Em virtude da tendência global de aumento das dimensões e, consequentemente, do calado dos navios, grande parte dos portos do mundo percebe o aumento contínuo das restrições em suas operações. A determinação precisa da Folga Abaixo da Quilha (FAQ) torna-se, então, um fator crítico para a segurança e eficiência da navegação em regiões portuárias.
O conhecimento da distância entre o ponto mais profundo do casco do navio e o fundo do mar, denominada Folga Abaixo da Quilha, é essencial para garantir o trânsito seguro de embarcações até os terminais portuários e evitar o seu encalhe ou colisão com o relevo submarino. A FAQ é um parâmetro dinâmico, variando devido ao nível da água no momento da manobra; ao tipo e dimensão do navio; às alterações na batimetria do porto; e, o mais importante, devido a fatores ambientais, como ondas, ventos e correntes, que impactam o calado dos navios durante as manobras.
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Tendo em vista este panorama, a Marinha do Brasil publicou recentemente, em dezembro de 2019, a NORMAM 33, que regulamenta a implantação e operação de sistemas dinâmicos de cálculo do calado dos navios e das suas FAQs nos portos brasileiros, os quais levam em consideração as condições ambientais vigentes durante as manobras. A regulamentação é essencial para uma maior segurança e desenvolvimento dos portos brasileiros, visto que todos eles atualmente empregam regras estáticas para a navegação em seus canais. O uso de uma FAQ estática pode ter como consequências perdas econômicas, atreladas à diminuição do carregamento e retardos desnecessários para entrada ou saída de navios nos terminais, ou até riscos à navegação.
As incertezas na determinação da FAQ podem ser mitigadas com a aplicação de sistemas dinâmicos, que são capazes de obter as condições de mar e tempo e os movimentos verticais do navio com acurácia durante cada manobra específica. É neste ponto que a nova norma da Marinha irá alterar a realidade da navegação portuária brasileira.
Em sistemas dinâmicos de cálculo do calado e da FAQ dos navios, são utilizados dados ambientais provenientes de equipamentos de medição, em tempo real e também com antecedência, por meio de previsões numéricas das condições de mar e tempo desenvolvidas especificamente para a região do porto. Outra vantagem do uso das previsões por modelos numéricos é a obtenção de janelas de maré mais acuradas, considerando diversos outros fatores, como os efeitos meteorológicos, capazes de gerar elevação e rebaixamento do nível médio do mar não contemplados pelas tábuas de maré.
De acordo com o documento publicado pela Marinha, a adoção de sistemas de calado dinâmico em alguns portos internacionais tem aumentado “os benefícios e viabilidade econômica de operação, na medida em que os navios maximizam a sua capacidade de carga para determinadas condições ambientais, sem o comprometimento de sua segurança”. Estudos realizados em um terminal portuário na Bahia mostram o potencial de aumento de até 1 metro de calado máximo dos navios, sem a necessidade de dragagens adicionais, um aumento em 5x nas janelas de atracação do navio de maior calado atualmente (14,5m), além de uma redução de 60% no tempo de aguardo por maré para a entrada/saída dos navios no terminal – o que mostra que, além dos ganhos operacionais e econômicos, também existem ganhos ambientais significativos.
Determinações da Marinha
As normas publicadas pela Marinha têm o propósito de estabelecer procedimentos e requisitos técnicos necessários para a implantação de sistemas de calado dinâmico nos portos brasileiros. Segundo o documento, será de responsabilidade da Autoridade Portuária ou Administração Portuária solicitar a implementação da nova regra e responsabilizar-se pela operacionalização do conceito localmente.
Estão determinados também dados mínimos que o sistema contratado deve fornecer, não havendo nenhuma limitação neste sentido. São eles: margem de resposta aos efeitos das ondas (altura significativa, período e direção das ondas); velocidade e direção das correntes; intensidade e direção do vento; altura da maré; inclinação dinâmica e afundamento devido ao vento e guinadas; janelas de maré e horários de entrada e saída dos navios; e previsão da FAQ e calado do navio para proa, meio-navio e popa, em cada ponto de controle nos canais de acesso/interno/aproximação, nas bacias de evolução e do berço, para cada navio-tipo.
Para operação dos sistemas, será necessário um parecer da Autoridade Marítima, que depende do envio de relatórios de calibração e validação das informações geradas pelo sistema, com posterior visita técnica ao parque de sensores e ao local de operação do sistema.
Os critérios são bem elaborados, bastante específicos e extremamente necessários por regularem operações que dependem de grande acurácia e que são responsáveis por parte significativa do comércio interior e exterior. O pioneirismo da Marinha do Brasil é um marco para a navegação no país, por garantir maior segurança da navegação, possibilitar o aumento da eficiência de carregamento dos navios e tornar as operações dos portos brasileiros mais sustentáveis.
Bruno Balbi é graduado em Oceanografia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e CEO na i4sea.