A Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit) avalia que uma redução da alíquota de importação do setor de 35% para 12%, como planejada pelo governo, teria impacto “desastroso”. Segundo a entidade, a incerteza gerada por esse tipo de notícia inibe investimentos e a geração de empregos que ajudariam a economia a sair mais rapidamente da recessão.
Conforme o Valor reportou nesta terça-feira, o plano de abertura da economia desenhado pelo governo prevê um corte unilateral das alíquotas de importação sobre produtos industriais de 13,6% para 6,4%, na média, em quatro anos. Para o setor têxtil e de vestuário, a redução seria de 35% para 12%, de acordo com simulação do governo, ao qual o jornal teve acesso.
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O impacto seria desastroso. É muito mais fácil reduzir a tarifa, do que corrigir as distorções que a economia brasileira apresenta
— Fernando Pimental, presidente da Abit
Segundo o executivo, o Brasil precisa de fato se internacionalizar, após ter passado muito tempo afastado dos outros países. “Temos que fazer acordos, concomitantemente com medidas de redução do custo Brasil”, defende.
Com um cenário internacional marcado por guerras comerciais entre grandes potências e aumento do protecionismo, o executivo avalia que a intenção anunciada do governo de fazer uma redução substancial de tarifas de maneira unilateral pode até mesmo atrapalhar as negociações comerciais em andamento com outros blocos.
“Quando essas ameaças são colocadas, sem que a agenda de competitividade esteja bem definida e andando par e passo com a abertura, os investimentos são reduzidos, o que diminui a geração de empregos”, diz Pimentel, citando também a indefinição quanto à reforma tributária como outro fator de incerteza para os empresários.
“Esse assunto não pode ser tratado nas páginas de jornais, tem que ser tratado com os setores que são parceiros do governo no projeto de desenvolvimento nacional”, diz o presidente da Abit. “A indústria de transformação é 11% do PIB e paga mais de 22% dos impostos do país. Não mexer com essas estruturas e entender que há um problema de competitividade decorrente de protecionismo é incoerente com a realidade.”
A indústria siderúrgica também mostrou preocupação com as medidas em estudo. O presidente-executivo do Instituto Aço Brasil (IABR), Marco Polo de Mello Lopes, afirmou que há no governo “uma certa defasagem” entre o que é colocado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e o secretário de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, Marcos Troyjo.
“O ministro defende a abertura econômica, mas reconhece que isso tem que ser feito de maneira gradual de forma a corrigir as assimetrias que existem no mercado brasileiro. E isso não acontece na secretaria de Comércio Exterior”, disse Mello Lopes.
Segundo ele, no caso do setor siderúrgicos esse medida de abertura econômica é ainda mais prejudicial, pois, há no mundo uma onda protecionista em razão do excesso de capacidade na produção mundial de aço, principalmente na China. “Sofremos ainda com a guerra comercial entre Estados Unidos e China e a América Latina é a única região que não tem medidas para proteger a indústria siderúrgica local", afirmou.
A abertura comercial pode ser benéfica, desde que se resolva essas assimetrias que tiram a competitividade
— Marco Polo de Mello Lopes, presidente-executivo do lIABR
Mello Lopes questionou, ainda, o tratamento diferenciado dado ao agronegócio brasileiro. Segundo ele, 50% do faturamento do setor siderúrgico são gastos com o pagamento de impostos. “A indústria não pode ser penalizada pela falta de assimetria que tira a competitividade das siderúrgicas nacionais. Investimos dentro de casa, mas do portão da usina pra fora, não somos competitivos principalmente por causa do custo Brasil”
Acordos comerciais
Já o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) defende uma abertura comercial baseada em três princípios: horizontalidade, gradualidade e transparência. Para a entidade, uma abertura baseada em acordos comerciais seria mais adequada do que o modelo unilateral proposto pelo governo, além de abrir mercados para empresas brasileiras no exterior.
A posição do Iedi é de que essa é uma estratégia muito arriscada que pode se provar equivocada
— Rafael Cagnin, economista-chefe do Iedi
A entidade defende uma abertura baseada em três critérios. O primeiro deles é a horizontalidade. “As reduções tarifárias devem ocorrer para o conjunto de setores da economia, industria e não industriais, de tal forma a não fazer com que esse processos se torne muito suscetível à força de determinados lobbies.”
O segundo critério é a gradualidade. “O objetivo aqui é modernizar a economia, criar condições de ter mais eficiência e produtividade, aproximando o país do sistema internacional, mas assegurando que o sistema produtivo consiga passar por esse processo de transição.”
Segundo Cagnin, como proposta pelo governo, a abertura poderia resultar em perda de emprego e falência de unidades produtivas, o que seria minimizado num processo mais gradual.
Por fim, a entidade defende maior transparência. “É preciso saber exatamente quais são os critérios objetivos que fundamentam esse processo”, afirma, além de haver um comprometimento para que as regras não mudem ao longo do caminho.
“Esses são três fatores fundamentais para se ter uma abertura que amplie efeitos positivos e minimize impactos negativos”, diz Cagnin. “Esses três pilares são mais bem contemplados em uma abertura por meio de acordos comerciais”, completa, lembrando que esse caminho já se iniciou com o acordo entre Mercosul e União Europeia, que agora enfrenta dificuldades de conclusão, criadas pelo próprio governo.
Conforme Cagnin, os acordos têm como vantagem a abertura de mercados para o Brasil. “É uma estratégia que traz maior integração na economia internacional, mais do que somente uma abertura. Pressupõe uma aproximação tanto pela importação, quanto pela exportação, que é algo em que também deixamos a desejar.”
Para Cagnin, a possibilidade de o Mercosul regredir de união aduaneira para zona de livre-comércio, caso a Argentina não aceite a redução da Tarifa Externa Comum (TEC), seria uma regressão do país em seu processo de integração internacional.
“O Mercosul é um âmbito importante das relações comerciais brasileiras. Caminhamos na direção de um mercado comum e regredir é retroceder em uma maior integração internacional. Perde-se a oportunidade de ter um mercado sul-americano mais integrado.”
Fonte: Valor