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Resolução 5.032 da Antaq – Regulação, ainda que tardia...

Quem leva a sério o estudo do Direito Regulatório dos Transportes e Portos, do Direito Marítimo e do Direito Portuário tem sido tomado de perplexidades. Em alguns casos, ainda que tardiamente, vemos o regulador tentando regular os direitos e deveres dos usuários de serviços prestados no seu setor, porque inexiste ato normativo há mais de quinze anos de criação da agência. Em outros casos, vemos os prestadores de serviços fazendo sugestões incompatíveis com o marco regulatório do setor. Explicarei mais adiante.

Encontra-se em audiência pública até o dia 30.12.2016, a Resolução n. 5032/2016 da Antaq, cuja efetividade poderá impactar os custos e a qualidade dos serviços de todas as empresas do setor regulado pela Antaq, especialmente usuários (importadores-exportadores), agentes intermediários, empresas brasileiras e estrangeiras de navegação e, secundariamente, os terminais públicos (arrendatários) e privados (autorizatários).       

A norma decorre da organização e da pressão de parcela de usuários, desde o final de 2012, em várias instâncias (Antaq, TCU, Cade, MPF, Global Shippers Forum - Londres, Congresso Nacional, entidades de importadores e exportadores e imprensa nacional e estrangeira) insatisfeitos com a falta de eficiência, previsibilidade e modicidade nos custos de transporte marítimo, especialmente de contêineres no longo curso.

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Analisamos cerca de 800 contribuições validadas até a data de hoje, dos mais diversos setores, e verificamos, estupefatos, de um lado, poucos usuários participando, querendo regulação, mas não enfrentando, dentre vários outros, temas relevantes como (i) a outorga de autorização do armador estrangeiro (a Antaq propôs um Cadastro - CATE), (ii) a competência da Antaq para regular o agente intermediário, (iii) a sobre-estadia de contêiner e (iv) a defesa da concorrência.

De outro lado, armadores, associações de terminais portuários (ABTP e ABRATEC) defendem, dentre outras teses, que  (i) que dispositivos da Lei da Antaq não se aplicam ao transporte marítimo, “porque estes contratos são privados”. Neste passo, intermediários sustentam que (ii) o marco regulatório da Antaq não se aplica aos contratos de transportes marítimos e às suas atividades, porque estas não fazem parte da Lei Orgânica da Antaq etc etc.

Nesse ambiente dialógico e quase surreal, sem o qual a norma a ser produzida sofre de legitimidade, chama a nossa atenção a justificativa da contribuição n. 662/2016, da ABRATEC, ao inciso I do artigo que trata dos direitos do usuário, que assim dispõe:

art. 8º - São direitos básicos do usuário, sem prejuízo de outros estabelecidos em legislação específica e no contrato: I – receber serviço adequado com observância dos padrões de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, pontualidade e modicidade nos preços, fretes, taxas e sobretaxas”.

Não obstante o equívoco da Antaq ao incluir taxas na norma, porque estas são obrigações impostas ao usuário, espécie de tributo, enquanto o usuário de transporte marítimo paga, voluntariamente, preço ao transportador, a ABRATEC, fez a seguinte contribuição ao inciso acima, in verbis:  “receber serviço adequado com observância dos parâmetros de preço, desempenho e de qualidade estabelecidos contratualmente;”.

Desta forma, suprimiu diversos direitos que estão no marco regulatório, por exemplo, a modicidade, prevista na art. 20, II, alínea a, da Lei orgânica da Antaq. Como justificativa a entidade sustenta que:

“A redação proposta para a norma utiliza-se indevidamente de definição de serviço adequado própria de regimes de concessão e permissão de serviços públicos, previsto no at. 6º, da Lei n. 8.987/95. No entanto, os serviços prestados pelas companhias de navegação e pelos agentes intermediários não são serviços públicos, e sim serviços de iniciativa privada, que devem regular-se pelas condições contratuais estabelecidas entre particulares”.

Aqui outro equívoco, pois a ABRATEC (que tem como associados terminais públicos) esqueceu-se da Lei da Antaq, onde está explícito que o serviço de transporte marítimo de cabotagem e de longo curso, tal como ocorre com aqueles prestados por instalações portuárias (ex. TUP´s), é explorado por empresa privada, mas mediante outorga de autorização.

Não é serviço público, mas de interesse público. Nesse caso, a intensidade da regulação sobre o transportador marítimo e os agentes intermediários dever ser tão ou mais eficaz quanto a que incidente sobre concessão e arrendamento portuário.

Portanto, não há dúvida que os transportadores marítimos, assim como os agentes intermediários, que prestam serviços no setor, podem e devem ser regulados pela Antaq. Assim, submetem-se aos princípios que constam no texto proposto, não por uma benesse do regulador ou exigência descabida do usuário, mas por serem previstos na norma. Isto não impede que o regulador identifique outros direitos, desde que não conflitem com lei ordinária, tratado ou a Constituição Federal.

No caso dos transportadores marítimos e seus agentes intermediários, os mesmos já sofrem regulação da Receita Federal, da Anvisa, da Antt (como OTM), da Marinha do Brasil e do Mapa, através de atos normativos diversos de lei ordinária, todavia, quanto às obrigações destes em relação aos usuários, inexiste norma específica, cuja competência é da ANTAQ.

Ademais, a ABTP que possui TUP´s entre os seus associados, cadastrou idêntica contribuição (n. 723/2016).

Na mesma linha, vale mencionar a postura das duas entidades na “defesa dos usuários” em relação aos armadores e agentes intermediários, ao cadastrarem idênticas contribuições (ns. 662 e 721), o seguinte dispositivo:

Art. 5º Os transportadores marítimos e os agentes intermediários devem abster-se de práticas lesivas à ordem econômica por meio de atos sob qualquer forma manifestados, independentemente de culpa, que tenham por objeto ou possam produzir os efeitos, ainda que não alcançados, de limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, dominar mercado relevante, aumentar arbitrariamente os lucros, ou exercer de forma abusiva posição dominante.

Assim, seguem o texto proposto, em sintonia com a Lei do CADE, e sua justificativa:

Art. 5º Os transportadores marítimos e os agentes intermediários devem abster-se de práticas lesivas à ordem econômica por meio de atos sob qualquer forma manifestados, independentemente de culpa, que tenham por objeto ou possam produzir os efeitos, ainda que não alcançados, de limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa, dominar mercado relevante, aumentar arbitrariamente os lucros, ou exercer de forma abusiva posição dominante, sendo vedado, em especial:

I - condicionar o fornecimento de serviço ao fornecimento de outro serviço, inclusive mediante o condicionamento da oferta de descontos, ou mediante discriminação de preços;

II -  discriminar ou elevar sem justa causa o preço de serviços, com o objeto de causar dano à concorrência.

Justificativa: A norma deve proteger os usuários de eventuais práticas abusivas por parte dos fornecedores de serviço. Deve ainda vedar as práticas que possam, ainda que potencialmente, causar danos à livre concorrência, razão pela qual propõe-se reforçar os comandos do caput do artigo 5º, inserindo os incisos I e II.

Como visto, até os terminais públicos e privados, que sofrem com as externalidades negativas da inexistência de defesa da concorrência em relação ao armador estrangeiro e seus intermediários, já estão preocupados com este problema. Este cenário piora com o aumento da concentração no setor (Maersk e HS) e a tendência à oligopolização, sem que a Antaq tenha política para combater tais efeitos na cadeia (terminais e usuários)

Assim, embora em outras posições, a Antaq, EBN´s e usuários, neste ponto, deveriam convergir com ABRATEC e ABTP para iniciar discussões e estudos técnicos para a edição do Regulamento de Defesa da Concorrência, que consta na Agenda Regulatória da ANTAQ 2016-2017, por sugestão nossa.

Ainda faltam duas semanas para os interessados enviarem contribuições. Não duvido que serão mais de mil. O tema é relevante e ficou evidente a pouca participação dos que serão afetados pela norma, pois justamente os que são em menor número (armadores, agentes intermediários e terminais) são os que mais participam.

Já os usuários, que figuram em maior número, eis que são cerca de 250 mil usuários (a maioria desorganizada) pouca influência vêm exercendo na produção normativa da Antaq. É preciso equilibrar a participação.

Ainda há tempo. Este é o momento para que os usuários se mobilizem e procurem fazer contribuições técnicas e específicas, voltadas a diminuir a sua vulnerabilidade e os custos operacionais no COMEX, inclusive, de forma convergente, com os terminais portuários em temas acima mencionados. Depois da publicação do Regulamento Marítimo no DOU será mais difícil fazer alterações. Regulação, ainda que tardia...

 



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