendeu temporariamente o processo, mantendo a administração sob o comando municipal. Poucos dias depois, o STJ restabeleceu a decisão de federalizar o porto, permitindo que a União reassumisse sua administração a partir de 1º de janeiro de 2025vii.
Com a APS administrando o Porto de Itajaí, o advogado André Bonini, que conta com um currículo e uma trajetória respeitáveis, foi nomeado para o cargo de gestor interino. Através de mudanças iniciais na gestão, apenas para o mês de janeiro a receita do porto superou R$ 18 milhões, um acréscimo de 134% em relação a de janeiro do ano anterior.
Foi anunciado que está em elaboração um plano de ação para a gestão de Itajaí. Um dos principais eixos desse plano será a reestruturação administrativa do porto. Também está em estudo uma ação conjunta com o Porto de Santos para implementar o VTMIS em Itajaí.
ANTAQ de olho nas dragagens
Em 2023, a ANTAQ constatou que as metas de dragagem estabelecidas em contrato não estavam sendo plenamente cumpridas, com impacto no terminal da Portonave.
De outro lado, em 2024, a empresa contratada para fazer a dragagem (Van Oord) demonstrou a inadimplência da SPI em mais de R$ 17 milhões. As dragagens, então, foram suspensas, até que houve um acordo entre SPI, ANTAQ, Portonave e Van Oord, em que a Portonave assumiu as dívidas da SPI com a Van Oord em troca de descontos tarifários.
Com a não renovação do Convênio de Delegação, o acordo não foi cumprido, gerando uma urgente pendência a ser endereçada pela APS nos próximos meses.
Nesse contexto, a SPI foi autuada e a ANTAQ passou a fazer o monitoramento dos demais contratos de dragagem firmados pelas Autoridades Portuárias, inserindo esse escopo no Plano de Fiscalizações Temáticas da Agência. Atualmente, as informações sobre dragagem devem ser encaminhadas à ANTAQ semestralmente.
Considerando que a taxa de assoreamento do canal de Itajaí é significativa, a dragagem de manutenção torna-se uma atividade essencial e permanente para a sobrevivência não só do porto, mas dos demais terminais privados que integram o complexo portuário.
Fatores-chave e o desconforto do contrato transitório
Um futuro bem-sucedido para o Porto de Itajaí depende de uma série de fatores: a definição do modelo de concessão – com gestão do canal de acesso – ou arrendamento – apenas terminal de contêineres –, a capacidade de resolver as pendências contratuais e operacionais (como a dragagem), e a consolidação de uma gestão que equilibre a interação do setor privado com a Autoridade Portuária federal.
A posição de arrendatário transitório foi durante muito tempo uma posição confortável. De um lado, o princípio da continuidade da prestação do serviço e uma boa dose de bom senso – é melhor ter um arrendatário transitório gerando receita e empregos do que não ter atividade econômica nenhuma – induziu a renovação sucessiva de contratos de transição. De outro, a capacidade limitada de deslanchar estudos de modelagem de novos arrendamentos para licitação permitiu que arrendatários transitórios permanecessem bastante tempo sem ter seus preços pressionados por um processo competitivo.
Obviamente, essa posição não gera a firmeza e a estabilidade para investimentos amortizáveis no longo prazo, mas não deixou de ser confortável para muitos.
Entretanto, recentemente, a CGU pressionou a ANTAQ sobre o tema, levando a inúmeras restrições – nem todas adequadas juridicamente, é verdade – para a renovação de contratos de transiçãoviii. Consequentemente, essa posição já não deve ser tão confortável assim.
O que esperar para o futuro do Porto de Itajaí?
Se o governo quiser licitar a área do terminal de contêineres, poderá fazê-lo por dentro ou por fora da Autoridade Portuária. A APS poderia receber um aditivo em seu Convênio de Delegação para licitar o arrendamento do terminal.
Ou, o MPOR pode seguir com a licitação da concessão ou arrendamento através da ANTAQ, como era o planejado. Em ambos os casos, os estudos de modelagem já realizados precisarão ser em parte aproveitados em parte revistos, considerando o advento da APS e que o Plano Básico de Implantação da JBS não havia sido considerado nos estudos.
Uma concessão vertical que inclua o terminal de contêineres e o canal de acesso pode criar uma disputa entre os players do mercado relevante de contêineres da região pelo domínio do canal de acesso. Entre evitar um investimento elevado e do próprio bolso em dragagens e a vantagem estratégica de controlar o canal, talvez seja melhor literalmente afundar o capital na dragagem e ter o controle do canal do que ver seu concorrente fazendo o mesmoix.
Um arrendamento do terminal de contêineres – sem o canal de acesso – pode garantir estabilidade para investimentos, mas não resolverá o problema da dragagem. Pode ser mais atrativo para quem quiser disputar o terminal – ou permanecer nele – e mais confortável para os concorrentes manterem o canal sob a APS, mas esta ainda terá que se desdobrar para viabilizar as dragagens e ser sustentável em Itajaí.
Diante desses cenários, a escolha do modelo jurídico-institucional de exploração do Porto de Itajaí será crucial para equilibrar a competição e a sustentabilidade financeira. A forma como o governo estruturará a licitação — seja dentro ou fora da APS, incluindo ou não o canal de acesso — determinará não apenas o futuro do terminal de contêineres, mas também a dinâmica do setor na região.
Denis Austin é advogado atuante em diversos setores de infraestrutura perante Agências Reguladoras, órgãos de controle e tribunais. Mestre em Direito pelo IDP. MBA em Finanças Corporativas pela FGV. Sócio do Navarro Prado, Nefussi Mandel e Santos Silva Advogados.