A criação de uma quota de importação de 750 mil toneladas de trigo sem a incidência de tarifas, como parte de um acordo firmado entre os presidentes Jair Bolsonaro e o americano Donald Trump nesta semana, preocupa autoridades argentinas, que esperam mais detalhes sobre a medida do governo brasileiro. Em uma avaliação preliminar, a decisão unilateral poderá ser um duro golpe às exportações do país vizinho, o que levaria Buenos Aires a rejeitar qualquer tentativa de negociação com o Brasil para a liberação das vendas de produtos de seu interesse na Argentina com alíquota zero, como o açúcar.
De acordo com uma fonte do governo argentino, por enquanto a ideia é aguardar maiores esclarecimentos sobre cota de importação, antes de tomar alguma atitude para fazer valer seus direitos como sócio do Mercosul, como recorrer ao tribunal do bloco, ou à própria Organização Mundial do Comércio (OMC). Uma das dúvidas é se essas 750 mil toneladas viriam apenas dos EUA, ou também de outros mercados fornecedores, como Rússia e Canadá.
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Depois de automóveis, o trigo é o segundo item mais importante da pauta de exportações da Argentina para o Brasil. No ano passado, o total vendido ao mercado brasileiro foi de US$ 1,3 bilhão. Com a demora na recuperação da economia argentina, a perda de espaço para os Estados Unidos tende a agravar ainda mais a situação do país vizinho. Hoje, o cereal importado de fornecedores que não fazem parte do Mercosul é tributado em 10%.
Essa fonte argentina destacou que os americanos pedem para colocar seu trigo no Brasil desde os anos 90. Argumentou que, se no passado havia como justificativa para cotas temporárias o risco de desabastecimento de trigo no Brasil, agora isso não existe mais. Mesmo porque o Brasil aumentou sua produção.
Moeda de troca
Na quarta-feira, um dia após o anúncio da cota de importação de trigo em Washington, O GLOBO perguntou ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, sobre a reação que já começava a surgir em declarações oficiais feitas em Buenos Aires contra a medida. Araújo sinalizou que o governo brasileiro não deixará barato. Cobrou uma solução para o açúcar brasileiro, que sofre restrições para entrar no país vizinho.
— Há uma atmosfera boa para tratarmos desse assunto com a Argentina, incluindo a questão do açúcar comercializado entre os países do Mercosul — disse o chanceler, momentos antes de embarcar para o Chile.
Para um técnico do governo brasileiro, o açúcar poderá ser uma moeda de troca em uma negociação com a Argentina. Porém, a oferta do Brasil terá de ser vantajosa. "Sabemos dos interesses do Brasil, mas é difícil pensar em concessões", disse a fonte argentina.
O presidente da Associação Brasileira da Indústria de Trigo (Abitrigo), Rubens Barbosa, observou que as conversas com os EUA para a criação da cota começaram no governo passado, tendo como base as negociações para um acordo agrícola na chamada Rodada do Uruguai. Barbosa relatou que, ao ser consultada sobre a medida, a entidade chegou a sugerir que as importações fora do Mercosul ocorrem na entressafra.
Fonte: O Globo