As primeiras queixas começaram a circular no começo do ano, pouco depois da posse do presidente da Argentina, Alberto Fernández. Nas últimas semanas se intensificaram e levaram a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) a informar o governo brasileiro sobre a demora, cada vez mais frequente, do governo argentino em liberar a entrada de importações, descumprindo regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e o acordo bilateral selado entre ambos países.
Atualmente, informaram fontes do governo Jair Bolsonaro, aproximadamente US$ 100 milhões em exportações brasileiras do setor estão paradas na fronteira esperando que a Casa Rosada aprove as chamadas licenças não automáticas de importação.
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De acordo com a OMC, o prazo máximo para dar sinal verde às licenças não automáticas é de 60 dias. Já o entendimento entre os dois governos, que prevê a liberalização total do comércio de veículos até junho de 2029, estabelece um limite de dez dias. Nos últimos meses, com a economia argentina mergulhada numa crise profunda, com previsão de queda do PIB de até 10%, algumas demoras superaram 90 dias.
- Várias montadoras estão com problemas. Entendemos as dificuldades na Argentina pela escassez de divisas, mas acordos são acordos - disse ao GLOBO o presidente da Anfavea, Luis Carlos Moraes.
Segundo ele, essa escassez de divisas no país vizinho (hoje os argentinos podem comprar apenas US$ 200 mensais e existem rumores de que o limite poderia ser reduzido) acabou criando um sistema de comércio administrado.
- Nos preocupa, porque esse tipo de restrição prejudica a previsibilidade do setor e o planejamento. Temos um sistema produtivo integrado no Mercosul - lembrou Moraes.
As exportações do setor representaram 4,3% do total das vendas brasileiras no exterior em 2019. Nesse ano, as exportações para o mercado argentino totalizaram 216.554 unidades, por um total de US$ 2,4 bilhões. No primeiro trimestre de 2020, foram embarcadas 50.777 unidades, o que representa uma queda de 19% frente ao mesmo período do ano anterior.
Na esteira das medidas que causaram polêmica na Argentina, como uma tentativa frustrada de expropriar uma empresa do setor agrícola e, mais recentemente, o anúncio do congelamento de tarifas do setor de comunicações até dezembro de 2020, existe preocupação no governo brasileiro com uma tendência da Argentina ao protecionismo comercial.
Paralelamente, algumas montadoras teriam sofrido pressões para obter a liberação de licenças em troca de promessas de investimento na Argentina, atitudes que lembraram, segundo fontes, os anos mais difíceis de convivência entre os dois países durante os governos kirchneristas (2003-2015).
A tensão por conta das barreiras às importações do setor automobilístico vieram à tona em momentos em que o governo Fernández, através de seu novo embaixador em Brasília, Daniel Scioli, vem mostrando forte interesse em trabalhar com o governo brasileiro para reativar o comércio. Em menos de duas semanas, Scioli foi recebido pelo presidente Bolsonaro, o chanceler Ernesto Araújo e a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, entre outras reuniões.
A todos expressou o desejo de seu país de equilibrar a balança comercial, já que nos últimos 15 anos a Argentina acumula um déficit com o Brasil de US$ 52 bilhões.
Perguntada sobre a demora em entregar as licenças de importação a montadoras com operações no Brasil, uma fonte da embaixada argentina afirmou que ao longo deste ano foram aprovadas licenças para importações brasileiras num total de US$ 5 bilhões, dos quais não foram usados US$ 993 milhões.
- Estamos atendendo as dúvidas sobre possíveis demoras. Já tivemos reuniões com as empresas e haverá uma nova rodada em outubro. Sabemos da preocupação e estamos em permanente contato com o governo brasileiro - assegurou a fonte.
Segundo ela, “cerca de 92% dos pedidos de licenças não automáticas são autorizadas em menos de 72 horas, e resta um saldo que fica pendente por alguma inconsistência ou falta de informação”.
Do lado brasileiro, foram feitas gestões com a secretaria da Indústria argentina mas, até agora, não houve uma reposta satisfatória, disse uma fonte.
Fonte: O Globo