O Brasil festeja a escolha para sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016. Comemora o fato de ter saído incólume da crise financeira mundial, e a perspectiva de que a economia continue crescendo. Tudo isso é positivo, mas o país ainda possui deficiências estruturais que precisam ser atacadas agora. Veja o que está acontecendo na indústria.
Neste momento, o Brasil corre o risco de se transformar apenas em um grande revendedor de produtos tecnológicos e se desindustrializar. Para se chegar a essa conclusão, a conta é simples: importamos muito mais produtos com alguma tecnologia agregada do que exportamos.
Hoje o déficit de tecnologia do Brasil cresce cerca de 20% ao ano. Caminha para ultrapassar os US$ 100 bilhões em 2011. Muitas fábricas - de chips a eletroeletrônicos completos - abriram mão de parte de sua produção. Se antes fabricavam o produto do começo ao fim, agora importam, principalmente da China, uma parte de seus componentes. Os preços são mais baixos do que se fossem produzidos aqui.
Os chineses tiram proveito da decisão de empresários ocidentais que preferem terceirizar a produção para ficar apenas com a parte que "agrega valor" à sua marca.
As empresas e os empresários ganham rios de dinheiro comprando dos chineses por centavos e vendendo por centenas de dólares, interessados apenas no lucro imediato e a qualquer preço, mesmo ao custo do fechamento de suas fábricas e do brutal desemprego. É o que se pode chamar de "estratégia do avestruz".
O problema é que essa atitude não agrega valor, muito menos ao Brasil, um país que ainda tem muito a fazer para conquistar seu espaço no mercado mundial e está longe de oferecer aos brasileiros, de todas as classes sociais, condições de vida comparáveis às dos chamados países do primeiro mundo.
Enquanto os empresários ocidentais terceirizam as táticas e ganham no curto prazo, a China assimila essas táticas, cria unidades produtivas de alta performance e vai dominar o mercado de produtos de massa no longo prazo.
A substituição da produção local pela importação de produtos chineses - sejam eles componentes ou mercadoria acabada - leva, a longo prazo, ao sucateamento do parque industrial brasileiro.
A magnitude dos números é um bom exemplo: se uma fábrica brasileira produz um milhão de unidades do produto X, uma só fábrica chinesa produz quarenta milhões de unidades. A qualidade dos dois é equivalente, mas a velocidade de produção e atendimento que a China oferece são impressionantes.
Os chineses colocam qualquer produto no mercado, em qualquer lugar do planeta, em semanas, com os preços que são uma fração dos praticados aqui.
Com a importação dos produtos chineses, o preço do produto final cai, o que é bom para o consumidor, mas é péssimo para o trabalhador brasileiro que, no final das contas, perde seu emprego para um trabalhador chinês.
No Brasil, o boom de empregos gerados atualmente acontece em setores de produtos com baixo valor agregado. Ou seja, onde se contrata mão de obra barata e de baixa qualificação.
Recebemos só neste primeiro trimestre de 2011 investimentos da ordem de US$ 17,5 bilhões.
Mas eles não se refletem em ganhos em tecnologia já que o déficit, nesse setor, não para de crescer. Uma parte desse dinheiro estrangeiro pousa no país, atraída pelos ganhos financeiros proporcionados pelos juros altos. E a fatia que vai para instalação de fábricas repete o modelo prejudicial ao Brasil: são empresas que importam componentes e produtos acabados de fora - ou seja, são apenas montadoras e maquiadoras de produtos.
É esse modelo que precisa ser revisto. Se mantido o atual perfil de investimento em produção, num futuro próximo a China se mostrará ainda mais inalcançável.
Veremos os produtos chineses aumentando os seus preços, com as empresas produzindo um choque de produtos de valor agregado, como aconteceu com o choque do petróleo nos anos 70. E aí já será tarde demais. O mundo então perceberá que reerguer as suas fábricas terá um custo proibitivo e irá render-se ao poderio chinês; pois, alimentou um enorme dragão e acabou se tornando refém da criatura.
O resultado desse modelo é desastroso. Num ranking global de competitividade, que mede o ambiente de negócios de uma nação, o Brasil, que é a oitava economia do mundo, ficou em 44º lugar, perdendo seis posições em relação ao levantamento do ano passado.
O estudo foi feito pelo Instituto Internacional para o Desenvolvimento da Administração, da Suíça, em parceria com a Fundação Dom Cabral, de Minas Gerais. Fomos ultrapassados por países como Peru, Filipinas, Turquia e Emirados Árabes.
E o ciclo é vicioso, já que quanto mais se importam produtos de tecnologia agregada, menos precisamos da nossa mão de obra especializada, colocando nossos jovens qualificados com dilema difícil, ou se sujeitam a ficar no Brasil em funções aquém de sua capacidade ou vão buscar alternativas em outros países.
O cenário nos coloca a perspectiva de o Brasil se tornar um país importante, entre as cinco economias mais poderosas do mundo, mas sem liderar seu próprio desenvolvimento tecnológico. É isso que queremos? Certamente não.
Nossas deficiências não são novas e estão aliadas a dificuldades igualmente antigas, como um câmbio que favorece a importação de peças e componentes, a alta carga tributária incidente sobre a produção e uma legislação trabalhista ultrapassada. Sem contar a burocracia e a ineficiência do setor público que ano após ano seguem inalteradas.
Muitos desses acertos podem ser feitos de imediato, mesmo sem as famosas mudanças estruturais. É possível ajustar tarifas para que o Brasil importe o que necessita e abra espaço para o uso de tecnologia na produção local. A carga tributária pode ser usada como mecanismo de incentivo a quem investe em pesquisa & desenvolvimento. A burocracia pode ser reduzida, com mais agilidade para quem quer fazer negócios. Tudo isso sem contar que a legislação trabalhista precisa ser modernizada e o setor público carece de um choque de eficiência.
Sem que nada disso se altere, a perspectiva é preocupante para a indústria brasileira. Reflitam, corremos ou não o risco da desindustrialização?
Fonte: Valor Econômico/José Milton Dallari, ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, integrante da equipe que implantou o Plano Real
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