Uma ação popular na Justiça tenta impedir o leilão da Ferrovia Norte-Sul, marcado para o dia 28 de março. A ação, com pedido de liminar, é de autoria do presidente da Frente Nacional pela Volta das Ferrovias (Ferrofrente), José Manoel Ferreira Gonçalves, e menciona reportagem do Estadão/Broadcast na qual o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que o edital tem critérios que privilegiam a VLI, empresa de logística da mineradora Vale. “Se concretizado dessa forma, esse leilão será o primeiro grande escândalo econômico do governo Jair Bolsonaro”, disse Gonçalves.
Na ação apresentada à 14.ª Vara Cível Federal de São Paulo, Gonçalves afirma que não é possível licitar a ferrovia sem resolver, antes, o chamado “direito de passagem”, uma regra que obriga a concessionária de ferrovia a deixar que outras empresas passem por seu trecho. Como o governo não resolveu essa questão, a Vale sai na frente da disputa, avalia o procurador do MP junto ao TCU, Júlio Marcelo de Oliveira, para quem o edital está “viciado” e “não acrescenta nada ao País”.
PUBLICIDADE
“É indispensável regular o direito de passagem sobre os trilhos do Tramo Central da Ferrovia Norte Sul. Sem essa garantia, o referido trecho ferroviário pode perder qualquer significado de utilidade, já que, isoladamente, não possui acesso a infraestruturas portuárias, e depende, necessariamente, da conexão com malhas ferroviárias concedidas a outros concessionários”, diz a petição.
“Assim, sem a adoção de um modelo regulatório – vertical ou horizontal – que considere a dita especificidade, a concessão deste trecho ferroviário poderá ser interessante exclusivamente para as concessionárias atuais, dos demais ramais ferroviários”, acrescenta a petição. Procurado, o Ministério da Infraestrutura não se pronunciou.
O trecho da ferrovia que será licitado tem lance mínimo, de R$ 1,3 bilhão. Ele é prioridade na agenda do governo Bolsonaro. A ferrovia corta o eixo central do Brasil, tem 1.537 quilômetros de extensão e liga Porto Nacional (TO) a Estrela D’Oeste (SP). Será a primeira ferrovia concedida à iniciativa privada em 12 anos. O trecho recebeu investimentos públicos de R$ 16 bilhões.
“O principal problema é que o edital, da forma como foi elaborado, privilegia as empresas que já exploram as atuais concessões de ferrovias no Brasil. Seria interessante que a equipe do novo governo pudesse avaliar com mais cuidado as futuras concessões, antes de se decidir pelo atual modelo”, disse Gonçalves.
A VLI já opera um trecho de 720 km da própria Norte-Sul desde 2007, logo acima do trecho que será concedido. Além disso, é dona da única saída portuária dessa mesma ferrovia pelo norte do País, caminho que passa pela Estrada de Ferro Carajás, chegando ao Porto de Barcarena, no Pará. Na prática, se vencer a licitação de 28 de março, a empresa será a única dona de toda a malha central do País que corta o centro de seu maior polo de produção de minério de ferro da Vale, em Carajás.
Na petição, Gonçalves afirma que o modelo proposto pelo governo cria um duopólio de operadoras – VLI e Rumo, dona da parte sul da ferrovia. A VLI é controlada pela Vale, em sociedade com as empresas Mitsui e Brookfield, com participação do fundo FI-FGTS. Recentemente, o grupo Cosan, do empresário Rubens Ometto, dono da Rumo, tentou adquirir participação na Vale através da fatia do fundo de pensão Previ na holding Litel, que reúne também os fundos de pensão Petros, Funcef e Funcesp.
Gonçalves destaca que o edital da Norte-Sul impede a competição, não possibilita a integração das malhas, impede a implantação de novos trechos, aprofunda ineficiências logísticas, não reduz o custo da logística brasileira e prejudica a competitividade dos produtos nacionais.
A Ferrofrente tem como consultor o ex-diretor geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) Bernardo Figueiredo, que defendeu o direito de passagem como um dos pilares do modelo ferroviário proposto durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Ele considera a Norte-Sul estratégica para o País, pois, futuramente, a ferrovia vai ligar Belém a Rio Grande, no Sul do País.
Para demonstrar que a licitação é direcionada para os atuais operadores, Gonçalves destaca que o edital nem sequer tem uma versão em inglês, o que mostra o desinteresse de estrangeiros no trecho. “É altamente recomendável que a equipe do governo Bolsonaro avalie com mais cuidado esse edital e outros de ferrovias que não atendam ao interesse público, do contrário passaremos as próximas décadas lamentando que o modal ferroviário não seja melhor aproveitado como transporte no Brasil.”
Fonte: Estadão