Por Robert Grantham
• A Unctad (United Nations Conference on Trade and Development), é o principal órgão das Nações Unidas responsável a lidar com comércio, investimentos e assuntos relacionados ao desenvolvimento mundial. No último dia 25 de outubro em Genebra, Suíça, o órgão fez o lançamento oficial do documento intitulado “Review of Maritime Transport 2017”. Trata-se de um extenso documento elaborado anualmente desde 1968 em que estatísticas e análises do transporte marítimo são revistas, assim como são apresentados dados da frota mundial de navios, custos de frete, tráfego portuário e as últimas tendências do universo legal e regulatório do transporte marítimo mundial.
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Um dos pontos que mais chamam a atenção é o alerta feito pelo órgão quanto ao risco de ser criado um oligopólio no transporte marítimo, em particular de contêineres, como resultado das fusões, aquisições e consórcios de armadores. Embora reconheça que esses movimentos dos armadores têm auxiliado a balancear a oferta e utilização dos navios, aponta para a necessidade dos organismos reguladores dos países membro monitorarem essas fusões e aquisições e os consórcios e alianças e eventualmente revisarem as regras para prevenir potenciais abusos de poder econômico. No dizer do Sr. Shamika N. Sirimanne, Diretor da Divisão de Tecnologia e Logistica da Unctad: “O risco é que a crescente concentração de mercado no transporte de contêineres possa levar a uma estrutura oligopolista. Em muitos mercados de países em desenvolvimento há apenas três ou até mesmo menos fornecedores restantes. Os reguladores deverão monitorar o desenvolvimento das fusões e alianças para assegurar que exista competição no mercado”.
Note-se que os 10 maiores armadores do mundo concentravam 48% do mercado em 1996, passando a 64% em 2006, 83% em 2016 e projetando uma concentração de 90% em 2026.
Outro alerta que o organismo faz refere-se aos investimentos necessários dos portos para acomodar navios cada vez maiores e o efeito de transferência de navios das principais rotas para rotas secundárias, igualmente exigindo novos investimentos, e o fato de que esses custos podem não ter a contrapartida de mais carga, mas apenas o mesmo volume em menos e maiores navios. Esse fenômeno é sentido no Brasil, onde se constata que em 2010 registrávamos 179 escalas semanais de navios de contêineres nos portos nacionais e em março desse ano constatamos um total de 114 escalas, uma redução de 36%, enquanto os volumes cresceram no período de 2007 a 2016 36,4% segundo a Antaq. Reforçando essa percepção do efeito “cascading”, a consultora SeaIntel prevê que até 2020 menos de 10% dos navios empregados na rota Asia/Europa serão menores que 14 mil TEUs.
Interessante também é a constatação que em media os custos associados a transporte e seguro representam 15% do valor das importações a nível mundial. Mas esse valor passa a representar 22% em países insulares em desenvolvimento, 21% para os países menos desenvolvidos e 19% para os países sem saída para o mar. As diferenças se dão por menor eficiência dos portos, infraestrutura inadequada, pouca economia de escala e mercados de transporte menos competitivos. Nesse sentido a Unctad recomenda que os portos devam estabelecer planos para melhor adaptarem-se às novas demandas do mercado de transporte marítimo com foco na crescente pressão de custos adicionais. Uma recomendação feita para melhorar a eficiência dos portos em países em desenvolvimento é que as linhas de navegação nacionais, regionais e intercontinentais sejam interconectadas, chamando ainda a atenção, como no caso do Brasil e muitos outros países, para a cabotagem que é protegida da competição internacional. Essa restrição de mercado pode levar a ineficiências desnecessárias e perda de competitividade marítima. Uma politica bem desenhada que permita — sob condições muito bem definidas — que navios em tráfego internacional possam carregar cargas de transbordo poderia melhorar a competitividade dos portos nacionais e facilitar o acesso ao mercado internacional.
Um dado relevante é a questão da demanda dos armadores em transformar determinados portos em “hub” de transbordo, opção que nem sempre pode demonstrar ser rentável. É necessário que todos os “stakeholders” ligados ao porto busquem formas de agregar receitas adicionais para enfrentar as novas e pesadas demandas.
Por último, um dado curioso relatado pela Untad a respeito de gênero no transporte marítimo. Nos empregos a bordo de navios apenas 1% são ocupados por mulheres, enquanto que nos empregos em terra 55% das posições de nível júnior são femininas e somente 9% das posições executivas são ocupadas por mulheres, situação que está na contramão das metas de desenvolvimento sustentável.
Robert Grantham é diretor da Solve Shipping