A base de cálculo dos tributos incidentes das operações de importação estão definidos pelo Acordo de Valoração Aduaneira (AVA), também denominado Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo Geral de Tarifas e Comércio (“General Agreement on Tariffs and Trade” – GATT), incorporado ao direito brasileiro por meio de Decreto Legislativo nº 30/1994 e promulgado pelo Decreto nº 1.355/1994.
O AVA estabelece que a base de cálculo desses tributos deve ser o “valor aduaneiro da mercadoria”, correspondente ao valor transacionado, ou seja, ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias em uma venda para exportação para o país de importação, acrescidos dos ajustes positivos e negativos previstos nos §§ 1º e 2º do art. 8 do AVA e em suas Notas Interpretativas.
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Os acréscimos previstos no §1º decorrem diretamente da incorporação do acordo ao direito interno, e trata dos itens que deverão ser adicionados. Já os ajustes previstos no §2º (frete, seguro, carga e descarga) são aqueles que poderão ser adicionados e, para serem incluídos na base de cálculo dos tributos, dependem de previsão legal específica na legislação de cada país.
Ocorre que, até o presente momento, não foi editada lei formal prevendo a inclusão dos ajustes previsto no § 2º do art. 8º do AVA na base de cálculo desses tributos (frete, seguro, carga e descarga). Atualmente, a cobrança vem sendo realizada apenas com fundamento no Decreto n. 6.759/2009 e na Instrução Normativa SRF n. 327/2003, o que não atende aos ditames constitucionais.
Tal inclusão configura violação do princípio da legalidade tributária (art. 150, I, da Constituição e art. 97 do CTN) e, por consequência, em violação às regras de competência que conferem força legal aos acordos (art. 84, IV, da Constituição Federal e art. 98 do CTN).
Ademais, ainda que tivesse sido editada uma lei formal prevendo a inclusão dos custos do § 2º do art. 8º do AVA na base de cálculo do II e do IPI, esta não seria compatível com o art. 153, incisos I e IV, da Constituição, que conferem à União a competência para instituição dos referidos tributos.
É flagrante, portanto, que a Instrução Normativa nº 327/2003, ao prever a inclusão dos gastos relativos à descarga no território nacional, viola as disposições contidas no Acordo de Valoração Aduaneira – AVA e na Constituição, assim como extrapola a natureza meramente regulamentar desta modalidade de ato normativo.
Como qualquer ato expedido por autoridade administrativa, as instruções normativas são que normas complementares das leis, tratados, convenções internacionais e decretos. Elas têm por finalidade regulamentar mandamentos já existentes em nosso ordenamento, estando impossibilitadas de inovar ou alterar a ordem jurídica vigente, criando ou extinguindo tributos, e tampouco promover o alargamento da sua base de cálculo (art. 100 do Código Tributário Nacional).
O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento pacificado de que “a Instrução Normativa 327/03 da SRF, ao permitir, em seu artigo 4º, § 3º, que se computem os gastos com descarga da mercadoria no território nacional, no valor aduaneiro, desrespeita os limites impostos pelo Acordo de Valoração Aduaneira e pelo Decreto 6.759/09, tendo em vista que a realização de tais procedimentos de movimentação de mercadorias ocorre apenas após a chegada da embarcação, ou seja, após a sua chegada ao porto alfandegado”. (cf. REsp 1804656/RS, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 17/06/2019).
Diante disto, é evidente a inconstitucionalidade da inclusão do frete internacional, do seguro e das despesas de carga e descarga (capatazia ou THC) na base de cálculo dos tributos aduaneiros. Os contribuintes que se sentirem prejudicados pela cobrança podem buscar o judiciário para que sejam protegidos os seus direitos.
João Henrique Gasparino é mestrando em Direito Tributário pela FGV/SP. Pós-Graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos tributário–IBET. Graduado em Direito pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina- CESUSC. Advogado Sócio no Gasparino, Sachet, Roman, Barros & Marchiori Sociedade de Advogados