Nos próximos dias, o Senado Federal tomará decisão relevante para a logística doméstica, impactando a cabotagem e o comércio exterior brasileiro, pois é pela navegação de longo curso que 95% dele é realizado. A Comissão de Serviços de Infraestrutura do Senado deliberará de forma terminativa sobre o PL 757/22, com mudanças nas regras do serviço de praticagem. O prático assessora, mas não substitui a responsabilidade do Comandante do navio nas manobras na entrada e saída dos portos, e tem a sua contratação obrigatória pelos transportadores (armadores) marítimos.
Esse PL, aprovado no Plenário da Câmara dos Deputados em regime de urgência no último dia 21/11, e com tramitação acelerada no Senado, onde deu entrada em 24/11, limita a regulação técnica exercida pela Autoridade Marítima e cria uma regulação econômica eventual, precária e de responsabilidade da mesma Autoridade Marítima, que a rejeita publicamente. O acúmulo da regulação técnica e econômica no mesmo órgão é preocupante e não desejável, nem pelos armadores, nem pela Marinha.
Está nas mãos dos parlamentares a decisão de continuar ou não o debate que poderá afetar a competitividade do comércio marítimo e do turismo. A praticagem no Brasil constitui o maior custo portuário na escala dos navios. No transporte de passageiros é 3 a 4 vezes maior que a média mundial.
O serviço é prestado em regime semelhante a um monopólio não regulado, o que já foi reconhecido pela área técnica do TCU. Apesar disso, pelas regras atuais, há uma estreita margem de negociação entre os tomadores do serviço e os práticos. O PL 757/22, se aprovado, piorara este cenário, ao confirmar a posição de domínio da negociação pela praticagem e cristalizar em lei a condição de monopólio. Como sempre, essa conta chegará à mesa e às prateleiras: mais de 90% de tudo o que brasileiro consome, importa ou exporta, vem ou vai de navio.
O tema é controverso e precisa ser amplamente debatido. Os transportadores marítimos, dentre outros setores da economia e do Governo, não concordam com a versão em análise no Senado. Os principais pontos de preocupação são: a previsão, em lei, da chamada “escala de rodízio única”; o fim da possibilidade de habilitar comandantes de navios de bandeira brasileira habituados a manobrar em um determinado porto, de poderem manobrar os navios sob seu comando sem a assessoria do prático; o estabelecimento de critérios para isenção de praticagem em lei, com redução do tamanho das embarcações hoje isentas sem a necessária análise técnica; e a fixação de preços pela Marinha após um longo processo e somente quando for aceito que há abusividade dos preços, mas de forma excepcional e temporária. Regulação exige acompanhamento permanente dos valores praticados e não somente de forma excepcional.
O rodízio único pode ser tecnicamente aceitável, desde que haja uma regulação econômica forte, eficaz e permanente, uma vez que elimina a capacidade de negociação econômica entre as partes. Não é o caso do PL 757/22, o que nos leva ao segundo aspecto. A fixação de preços só será feita mediante provocação fundamentada, em caráter extraordinário, excepcional e temporário, no limite de 12 meses prorrogável por igual período, pela Marinha. Ora, se os preços não são acompanhados de forma permanente, como podemos considerar que há regulação?
A própria Marinha reconhece não ter expertise para fazer a regulação econômica e defende que a atividade seja exercida pela agência reguladora de transporte aquaviário, a Antaq, a quem o PL 757/22 delegou um papel lateral, apenas consultivo, divergindo frontalmente da proposta original do PL apresentado pelo Poder Executivo.
Ao se posicionar contrariamente ao PL, em nota divulgada à Imprensa no dia 26, a Marinha destacou que o acúmulo das funções de regulador técnico e econômico “conduziria o regulador ao risco de captura” pela possibilidade de o prestador de serviços “aventar dificuldades técnicas para obter vantagens econômicas”. Sobre a escala de rodízio única, sustentou que, uma vez fixada em lei, a regra “torna perene um monopólio de mercado e, por isso, é incompatível com a regulação econômica proposta na matéria que seguiu para apreciação do Senado”. Segundo o órgão, a regra privilegia a parte prestadora de serviço (a Praticagem) na livre negociação proposta, reforçando uma relação desbalanceada. Finaliza a nota pública dizendo que o texto “é contrário aos interesses públicos e ameaça a segurança da navegação”.
É consenso - do governo, da indústria, do agronegócio, passando por instituições de controle, competição e organismos internacionais e intergovernamentais - que a praticagem no Brasil atua em regime de monopólio e necessita de regulação econômica perene.
Extensos trabalhos foram produzidos pelas áreas técnicas do Tribunal de Contas da União (TCU), do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com recomendações que vão da necessidade de maior transparência na metodologia de cálculo, até a extinção da escala de rodízio única, passando pela fiscalização mais efetiva e permanente do órgão regulador para evitar a abusividade nos preços.
Não vemos justificativa para uma tramitação acelerada na Comissão de Infraestrutura. O tema é de interesse também das Comissões de Assuntos Econômicos e de Relações Exteriores. É necessário que essas Comissões sejam ouvidas, assim como é necessária a realização de audiência pública para o aprofundamento do debate.
Assim, espera-se que o Senado decida pela continuidade da discussão do PL 757/22 e o seu amadurecimento, uma vez que não há urgência na controversa matéria. É necessário garantir que a competitividade do produto brasileiro nos mercados externo e interno seja preservada.
*Luis Fernando Resano é Diretor Executivo da Abac (Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem) e Claudio Loureiro de Souza é Diretor Executivo do Centronave (Centro Nacional de Navegação Transatlântica)
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