O secretário de Comércio Exterior do Ministério da Economia, Lucas Ferraz, desembarca nesta quarta-feira (30) em Madri, na Espanha, com uma mensagem para a União Europeia (UE): que o bloco apresente, enfim, o que deseja como compromissos adicionais por parte do Mercosul em matéria de desenvolvimento sustentável.
Para Ferraz, a UE colocar essa demanda para negociar será ainda mais importante no momento, para aproveitar o novo contexto geopolítico e tentar dar o impulso final para implementar o acordo de livre comércio UE-Mercosul. O secretário acompanha na Espanha o ministro da Economia, Paulo Guedes, em contatos com autoridades até quinta-feira (31).
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Há meses que, diante das fortes críticas de diferentes setores na Europa envolvendo desmatamento e preservação da Amazônia, a Comissão Europeia, o braço executivo da UE, sinalizou que apresentaria uma proposta com compromissos adicionais em matéria ambiental a aplicar às duas partes. O plano é incluir esses compromissos numa declaração anexa para frear a enxurrada de oposição na Europa ao acordo birregional.
Recentemente, em seguida à invasão da Ucrânia pela Rússia, desde 24 de fevereiro, a Comissão Europeia indicou ao Valor que, no atual contexto geopolítico, torna-se ainda mais importante avançar com seus acordos comerciais, incluindo o Mercosul. Mas que, no momento, não iria proceder com a ratificação do acordo com Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Um trabalho para atender as preocupações ambientais, incluindo desmatamento, ainda está em andamento.
“A UE faz mais de um ano que fala nessa ‘side letter’, que nunca veio, mas estamos sempre dispostos a dialogar”, disse Ferraz. “O que o Brasil não vai e não quer fazer é reabrir o acordo. Isso não vamos fazer. Quando se reabre um capítulo, desequilibra todo o acordo. E nem entendemos que isso seja necessário. Mas a ‘side letter’ pode ser uma saída.”
Em encontros em Madri, onde o ambiente é favorável ao acordo birregional, o secretário quer destacar que a nova situação global “aumenta ainda mais a importância estratégica desse acordo, tanto para o Brasil como para a Europa”. Ele acredita que o Brasil pode fornecer produtos que antes os europeus compravam na Rússia. “O Brasil é exportador líquido de petróleo, um dos principais itens de nossa pauta comercial”, diz ele, mencionando também commodities metálicas como aço e minério de ferro.
Em Bruxelas, as indicações são de que tão ou mais importante em relação ao acordo com o Mercosul é a eleição presidencial na França em abril. Uma vez ocorrido o pleito, não se pode descartar de vez que a Comissão Europeia arrisque colocar uma primeira demanda de compromissos adicionais no Mercosul, incluindo o combate ao desmatamento, respeito do Acordo de Paris.
E também compromissos na área social, como respeito a convenções trabalhistas.
“Mas não há nenhuma garantia disso”, diz uma fonte. Primeiro, há níveis de ambição distintos dentro da Comissão em relação ao que a UE deseja propor ao Mercosul. A área de meio ambiente é mais ambiciosa, querendo incluir sanções para o caso de o Mercosul não respeitar os compromissos. Já a área de comércio se inclinaria por algo mais realista e mais pragmático, para atender a necessidade política e ajudar na diversificação e desconcentração de supridores.
Segundo, persistem dúvidas em algumas capitais europeias em retomar as discussões sobre acordo UE-Mercosul antes da eleição presidencial deste ano no Brasil. Existe uma reconhecida resistência em alguns setores ao presidente Jair Bolsonaro.
De seu lado, o secretário Lucas Ferraz nota que o movimento atual de reconfiguração das cadeias de abastecimento “abre janela de oportunidade ainda maior para o Brasil” em geral. Para ele, é ainda mais importante o país buscar melhorar o ambiente de negócios, desburocratizar, reduzir o custo-Brasil e aumentar a inserção internacional.
“Essa reconfiguração é opositiva, mas pode ter certeza de que vai se traduzir em menos crescimento global”, observou. “É perda de produtividade, porque é reconfiguração por critérios não econômicos, muitas vezes, e sim por natureza geopolítica ou por guerra comercial. Desloca atividade produtiva, mas perde produtividade e, no longo prazo, é menos crescimento para o mundo inteiro. Mas, do ponto de vista individual, estamos atentos para isso. Vamos tentar aproveitar.”
Fonte: Valor