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As percepções de especialistas sobre as privatizações dos portos brasileiros

O Brasil está vivenciando uma fase de crescimento dos investimentos em infraestrutura, alavancada pelas concessões privadas de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, cujo interesse de participação da iniciativa privada nesse processo mostra-se muito claro por intermédio de grandes corporações multinacionais, companhias estatais chinesas e mega fundos internacionais. Por exemplo, em matéria publicada no site MoneyTimes (https://www.moneytimes.com.br), pode-se perceber o apetite atual dos investidores internacionais, pois a DP World (Dubai Ports World) e Caisse de Depot et Placement du Quebec (gestora de fundo de pensão canadense) fecharam um acordo para investir US$ 4,5 bilhões em seu portfólio global de terminais portuários.

Conforme publicado no site Portogente (https://portogente.com.br), em 2019, a Secretaria Nacional de Portos e Transportes Aquaviários (SNPTA), vinculada ao Ministério da Infraestrutura (MINFRA), liderou a assinatura de 36 contratos de Terminais de Uso Privado (TUPs) e existe a expectativa de aceleração dos trabalhos, com a entrega de cerca de R$ 14 bilhões em investimentos à sociedade brasileira — incluindo 28 novos leilões e 46 contratos de adesão, até 2021. Além disso, o MINFRA assinou a Portaria 530 que estabelece normas para alterações em contratos de arrendamento portuário e, dessa forma, regulamenta bases jurídicas sólidas para a realização de investimentos privados nos portos organizados brasileiros.


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Em 2020, para tornar o mercado portuário brasileiro atrativo aos investidores nacionais e internacionais, o MINFRA afirma que a infraestrutura logística do país é uma agenda de Estado, não de Governo, e que haverá investimentos de R$ 50 bilhões em várias frentes nos próximos oito anos, com destaque para o setor portuário, cujos investimentos passarão de R$ 10 bilhões, até 2022, em decorrência de mais 30 leilões. O governo federal está demonstrando que possui uma visão sistêmica da logística nacional e que pretende reduzir o Custo Brasil a partir do incentivo à cabotagem, por meio da BR do Mar, e com forte apoio aos portos e às ferrovias.

Um artigo da Agência iNFRA relata que a pandemia da COVID-19 não é um fator de risco para inviabilizar a privatização dos portos brasileiros, segundo depoimento de potenciais investidores de nove diferentes países. Foram consultadas 14 empresas e 31 stakeholders pelo Global Infrastructure Hub, órgão do G20 para o desenvolvimento da infraestrutura no mundo, para a elaboração de um relatório de marked sound internacional, a partir de informações fornecidas por investidores institucionais, grandes operadores, concessionários, instituições multilateriais e administrações portuárias com experiência no setor em diferentes países.

O modo de transporte aquaviário apresenta-se como o principal ator no cenário logístico holístico mundial, principalmente no que tange às importações e exportações. Segundo o Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o Brasil possui 99 portos e terminais marítimos ao longo dos 7.491 km de extensão de sua costa oceânica, cujas movimentações são responsáveis por mais de 95% das cargas exportadas e importadas no país.

O Painel CNT do Transporte informa que, entre janeiro e julho de 2020, os portos brasileiros movimentaram 638,6 milhões de toneladas de produtos, cujo resultado acumulado nesse período é 3,9% maior em comparação com o mesmo período de 2019, quando a movimentação alcançou 614,7 milhões de toneladas. Nesses sete meses, a navegação de longo curso respondeu por 69,8% da movimentação total nos terminais portuários brasileiros e a cabotagem, por 23,2%. Tais resultados mostram a grande potencialidade do setor portuário nacional e são muito importantes para atrair investidores nacionais e internacionais.

O desenvolvimento e a modernização dos portos brasileiros são fundamentais para o crescimento econômico do país, visto que a demanda pelo comércio marítimo triplicará, entre 2015 e 2050, de acordo com projeções da Organização para aCooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e os navios serão responsáveis por mais de 75% do transporte mundial de carga.

Atualmente, o modo aquaviário responde por quase 14% da matriz de transporte de carga brasileira, segundo a Confederação Nacional do Transporte (CNT) – cabotagem com 9% e transporte fluvial com 5%, aproximadamente. Em simulação para 2025, o Plano Nacional de Logística (PNL), do governo federal, aponta que haverá um reequilíbrio da matriz de transporte de cargas, especialmente em virtude de fortes investimentos em ferrovias, mas o transporte hidroviário, cabotagem e transporte fluvial, permanecerá praticamente no mesmo patamar atual. As figuras abaixo mostram os cenários atual e futuro da matriz de transporte de cargas. fig1

No fluxo logístico de integração do transporte aquaviário com os modos terrestres complementares encontram-se os portos, que são peças fundamentais de entrada e saída das cargas nacionais e internacionais. No caso dos portos públicos, a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu Art. 21, estabelece que compete à União a sua exploração, diretamente ou mediante concessão ou permissão.

A Lei nº 8.630 de 1993, que tinha a finalidade de reorganizar as atividades portuárias, foi revogada pela Lei nº 12.815, de 2013, cuja disposição versa sobre a exploração pela União, direta e indiretamente, de portos e instalações portuárias e sobre as atividades desempenhadas pelos operadores portuários. Em seu Art. 1º, § 1º, essa lei preconiza que a exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá mediante concessão e arrendamento de bem público. Quanto a essa última modalidade, o Inciso XI destaca a cessão onerosa de área e infraestrutura pública localizada dentro do porto organizado, para exploração por prazo determinado.

Como instrumento de apoio para a agenda governamental para os portos, surge o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), criado, no âmbito da Presidência da República, pela Lei nº 13.334, de 2016, e coordenado pela Casa Civil, cuja finalidade é ampliar e fortalecer a interação entre o Estado e a iniciativa privada, por meio da celebração de contratos de parceria e de outras medidas de desestatização.

Desde o ano passado, o governo federal vem qualificando os empreendimentos públicos federais do setor portuário no PPI para estudos de desestatização, concessão e arrendamento à iniciativa privada, com o objetivo de ampliar e modernizar investimentos estratégicos a fim de retomar o crescimento econômico do país. Os projetos de desestatização em andamento no PPI são os seguintes: Companhia Docas do Espírito Santo (CODESA); Porto Organizado de Itajaí/SC; Porto Organizado de Santos/SP; e Porto Organizado de São Sebastião/SP. Na modalidade de arrendamento, a lista do PPI contempla as seguintes 24 instalações portuárias, em ordem alfabética da sigla adotada pelo MINFRA:
• ATU12 - Arrendamento de granéis sólidos no Porto de Aratu/BA;
• ATU18 - Terminal de granéis sólidos vegetais no Porto de Aratu - Candeias/BA;
• IQI03 - Arrendamento de granéis líquidos no Porto de Itaqui/MA – Itaqui, São Luís, Maranhão;
• IQI11 - Arrendamento de granéis líquidos no Porto de Itaqui/MA – Itaqui, São Luís, Maranhão;
• IQI12 - Arrendamento de granéis líquidos no Porto de Itaqui/MA – Itaqui, São Luís, Maranhão;
• IQI13 - Arrendamento de granéis líquidos no Porto de Itaqui/MA – Itaqui, São Luís, Maranhão;
• MAC10 - Terminal de granéis líquidos no Porto de Maceió/AL;
• MAC11 - Terminal de granéis líquidos no Porto de Maceió/AL;
• MAC12 - Terminal de granéis líquidos no Porto de Maceió/AL;
• MAC13 - Terminal de granéis vegetais no Porto de Maceió/AL;
• MCP01 - Terminal de Cavaco no Porto de Santana/AP;
• MCP02 - Terminal de granéis sólidos no Porto de Santana/AP;
• MUC01 – Arrendamento de terminal para movimentação de granel sólido (trigo em grãos) no Porto do Mucuripe/CE;
• PAR12 - Terminal de veículos no Porto de Paranaguá/PR;
• PAR32 – Terminal de carga geral no Porto de Paranaguá;
• PAR50 - Terminal de granéis líquidos no Porto de Paranaguá/PR;
• STS08 – Terminal de granéis líquidos no Porto de Santos/SP;
• STS14 – Terminal de celulose no Porto de Santos/SP;
• STS14A – Terminal de celulose no Porto de Santos/SP;
• STS08A – Arrendamento de granéis líquidos no Porto de Santos/SP;
• SUA01 - Arrendamento de veículos no Porto de Suape/PE;
• Terminal Marítimo de Passageiros no Porto de Mucuripe (Fortaleza/CE);
• TERSAB – Arrendamento de terminal salineiro de Areia Branca/RN;
• VDC10 - Terminal de granéis líquidos e sólidos no Porto de Vila do Conde/PA.

Para apoiar os investidores privados, nacionais e internacionais, a FGV Transportes elaborou uma pesquisa para capturar as impressões de especialistas quanto às melhores possibilidades de investimentos em portos diante dos projetos do PPI. Para isso, a FGV Transportes contou com a fundamental parceria da Revista Portos e Navios para a divulgação da pesquisa.

A pesquisa da FGV Transportes apresentou aos especialistas do setor portuário os 24 projetos de arrendamento do PPI e solicitou suas avaliações qualitativas para os seguintes 11 critérios:

1) Necessidade de investimentos na infraestrutura (acessos terrestres e armazenagem);
2) Necessidade de investimentos na superestrutura (equipamentos para movimentação e para armazenagem);
3) Necessidade de adequações ambientais;
4) Perspectiva de longo prazo;
5) Nível de relevância nacional;
6) Nível de concorrência portuária;
7) Nível de relação porto-cidade;
8) Condição de atendimento à demanda atual;
9) Participação no comércio internacional;
10) Participação no comércio nacional;
11) Valorização do tipo de carga.

A pesquisa foi apoiada por um questionário disponível na Internet, no qual, no início, havia uma introdução solicitando a colaboração dos especialistas, explicando a natureza da pesquisa, sua importância, além de informações sobre os projetos do PPI na modalidade de arrendamento. O tempo de realização da pesquisa foi estimado em 15 minutos e não houve qualquer solicitação de identificação pessoal ou empresarial.

Foram submetidas três questões de fato para caracterizar o respondente, sem a sua identificação, com solicitação fechada, por múltipla escolha, para faixa de idade, formação e tempo de experiência.

A pesquisa propriamente dita é considerada como de observação direta e extensiva, que utiliza um questionário com perguntas de opinião, fechadas e de múltipla escolha. Cada especialista consultado respondeu a 264 questões, equivalentes aos cruzamentos entre os 24 projetos, com 11 critérios, segundo os seguintes termos linguísticos: Pequena(o), Relativa(o) e Grande.

Realizou-se um pré-teste para verificar se o instrumento sugeria fidedignidade (se a aplicação em si não interfere no seu resultado), validade (se os dados coletados são estritamente necessários para a pesquisa) e operatividade (se o vocabulário é acessível e de significado claro).

Foram coletadas 34 respostas, entre 24/09/2020 e 12/11/2020, cujo tratamento e modelagem tiveram como base os preceitos da técnica da inteligência artificial denominada Lógica Fuzzy. Na sequência, partiu-se para a análise multicriterial pelo método Simple Additive Weighting (SAW). Esse método híbrido é denominado como Fuzzy-SAW.

Para a formação da nota final da pesquisa, foi utilizada uma Função Utilidade que considera o peso de cada critério e o dado normalizado da relação entre critério e opção portuária para investimento, baseada na seguinte expressão:

 fig2

onde, Si é a função de utilidade da i-ésima opção, para i = 1, 2, ..., n;
wi é o peso do j-ésimo critério, sendo j = 1, 2, ..., n;
rij é o dado normalizado da i-ésima opção do j-ésimo critério.

Dentre as informações obtidas, o perfil dos especialistas consultados pode ser destacado, conforme os três gráficos a seguir.

 fig 3

Percebe-se, quanto à idade dos especialistas, que quase 70% deles têm mais de 50 anos. No quesito “formação”, nota-se que cerca de 40% possuem pós-graduação stricto sensu. Também próximo de 40% dos respondentes especialistas têm mais de 20 anos de experiência profissional em portos. Essas três consultas denotam a representatividade das respostas e caracterizaram a importância dos especialistas quanto à capacidade analítica.

Após o processamento dos dados, a pesquisa mostra que as três melhores opções de investimento, dentre os 24 projetos, tomando-se os 11 critérios, são: Terminal Marítimo de Passageiros no Porto de Mucuripe, em Fortaleza, CE; e os terminais de celulose STS14A e STS14, ambos no Porto de Santos, SP.

A lista completa com as notas finais da pesquisa, após o processamento dos dados de 24 projetos, tomando-se os 11 critérios, está apresentada abaixo. Vale ressaltar que o método híbrido adotado para a presente pesquisa não fornece uma nota máxima e o ranqueamento final consolidado é formado pelas maiores notas obtidas por cada projeto analisado.

 fig 4

A primeira posição alcançada pelo Terminal Marítimo de Passageiros de Fortaleza, localizado no Porto Organizado de Mucuripe, pode parecer surpreendente, todavia, a privatização desse espaço de 27.640 m², por um período de 25 anos, prorrogável até o limite de 70 anos, para embarque e desembarque de passageiros e área de estacionamento, possui uma boa atratividade para a iniciativa privada. Esse projeto é fundamental para o desenvolvimento do mercado de viagens marítimas, pois a estruturação do local dará melhores condições para a atracagem dos navios e, certamente, impulsionará o turismo nas cidades da costa cearense e região vizinha. Estima-se um aumento de 50% na movimentação de turistas no terminal, por temporada.

No caso dos terminais classificados em segundo e terceiro lugares, o sucesso do leilão do final de agosto, próximo passado, corrobora o resultado da pesquisa da FGV Transportes. O leilão dos terminais de celulose STS 14A e STS 14 rendeu a outorga de R$ 505 milhões foi altamente favorável à Companhia Docas do Estado de São Paulo (CODESP), atualmente denominada de Santos Port Authority (SPA). Ambas as concessões têm validade de 25 anos e foram vencidas pela Eldorado Brasil Celulose e Bracell SP Celulose.

Em relação ao terminal MCP02, de granéis sólidos do Porto de Santana, no Amapá, a última posição na pesquisa da FGV Transportes não significa que haverá pouca atratividade em sua futura licitação. Ao contrário, a conclusão da pavimentação da BR-163 (Cuiabá-Santarém) está posicionando o Porto de Santana como importante saída para as exportações de grãos pelo Arco Norte, especialmente da soja e milho provenientes da região Centro-Oeste.

Quanto às demais instalações portuárias ranqueadas pela pesquisa da FGV Transportes, as suas respectivas posições não desmerecem, de forma alguma, suas qualificações e atratividades para os futuros leilões a serem realizados pelo MINFRA, visto que as notas obtidas refletem as opiniões e preferências dos especialistas sobre as melhores possibilidades de investimentos para os projetos qualificados pelo PPI.

Por fim, sabe-se que o MINFRA poderá desembolsar R$ 7,9 bilhões previstos no orçamento da União, de 2020, montante que representa a continuidade da queda desde 2012 (em referência ao antigo Ministério dos Transportes), além de inferior ao previsto em 2019, em R$ 113,4 milhões. Se considerados esses investimentos, além dos privados, ainda assim é menos de 2% do PIB brasileiro, muito aquém do necessário para a geração de empregos e estruturar o desenvolvimento nacional.

Essa sequência de reduções de investimentos em infraestrutura pelo poder público caracteriza, então, de forma premente, a importância de investimentos privados. Assim, a FGV Transportes e a Revista Portos e Navios pretendem maximizar a atenção para essa faixa de investidores, principalmente diante das possibilidades após a pandemia da COVID-19, com olhares para a cabotagem. Segue, então, instrumental valioso para apoiar, com maior confiabilidade, as restritas oportunidades de investimentos, permitindo a otimização na alocação de recursos privados, cada vez mais escassos.

Faça download da versão em pdf aqui

Marcos Quintella e Marcelo SucenaMarcus Quintella é Doutor em Engenharia de Produção pela Coppe/UFRJ, Mestre
em Transportes pelo IME e Pós-graduado em Administração Financeira pela FGV. É
Diretor do Centro de Estudos FGV TRANSPORTES e Coordenador Acadêmico e
Professor da FGV.

Marcelo Sucena é Pós-Doutor pela COPPE/UFRJ/LASUP, Doutor em Engenharia de
Transportes pela COPPE/UFRJ, e Mestre em Engenharia de Transportes pelo IME.
É pesquisador e professor do Centro de Estudos FGV TRANSPORTES.

“Este artigo expressa a opinião dos autores, não representando necessariamente a opinião institucional da FGV.”






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