Como a Gerdau, recém-alçada à condição de gigante global, está enfrentando a desaceleração das economias americana e europeia
Fonte: O Estado de S.Paulo/Patrícia Cançado
Na segunda-feira passada, a Gerdau assinou um cheque no valor de US$ 1,6 bilhão para comprar o restante das ações ordinárias em circulação da siderúrgica americana Ameristeel, cujo controle pertence à companhia brasileira desde 1999. A compra foi vista por alguns analistas de mercado como um negócio arriscado, já que a recuperação da economia dos Estados Unidos ainda é cercada de incertezas. No setor onde a Gerdau atua, as coisas não vão bem. O país consome hoje metade do aço que consumia logo antes da crise e ninguém - nem a própria siderúrgica - arrisca dizer quando a demanda vai voltar aos antigos patamares.
Mas a aposta da Gerdau tem duas explicações. A primeira é que as ações estavam baratas, apesar do prêmio pago aos acionistas minoritários. A segunda é que a água não está mais no pescoço. Mesmo tendo se agigantado últimos anos, a empresa conseguiu reagir rápido à crise financeira mundial, que afetou brutalmente suas operações, principalmente nos Estados Unidos, Canadá e Espanha.
"Na indústria automobilística, já está havendo uma recuperação. Em obras de infraestrutura, está mais devagar do que esperávamos. Mas nossa visão é de longo prazo", afirma André Gerdau, presidente do grupo. "Saímos fortalecidos dessa crise."
O executivo se mune de estatísticas para justificar o investimento nos EUA. Pelos seus cálculos, 25% das 600 mil pontes que existem no país estão obsoletas ou com problemas. Segundo a Associação Americana dos Engenheiros Civis (ASCE, na sigla em inglês), serão necessários US$ 930 bilhões para recuperar as estradas americanas. Em energia, as perspectivas são otimistas. "Estão previstas 35 usinas nucleares e mais de 100 mil turbinas eólicas até 2030", diz André. "Em tudo isso vai muito aço."
Na realidade, a situação nos Estados Unidos está muito longe do ideal, mas o fato é que as nuvens negras saíram do campo de visão da empresa. "A Gerdau deixou o fundo do poço e agora está no meio do caminho da recuperação nos EUA", diz o analista da Itaú Corretora, Marcos Assumpção. "Se os investimentos em infraestrutura saírem como prometido pelo governo americano, a Gerdau vai se beneficiar. Mas é difícil saber quando eles vão ocorrer."
Fundada em 1901 como uma fábrica de pregos pelo trisavô de André em Porto Alegre, a Gerdau sobreviveu às duas Grandes Guerras, inúmeros planos econômicos e à hiperinflação, mas a última crise foi diferente porque pegou o grupo no auge do processo de internacionalização.
Entre 2005 e 2008, a Gerdau praticamente dobrou de tamanho (veja gráfico abaixo). Apenas um ano antes do estouro da crise global - no momento em que o carismático Jorge Gerdau era substituído pelo filho André, então com 44 anos -, o grupo anunciou a maior aquisição de sua história, a Chaparral Steel, nos EUA, e ainda fez acordo para comprar a americana Macsteel. Se fosse um jogo de War, a Gerdau seria uma das jogadoras mais aguerridas. De uma vez só, entrou no México, na República Dominicana, na Venezuela e na Índia - neste último, por meio de uma joint venture. No Brasil, aumentou em 50% a capacidade produtiva de sua maior usina: a Açominas, em Ouro Branco (MG). A Gerdau não estava sozinha. No mundo inteiro, as empresas do setor viviam um processo intenso de consolidação.
Cortes. O cenário mudou no ano seguinte. Os dados de 2009 mostraram com clareza o impacto violento da recessão. O faturamento bruto caiu de R$ 46,7 bilhões em 2008 para R$ 30 bilhões no ano passado. O grupo só não ficou no vermelho graças à operação brasileira, que entrou mais tarde e saiu mais cedo da crise. No fim de 2008, a Gerdau empregava mais de 46 mil pessoas. Hoje são 6 mil a menos. "Foi um teste muito forte. A nossa avaliação é que conseguimos fazer um trabalho rápido e eficiente de adaptação aos novos níveis de demanda, de redução de estoques e custos e de preservação de caixa", diz André. "Não sabíamos quanto tempo a crise iria durar."
No ano passado, a Gerdau reduziu a dívida líquida em R$ 8 bilhões, conseguiu operar com R$ 4,6 bilhões a menos em seu capital de giro e cortou custos da ordem de R$ 2 bilhões com o fechamento de unidades, demissões, congelamento de vagas, redução nas contas de energia e na quantidade de viagens - dois custos altos para a companhia -, entre outros gastos fixos.
Na avaliação do analista da corretora Geração Futuro, Rafael Weber, a Gerdau foi hábil no trabalho de redução de gastos até porque já tem uma estrutura enxuta. Segundo ele, os custos fixos tradicionalmente representam 25% da receita. Na crise, caíram para 22%. "Nos EUA, esse trabalho foi feito de forma bastante rápida. E não só com demissões. O modelo de produção da Gerdau também ajudou", acredita Weber. Hoje, 75% do aço da companhia é produzido no modelo de mini-mills, baseado no uso de sucata e na comercialização regional. Nesse caso, são usados altos-fornos elétricos, que, ao contrário dos convencionais, podem ser ligados ou desligados de acordo com a demanda.
Depois da quebra do banco Lehman Brothers, em setembro de 2008, a queda nos pedidos foi dramática. Em apenas quatro meses, o nível de utilização da capacidade de produção de aço no mundo todo despencou de 90% para 40%. "O modelo das mini-mills deu uma flexibilidade enorme para a Gerdau e ajuda a explicar porque ela está saindo mais rápido da crise", diz Weber. O grupo brasileiro é o principal fabricante dentro desse padrão de produção. No mundo, apenas um quarto do aço é produzido assim, segundo o analista. "A Gerdau percebeu que esse modelo de negócios se adapta muito bem a situações de crise."
Aprendizado. Para quem vê de fora, André Gerdau, embora novo no cargo, soube conduzir bem os ajustes no período. Na visão do executivo, a maior dificuldade não foi aprender a viver com menos, mas fazer a comunicação fluir internamente numa organização que já contava com cerca de mil executivos em 14 países, falando pelo menos quatro línguas diferentes.
Como a verba para viagens foi reduzida, a Gerdau passou a fazer uma megateleconferência com os mil gerentes e diretores a cada três meses, em português e inglês. A prática continua até hoje. Nesses eventos, os principais executivos, incluindo André, informam os resultados financeiros, os níveis de produção, de caixa, de estoque, enfim, um panorama geral da situação em que a empresa se encontra em cada canto do mundo. No fim da conversa, os executivos dos outros países podem fazer perguntas e dar sugestões.
"Talvez esse tenha sido o principal aprendizado da crise. Quem está operando no Chile, no México ou no Canadá conhece mais a situação de seu país, mas não tem a dimensão do que está ocorrendo em outras regiões nem na empresa como um todo", diz André. "Essa foi uma crise que afetou mais outros países. Por isso a comunicação está sendo fundamental. E continuar vivendo com menos é nosso o grande desafio."
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