Está na pauta do Senado Federal a votação do Projeto de Lei 757/2022 do Executivo que aperfeiçoa a regulação técnica e econômica da praticagem. Os armadores alegam que o preço do serviço é mais caro do que em outros países e impacta o produto brasileiro. Sustentam ainda que não houve tempo suficiente para discussão. Pois vamos aos fatos.
Ao longo de dezenas de reuniões e audiências públicas no Congresso, a praticagem conseguiu demonstrar que, na verdade, é um item de redução do Custo Brasil. Além de assegurar a entrada e saída de navios, mantendo os portos funcionando plenamente para a economia, a atividade investe continuamente em estudos, treinamento e tecnologias que contribuem para superar as limitações portuárias que impactam o Custo Brasil. Esses investimentos privados é que possibilitam que os navios hoje carreguem mais e demorem menos tempo para entrar nos portos e deles sair. O texto aprovado, por unanimidade, no Senado e depois na Câmara, traz estabilidade regulatória a esse sistema que funciona e é referência mundial em eficiência e segurança.
As reclamações sobre o preço da praticagem partem sempre dos mesmos grupos de armadores estrangeiros que querem somente diminuir custos de viagem para aumentar o lucro, sem assumir o compromisso de reduzir os fretes marítimos para os donos das cargas. O objetivo é desviar o foco do debate sobre a regulação dos fretes abusivos cobrados por eles. Na pandemia, esses fretes quintuplicaram. Mais recentemente, no período de seca na Amazônia, as companhias de navegação cobraram sobretaxas de R$ 5 mil por TEU, totalizando R$ 15 milhões por embarcação. Essas práticas, sim, precisam ser objeto de fiscalização, avaliação e regulação por parte da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq).
Sem compromisso com as nossas águas e com lucros bilionários, esses armadores estrangeiros são os mesmos que pleiteiam à Marinha isenção de praticagem para navios cada vez maiores, pondo em risco a segurança da navegação e o meio ambiente em caso de acidente e poluição por óleo e cargas perigosas.
A insinuação de que a praticagem torna os custos por escala mais altos no Brasil sempre careceu de fonte isenta. Já o estudo do Laboratório de Transportes e Logística (LabTrans) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), referência em análises no setor portuário, aponta que a participação da praticagem no custo do frete marítimo é de 0,36% e 0,54%, de acordo com os portos de destino (China e Holanda, respectivamente), sem impacto para os usuários dos portos.
Embora atenda aos armadores em regime de rodízio, por determinação da Autoridade Marítima em razão da segurança da navegação, "a regulamentação técnica exercida pela Marinha, com a consequente instituição da escala de rodízio única, não caracteriza infração à ordem econômica". Esse foi o voto final do Tribunal de Contas da União (TCU) após quatro anos de inspeção.
Os parlamentares no Congresso se debruçaram sobre a legislação mundial e buscaram os melhores padrões de regulação da atividade, começando pela fixação em lei da escala de rodízio única. Este é um instrumento estabelecido pela Marinha para garantir a disponibilidade ininterrupta do serviço, evitar a fadiga do prático e assegurar a quantidade mínima de manobras para manter a habilitação. Ao mesmo tempo, a escala dá autonomia para o prático tomar sempre a decisão mais segura a bordo, sem pressão comercial do armador, que não escolhe quem vai atendê-lo. Da mesma forma, o prático não escolhe o armador a que vai atender, impedindo qualquer regime de preferência.
Ainda na parte da segurança, o valor acima de 500 de arqueação bruta para a obrigatoriedade do serviço é a definição de navio na Convenção Internacional para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Solas). Já o limite de cem metros de comprimento para isenção de praticagem é estabelecido mundialmente conforme o aprendizado de acidentes. Atualmente, a Marinha concede Pilotage Exemption Certificate (PEC) a comandantes de navios de até 92 metros. Portanto, o projeto até alarga a exceção.
Quanto à parte econômica, o texto mantém o preço livremente negociado – pois trata-se de relação privada entre armadores e praticagem – e o papel atual da Autoridade Marítima como regulador técnico e econômico. Pela atual legislação, a Marinha já pode fixar o preço em caráter excepcional e temporário, em caso de impasse na negociação entre armador e praticagem. Está lá no artigo 14 da Lei de Segurança do Tráfego Aquaviário (Lei 9537/1997). Em Manaus, por exemplo, há milhares de faturas de praticagem cobrando os mesmos valores estabelecidos em portarias da Marinha há 12 anos.
O projeto de lei reforça essa prerrogativa da Marinha e traz uma inovação, permitindo que a Antaq participe de comissão temporária formada pela Autoridade Marítima para emitir parecer consultivo sobre o preço. Esse era um pleito dos armadores. Não há entes separados fazendo regulação em outros países, porque a delimitação técnica do serviço influencia o preço.
Essa discussão sobre a atualização da regulação da praticagem no Legislativo se arrasta há pelo menos dez anos e foi fruto de ampla discussão técnica tanto na Câmara quanto no Senado. O debate foi retomado com o encaminhamento à Câmara do Projeto de Lei 877/2022, aprovado por unanimidade no Senado. Esse projeto foi apresentado no Senado, em abril de 2022, e votado após dezenas de reuniões e audiências públicas com as partes interessadas, em maio de 2023.
Na Câmara, decidiu-se por aproveitar o texto e outros que tramitavam na Casa, aperfeiçoando-os no Projeto de Lei 757/2022. O projeto também foi aprovado por unanimidade, novamente após diversas reuniões e audiências. O deputado relator da matéria, Coronel Meira (PL-PE), destacou no plenário que 25 setores foram ouvidos e tiveram sugestões acatadas, incluindo os armadores. Atacar o texto após participar do consenso é não honrar acordos e desrespeitar o Legislativo, eleito para representar o povo brasileiro.
Ricardo Falcão é presidente da Praticagem do Brasil e vice-presidente da Associação Internacional de Práticos Marítimos (Impa)
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