Enviada no auge da campanha eleitoral nos Estados Unidos, uma carta do representante comercial dos EUA, Ron Kirk, com severas críticas à política comercial brasileira foi considerada "inaceitável" pelo destinatário, o ministro de Relações Exteriores, Antônio Patriota. Na carta, Kirk fala da "preocupação" do governo dos EUA com o aumento de tarifas de importação no Brasil e no Mercosul. Ele cobra ("urge") a revisão do aumento de tarifas de cem produtos anunciado pelo Brasil na semana passada e o cancelamento da planejada elevação das tarifas para mais cem mercadorias, em outubro.
Patriota reagiu com uma nota divulgada à noite, em que ironiza o americano, por ter "reconhecido a legalidade" das medidas brasileiras. Ele afirma que o Brasil não abrirá mão de adotar todas as medidas que permitir a Organização Mundial do Comércio (OMC) e acusa os EUA de ser o real causador de danos ao comércio internacional, com "subsídios ilegais" à agricultura, que impactam o Brasil e os países mais pobres da África. O ministro acusa os EUA de prejudicar as negociações comerciais na OMC com "medidas protecionistas".
Kirk já começa a carta em tom de recriminação, ao informar a intenção de expressar "em termos claros e fortes" a preocupação americana. Alerta que, na avaliação americana, a alta de tarifas causa danos a exportações dos EUA em "áreas chaves" do interesse comercial do país. O argumento de que as elevações são temporárias "não mitigam o impacto negativo", queixa-se Kirk.
Ele acusa o Brasil de causar danos aos parceiros comerciais com o descumprimento de compromissos contra medidas protecionistas e faz uma ameaça velada: "Historicamente, esse tipo de ação leva os parceiros comerciais a responder do mesmo modo, aumentando o impacto negativo [ao comércio]". Kirk chama atenção, ainda, para a crescente importância do comércio de produtos industriais entre Brasil e EUA.
Fontes de Washington afirmam que a carta de Kirk tem uma faceta política, a menos de dois meses das eleições em que o presidente Barack Obama disputa a reeleição. Obama é acusado pelo adversário republicano, Mitt Romney, de ser frouxo com as medidas protecionistas e competição desleal de países emergentes, sobretudo a China. Na segunda-feira, Obama escolheu o Estado industrial de Ohio, um dos mais importantes na corrida presidencial, para anunciar a abertura de queixa na OMC contra supostos subsídios chineses à industria automobilística.
O governo brasileiro vinha minimizando atritos com o USTR com o argumento de que a agressividade dos negociadores comerciais dos EUA tinha razões eleitorais. Na resposta a Kirk, Patriota diz que ter "esperança" de que a carta, vazada pelos americanos, tenha sido motivada "por circunstâncias domésticas dos Estados Unidos".
Os americanos dizem temer que as barreiras comerciais, a princípio apresentadas como pontuais e destinadas a lidar com problemas específicos de competitividade do Brasil, se tornem uma política horizontal protecionista. Receiam também que outros países sigam o exemplo brasileiro. Autoridades brasileiras, como o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o próprio Patriota, afirmam que o Brasil reage aos desequilíbrios no mercado provocado pelas políticas monetárias dos países ricos.
"O mundo tem testemunhado politicas de expansão monetária maciça para resgatar bancos e indústrias", diz a nota de Patriota a Kirk. "Como consequência, o Brasil tem sido obrigado a enfrentar uma valorização artificial de sua moeda e uma enxurrada de mercadorias importadas a preços artificialmente baixos", segue a nota, que lembra a duplicação das exportações dos EUA ao Brasil, entre 2007 a 2011. Seria mais justo aumentar exportações em "ambiente não distorcido", acusa Patriota, que se diz "disposto a trabalhar com os EUA" para uma "relação comercial equilibrada e mutuamente benéfica".
Fonte: Valor / Sergio Leo e Alex Ribeiro
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