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Operações Ship-to-Ship no Brasil: em busca de uma regulação

Por Fernanda Rumblesperger
• A logística mundial vem lidando, sobretudo nos últimos anos, com o desafio de promover o contínuo aumento da produtividade e diminuição de custos com a finalidade de ampliar ganhos em um cenário de margens cada vez mais reduzidas. Diante dessas circunstâncias, agentes de comercialização de "commodities", os "traders", pressionados pela necessidade de fechar contratos de afretamento, acabam optando, muitas vezes, por soluções heterodoxas para viabilizar a importação/exportação destes produtos.

Assim, observa-se, no mercado de petróleo e seus derivados, uma prática que tem se tornado cada vez mais difundida entre os importadores: a operação do tipo "Ship-to-Ship" (STS). Define-se como "Ship-to-Ship" todo tipo de transferência de petróleo e seus derivados realizada entre embarcações, as quais podem estar fundeadas ou em movimento ("underway"). O procedimento começou a ser utilizada a partir de meados da década de 60 com o objetivo de reduzir os custos no transporte de combustíveis, mas somente a partir de 2009, depois de um número considerável de sinistros, que a matéria finalmente recebeu o devido disciplinamento legal.  

Um dos textos mais importantes neste sentido consta do Capítulo VII, do Anexo I da  Convenção Internacional para a Prevenção da Poluição por Navios – MARPOL 73/78, no qual encontra-se uma série de diretrizes destinadas à minimização dos diversos riscos envolvidos nas operações STS, tais como a necessidade de manutenção de equipamentos de combate à incêndio na embarcação, compatível com os riscos mensurados, e a preparação de um planejamento da operação, relatando desde responsáveis técnicos até o detalhamento das cargas transportadas, seu comportamento físico-químico e demais especificações. 

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Além do constante no Anexo I – da MARPOL, convenção esta da qual o Brasil é signatário e cujo cumprimento do citado apêndice é obrigatório, é importante citar a existência de outros documentos que balizam a pratica do STS tais como: MEPC 59, SOPEP, SMPEP e o STS Transfer Guide. Ou seja, a existência de tantas e tão detalhadas normativas e recomendações, demonstra que trata-se de um procedimento crítico e que requer a devida atenção das autoridades de navegação.

Ibama e a Instrução Normativa nº 16/2013

Em nosso país, a matéria em questão é regulada pela Instrução Normativa nº 16, de 26 de agosto de 2013, emitida pelo Ibama. A norma, que não se aplica às transferências realizadas em plataformas e demais unidades de produção e armazenamento de petróleo (FPS e FSU), estabelece os parâmetros e exigências documentais mínimas para a obtenção da Autorização Ambiental para realização de Operações STS, tais como a apresentação do Plano de Ação de Emergência (PAE), de Estudo de Análise de Riscos (EAR), Fluxograma de Comunicação com Órgãos Públicos, Rotina de respostas às emergências, etc. O empreendedor deverá, ainda, estar cadastrado no Sistema Nacional de Transportes de Produtos Perigosos (SNTPP e CTF/APP), possuir autorizações dadas pela Marinha e estar de acordo com as exigências internacionais acima mencionadas.  Segundo informações disponibilizadas no site do Ibama, apenas quatro empresas no Brasil estão, atualmente, credenciadas para a realização deste tipo de operação.

Além de outras instruções de cunho administrativo, o regramento do Ibama define três tipos de áreas que necessitam da apresentação de justificativas técnicas especiais para a realização deste tipo de operação: (1) áreas costeiras à menos de 50 km do litoral; (2) áreas a menos de 50 km de Unidade de Conservação Marinha; e (3) áreas de Montes submarinos em profundidades inferiores a 500m de Lâmina d´agua. Já nas regiões da Foz do Amazonas e do Pelotas, bem como na área do Complexo Recifal de Abrolhos, o procedimento é totalmente vedado. 

Apesar da existência da regra em comento, é preciso atentarmos para um detalhe importante. Quando a área onde for ocorrer as operações STS for coberta por processo de licenciamento ambiental, a autorização será solicitada no âmbito daquele processo. Isso significa que tais operações estão sujeitas ao normativo do Ibama apenas nos casos onde a jurisdição sobre o porto estiver sob responsabilidade aquele órgão. Se for realizada em um porto concedido a um estado, caberá ao órgão ambiental de cada unidade federal emitir a autorização e realizar a correspondente fiscalização. 

A falta de uma legislação única demonstra que assunto em pauta não se encontra completamente consolidado, não existindo, em âmbito estadual, um regramento que traga as definições técnicas e processuais, tais como aquelas presentes na IN nº 16/2013-Ibama. Tal fato é bastante preocupante, uma vez que dá espaço à livre interpretação dos órgãos competentes para definir as situações nas quais as autorizações poderão ser concedidas.

Operações Irregulares e não recomendadas

Além da existência de uma perigosa lacuna regulatória, ainda encontramos outros incidentes envolvendo a prática do "Ship-to-ship" e operações similares (como "ship-to-barge" e "ship-to-truck") no país, igualmente inquietantes. A despeito da proibição expressa na IN nº16, muitas operações desta natureza vêm ocorrendo, mesmo sem a existência de qualquer tipo de autorização pelos órgãos ambientais, o que demonstra o completo descaso com as autoridades competentes e com a complexidade destes procedimentos.

Recentemente, tivemos o relato da ocorrência de transferências de navio para barcas ("Ship-to-barge") na Foz do Rio Amazonas, em total desacordo com o regramento estabelecido pelo Ibama. O acontecimento foi celebrado pelos canais de comunicação locais como uma medida positiva articulada entre empresas privadas e o poder municipal, capaz de contribuir para a redução dos preços dos combustíveis na região. Boa parte da população, no entanto, ignora os riscos inerentes a este tipo de procedimento. 

Em outros portos nacionais, temos conhecimento, ainda, da tentativa de estabelecer as perigosas transferências de combustíveis do navio diretamente à caminhões ("ship-to-truck"). Internacionalmente, há uma série de regramentos para adequar tal prática. No entanto, em países como o Canadá, por exemplo, estas operações são expressamente desencorajadas pelos órgãos reguladores, sendo autorizadas apenas em situações emergenciais e específicas, em face da existência de inúmeros fatores críticos que a tornam inadequada, tais como: maior dispersão de vapores na atmosfera; maior instabilidade do produto, aumentando o risco de sinistros em face da presença de energia estática; tempo de operação superior à descarga realizada diretamente nos tanques, em face da presença menor vazão; necessidade de interdição do berço onde a operação está sendo realizada, (por questões de segurança, recomenda-se o aterramento do veículo e da embarcação), o que pode causar um série de transtornos à logística da região afetada.

Desta forma, percebemos que a ampliação na utilização de tal prática no Brasil e a existência um regramento específico para a mesma não afastam a necessidade de debater tal matéria com maior profundidade, de maneira que sejam desenvolvidos mecanismos mais eficazes para fiscalizar e, consequentemente, coibir práticas em desacordo com a legislação uma vez que tal prática, além de aumentar potencialmente os riscos para o meio ambiente, impactando diretamente as comunidades que dele dependem, afetam também as relações econômicas e o ambiente concorrencial do atual sistema logístico aquaviário nacional, organizado, atualmente, em função da existência de instalações portuárias especificamente concebidas para este fim.

Sob este aspecto é fundamental destacar a existência de um extenso rol de exigências destinados aos terminais que movimentam granéis líquidos, estabelecido tanto pelos órgãos governamentais ou quanto privados como agências de certificação de qualidade ou seguradoras. Estar em “compliance” com este grande número de regras e exigências significa a realização de intensos investimentos em segurança: equipamentos avançados que facilitem a identificação de eventuais vazamentos, o treinamento constante dos colaboradores, sem mencionar o desenvolvimento e manutenção de planos de emergência, que envolvem a comunicação com uma variada gama de empresas e órgãos públicos. Não se observa, no entanto, este mesmo número de determinações aplicadas às operações STS e afins.

Diante do exposto, vale o registro sobre a importância de repensar e discutir as bases regulatórias e normativas sobre as quais estão calcadas as operações STS no Brasil, de forma que, a mesma possa, efetivamente, trazer ganhos à logística nacional, mas, sem jamais, colocar em risco a sociedade ou o meio-ambiente. 

Fernanda Rumblesperger é Diretora Executiva na Associação Brasileira de Terminais de Líquidos - ABTL. Mestre em Administração de Empresas pela EAESP/FGV e especialista em Engenharia e Gestão Portuária pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC.



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