Na cooperativa de transportadores Coopercarga, a principal preocupação de 2014 não tem sido a condição das estradas ou a renovação da frota de caminhões. "Neste ano, o tema das finanças é o que tem nos tomado mais tempo", afirma Osni Roman, presidente da cooperativa. Entre os cerca de 150 associados, que vão de caminhoneiros autônomos a transportadores de médio porte, Roman conta que as preocupações e as queixas com a falta de crédito se repetem.
"Os bancos estão aprovando menos, exigindo mais garantias e olhando a empresa mais de perto", diz. Embora esse aperto nas condições de crédito não seja de hoje, a situação piorou em 2014. Isso porque o fraco crescimento da economia dificulta receber pagamentos de clientes, aumentando a necessidade de crédito para resolver o fluxo de caixa. "Quem precisa de uma linha de capital de giro rápido tem muita dificuldade."
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A preocupação das transportadoras está longe de ser isolada. Há cerca de cinco anos, as pequenas e médias empresas (PMEs) eram a nova fronteira dos bancos no crédito. Agora, a julgar pelo balanço das principais instituições financeiras, foram relegadas a um papel secundário. O crédito para esse tipo de companhia ficou mais escasso, enquanto aumenta o receio dos bancos com a inadimplência.
Dados dos balanços de Itaú Unibanco, Bradesco, Santander e Banco do Brasil mostram que a participação das pequenas e médias empresas no estoque total de crédito para pessoas jurídicas caiu de 43,4% em março 2011 para 38% no fim do primeiro trimestre deste ano, segundo levantamento da Serasa Experian. Em valores nominais, o saldo de crédito para esse segmento dos quatro bancos encerrou março em R$ 328,7 bilhões.
Não foram apenas os grandes bancos de varejo que se retraíram. Pouco a pouco, instituições de menor porte também se afastaram do segmento. Neste ano, o banco Votorantim decidiu só atender companhias com faturamento anual superior a R$ 200 milhões. Antes focado em crédito para pequenas empresas, o Indusval subiu a régua para aquelas com receita bruta em torno de R$ 500 milhões por ano. Medida semelhante foi adotada pelo Pine. O ABC Brasil também reduziu o espaço das empresas de menor porte em seus ativos totais.
Dados do Banco Central (BC) mostram que só ao longo de 2013, a participação desse segmento no total dos recursos emprestados a empresas caiu de 48,9% para 46,8%. Para a autoridade, isso ocorre pois houve um crescimento mais acelerado do crédito com recursos direcionados, em que grandes empresas são mais tomadoras.
Entre os grandes bancos, é o Santander que mostra o maior tombo no segmento. Em 12 meses encerrados em março, a carteira do banco de PMEs encolheu 11,8%, para R$ 31,9 bilhões. No mesmo período, a de grandes empresas cresceu 16,4%. Em comunicado, o banco promete virar o jogo. "Nossa meta é clara: tornar-se o melhor banco das PMEs no Brasil", afirmou. O Santander promete ampliar a oferta de produtos para o segmento e acelerar o atendimento às PMEs, depois de expandir núcleos regionais para o segmento.
No Itaú Unibanco, o estoque de crédito para PMEs encolheu 3,6% em 12 meses até março, a R$ 83,8 bilhões. Já a carteira de grandes empresas avançou 16,9%. Ontem, o banco demonstrou, porém, que mantém interesse no setor, com a contratação de um empréstimo de US$ 480 milhões com o Overseas Private Investment Corporation (OPIC), banco de desenvolvimento americano, e o Wells Fargo. O dinheiro será usado para financiar PMEs no Norte e Nordeste.
Entre os poucos bancos médios que permanecem no setor está o Daycoval. Para reduzir o risco, optou por pulverizar os desembolsos entre mais companhias, além de reforçar as garantias, diz Carlos Dayan, diretor-executivo. Mesmo assim, não tem sido fácil crescer. Desde 2012, esse estoque de crédito se mantém quase estável.
A diferença da inadimplência entre pequenas e grandes empresas ajuda a explicar a restrição. No fim de 2013, dado mais recente disponível, a taxa de calotes entre PMEs estava em 3,35%, enquanto a das grandes era de 0,32%. Os bancos têm dado prioridade a empréstimos de menor risco, ainda que com margens mais apertadas.
Para o diretor-executivo do Bradesco, Altair de Souza, uma relação bancária mais ampla com o cliente ajuda a diminuir o risco de calote. "O fluxo de caixa do cliente passa pelo Bradesco, sua cobrança é feita pelo banco e os seus fornecedores também são nossos clientes. Isso acaba mitigando o risco". No Bradesco, a carteira de crédito a PMEs cresceu 6,6% no ano, para R$ 112,8 bilhões, ante 12% da carteira de grandes companhias.
Entre os grandes bancos, a equação também pode se tornar mais favorável porque, além do crédito, outros serviços são vendidos às PMEs, como a gestão de folhas de pagamento. Essas fontes de receita podem tornar o crédito mais rentável.
Sem muitas alternativas de crédito, as pequenas e médias empresas têm apelado a uma velha estratégia para conseguir sobreviver. "Cada vez mais, as companhias de menor porte têm recorrido aos limites de crédito de seus sócios, nas pessoas físicas", afirma João Carlos Natal, consultor do Sebrae.
Fonte: Valor Econômico/Carolina Mandl e Felipe Marques | De São Paulo