O passivo total do BNDES cresceu desde a década passada, principalmente desde 2007. O montante aumentou de R$ 151 bilhões em 2002 para R$ 203 bilhões em 2007 e R$ 932 bilhões em 2015. Enquanto isso, os desembolsos alcançaram R$ 37 bilhões em 2002, R$ 65 bilhões em 2007, R$ 190 bilhões em 2013 (maior valor da história) e R$ 136 bilhões em 2015. Assim, a carteira de crédito cresceu de R$ 114 bilhões em 2002 para R$ 165 bilhões em 2007 e R$ 695 bilhões em 2015.
Entre a década de 2000 e a atual, a participação da indústria nos desembolsos do BNDES diminuiu cerca de 10 pontos percentuais (pp), a da agropecuária permaneceu estável abaixo de 10% e a do comércio e dos serviços aumentou cerca de 15 pp, para próximo de 60%. A participação de empresas médias e grandes nos desembolsos diminuiu pouco, de 81% entre 2001 e 2005 para 76% entre 2011 e 2015. Do mesmo modo, não houve migração expressiva entre operações diretas e indiretas.
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A atual restrição fiscal sugere que o financiamento de longo prazo não pode mais depender do acesso a recursos subsidiados pelo Tesouro. Nesse ambiente, o governo precisa ser menos suscetível às alegações de que, sem os subsídios, haverá alta do desemprego e declínio da produtividade. Não há nenhuma comprovação robusta disso e nem de que os subsídios têm promovido expressiva ampliação da eficiência e produtividade da economia, crescimento dos investimentos ou redução das disparidades de renda.
O país fracassará novamente caso mantenha a oferta exagerada e disseminada de subsídios
Os novos tempos exigem a transformação do BNDES para que cumpra sua missão de "promover o desenvolvimento sustentável e competitivo da economia brasileira, com geração de emprego e redução das desigualdades sociais e regionais". Essa reestruturação é compatível com a esperada redução dos desembolsos da instituição nos próximos anos e a necessidade de corte de privilégios. De fato, os desembolsos de R$ 18 bilhões no 1º trimestre de 2016 são cerca de 50% do valor médio entre 2013 a 2015 (ou 70%, de 2010 a 2012) e similares ao valor do 1º trimestre de 2009. Não há mais como manter subsídios do BNDES superiores a R$ 40 bilhões ao ano, somados às renúncias fiscais de R$ 260 bilhões em 2016.
Uma redução dos desembolsos do banco poderia gerar ociosidade na instituição. A mudança do seu papel tende a ocupar esse excedente nas áreas criadas com a sua eventual reestruturação. Outra estratégia, que aumentaria a eficiência da administração pública, seria a de transferir esse excedente de alta qualidade para áreas do governo carentes de pessoal.
Um primeiro passo nessa transformação da instituição seria a exigência de contrapartidas financeiras dos tomadores de crédito à oferta de subsídios até então gratuitos. Os tomadores de financiamento poderiam oferecer participação acionária ao BNDES, compatível com os subsídios frente à Selic. Assim, a sociedade alocaria os subsídios de forma provisória sob a perspectiva de valorização da empresa, com o estabelecimento de um cronograma de venda dessas participações em operações de mercado.
Naturalmente, essa opção não é passível de generalização. Grande parte das operações indiretas são concentradas em empresas menores sem ações em bolsa de valores e nem perspectiva de IPOs. Para esse grupo, há necessidade de o BNDES estabelecer uma metodologia para que os subsídios tenham alguma contrapartida financeira das empresas e que reincidências desses privilégios diminuam gradualmente. Uma alternativa seria o BNDES atuar como provedor de garantias para os tomadores de crédito de outras fontes para investimentos. Isso contribuiria para a criação de um mercado de crédito de longo prazo no setor privado.
O segundo componente da reestruturação seria direcionar os maiores subsídios a setores capazes de comprovar que as externalidades positivas de seus investimentos (e.g., elevação da eficiência na economia, com aumento da produtividade agregada) são superiores aos custos financeiros desses benefícios. Nesse ambiente, vários estudos comprovam que a infraestrutura tenderia a ser uma destinação prioritária.
O governo já determinou uma nova atuação para o BNDES, com a retomada do seu papel no processo de privatização de empresas estatais e na venda de concessões de serviços públicos, tanto no âmbito federal como no dos demais entes da federação. O governo estipulou que o banco criará um fundo para conceder financiamentos a serviços de estruturação e liberar recursos para parcerias de empreendimentos. A participação da instituição e o seu conhecimento setorial tendem a dar maior celeridade e eficiência ao processo, maximizando os retornos financeiro e social para a sociedade.
O desenvolvimento do país exige a melhoria da qualidade da educação. Essa é a forma mais apropriada de reduzir as disparidades de renda e elevar a produtividade do trabalho. Dada a missão do BNDES, seu redirecionamento precisaria incluir, de forma também prioritária, a melhoria da educação básica. A instituição poderia utilizar sua experiência de monitoramento e avaliação de projetos para contribuir para o desenvolvimento de um processo de melhoria do ensino fundamental, com base no atual sistema de avaliação de desempenho e em parceria com o Ministério da Educação e as secretarias estaduais e municipais de educação.
O aumento da transparência nas operações do BNDES, digno de elogios, tem que evoluir para uma maior clareza sobre a oferta de subsídios. A decisão sobre a alocação e o volume desses subsídios precisa ser repassada a outras instâncias. Não me parece que seja do BNDES essa alçada, independentemente da reconhecida capacidade do seu corpo técnico. Os subsídios para os diversos segmentos econômicos precisam ser autorizados pelo Congresso, com registros transparentes no orçamento público anual e a definição de valores máximos para as transferências por setor de atividade.
Em suma, a atual restrição fiscal requer alteração do papel do BNDES visando o cumprimento da sua missão. A experiência recente ensina que o país fracassará novamente na busca de melhoria das condições de negócios caso mantenha a oferta exagerada e disseminada de subsídios, postergando a criação de condições efetivas para o adequado funcionamento do mercado.
Estou convencido de que a nova direção do banco compreende essas restrições e as ineficiências geradas pela intervenção excessiva do setor público nas condições de mercado e atuará na adaptação do BNDES a esses novos e desafiadores tempos.
Fonte: Valor Economico/Nilson Teixeira é economista-chefe do Credit Suisse (Brasil), Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia