Por Claudio Loureiro
A greve dos caminhoneiros em 2018 alertou a sociedade sobre o papel que este modal desempenha no funcionamento da economia. Não é sem motivo que o governo federal recentemente anunciou que o BNDES abrirá uma linha de crédito para caminhoneiros autônomos no valor de 500 milhões de reais, entre outras medidas que impactarão o setor. Mas olhe ao redor: você sabia que 90% dos bens de consumo foram transportados pelo mar em alguma etapa de sua produção ou distribuição? E que cerca de 70% dos produtos manufaturados exportados e importados, em valor, utilizaram o contêiner como equipamento de transporte? Esses são números extremamente expressivos, mas que muitas vezes passam despercebidos por grande parte da sociedade, dos formadores de opinião e mesmo das autoridades.
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Quando os termos exportação ou importação são mencionados em uma matéria televisiva, por exemplo, não se pode ignorar como os produtos vão de um país ao outro e que o comércio mundial é movido pelo transporte marítimo. A navegação é o meio mais eficiente ao comparar custos para transportar bens e matérias-primas, e muitas vezes é o único possível. E são os armadores os grandes protagonistas desse cenário - são eles que possibilitam o comércio entre as nações.
Os mais diversos tipos de produtos manufaturados, grãos, frutas, carnes, açúcar, minerais, celulose, papel, carvão, automóveis e calçados, produzidos no Brasil, todos têm um denominador comum: são exportados via mar. Mas falta, contudo, uma verdadeira consciência e valorização do papel essencial que os armadores exercem para a viabilidade do comércio exterior e para o funcionamento da economia brasileira. Apesar de lidarem diariamente com a burocracia e com custos e práticas díspares em portos de um mesmo país, sem levar em conta as condições muitas vezes precárias ou deficientes desse sistema.
Problemas recorrentes e aparentemente eternos, como o da dragagem para aprofundamento ou manutenção dos calados operacionais, ainda assombram a marinha mercante. A navegação costeira, realizada entre os portos brasileiros, foi uma das primeiras atividades econômicas do Brasil e, embora a geografia da costa de mais de 8 mil quilômetros seja um verdadeiro presente, menos de 11% da carga doméstica no país é transportada pelo meio marítimo, mesmo sendo considerado um modal mais sustentável e competitivo. Os entraves que o segmento enfrenta são inúmeros e de toda ordem.
Parece haver uma lacuna no imaginário coletivo brasileiro: o entendimento que sem o transporte marítimo, no caso de muitos produtos, não haveria nem razão para a existência do transporte terrestre. A soja, por exemplo, é um destaque: foi o principal produto exportado pelo país em 2018, o que somente foi possível pela operação da navegação marítima.
O governo federal está correto ao planejar e promover grandes investimentos em infraestrutura terrestre, que viabilizarão a retomada do crescimento da nação. No entanto, faltam políticas claras com relação ao transporte marítimo, programas de desburocratização no setor e de desregulamentação da atividade. Por exemplo, o que será feito com a dragagem dos portos, não estaria na hora de privatizá-la? O que será feito com o excesso de regras, regulações e multas, gerando um ambiente de negócios intervencionista e confuso que afasta investimentos? Por que razão uma parte do Estado complica a operação e a vida econômica das empresas contrariando a orientação maior das políticas do governo? Ainda há muito a fazer, em terra ou mar. Os armadores estão prontos para enfrentar os próximos desafios.
Claudio Loureiro de Souza é diretor-executivo do Centro Nacional de Navegação Transatlântica - CENTRONAVE