A invasão de argentinos em áreas do Brasil, prevista pelo presidente Jair Bolsonaro, caso Alberto Fernández fosse eleito —eleição que ocorreu—, poderá começar pelo agronegócio. Não fisicamente, mas comercialmente.
Os argentinos se prepararam para uma maior tensão entre Brasil e Irã. Os atritos com o país persa começaram com o apoio do governo brasileiro à ação dos americanos na morte do general Qassim Suleimani, em Bagdá.
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Agora, o Brasil, alinhado a Estados Unidos e Israel, sediará entre 4 e 6 de fevereiro, em Brasília, uma reunião do “Grupo de Trabalho sobre Questões Humanitárias e de Refugiados”, criado na “Reunião Ministerial de Varsóvia para Promover um Futuro de Paz e Segurança no Oriente Médio”. Na pauta da reunião, estará a busca de um maior isolamento comercial do Irã, o que preocupa o agronegócio.
No ano passado, em duas reuniões com delegações dos Estados Unidos e de Israel já havia sido solicitado ao Brasil uma posição mais dura contra o Irã, mas o Itamaraty resistiu.
A Argentina, além de atender as principais necessidades de alimentos do Irã, permaneceu neutra no conflito do país persa com americanos.
As negociações dos argentinos com os iranianos já vêm ocorrendo desde outubro e devem se intensificar a partir de agora. Está prevista uma ida de empresários do país vizinho, principalmente do agronegócio, a Teerã.
Essa missão comercial está sendo coordenada pelo Bripaem, um bloco composto por sete países da América do Sul. Edemir Schornen Bozeski, secretário de relações exteriores do bloco, diz que o objetivo é fomentar a relação entre todos os países do grupo (Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai, Peru e Uruguai).
Assim como busca opções de comércio para o Brasil, o bloco avalia também todas as demais opções comerciais para os outros componentes.
E, em uma possível freada das negociações entre Brasil e Irã, o fornecimento de alimentos para os iranianos continuaria sendo feito por um país da América do Sul, segundo ele. O bloco é composto por empresários e prefeitos.
O Irã é o quarto maior importador de alimentos do Brasil, com gastos de US$ 2,2 bilhões (R$ 9,4 bilhões) no ano passado. Cinco produtos se destacam nas compras iranianas: milho, soja, farelo de soja, carne bovina e açúcar.
À exceção do açúcar, a Argentina conseguiria substituir o Brasil nesse fornecimento.
Em uma eventual ruptura das relações comerciais entre Brasil e Irã, os brasileiros perderiam um país fiel e que remunera melhor os alimentos adquiridos.
Um dos exemplos é o milho, cujo preço pago pelos iranianos supera em 11% o dos demais principais importadores.
A necessidade de compra de milho pelo Irã soma 10 milhões de toneladas, segundo o Usda (Departamento de Agricultura dos EUA) e o Brasil forneceu 54% em 2019, apontam dados do governo.
Com relação à soja, o Brasil não perderia muito. As importações totais iranianas atingem 1,9 milhão de toneladas, mas 84% dessas compras se concentram no Brasil.
A Argentina poderá substituir o Brasil também no farelo de soja. Isso ocorreria em um momento ruim para o Brasil. Com o aumento da produção de biodiesel, a oferta de farelo cresce e os exportadores brasileiros querem elevar a presença no mercado externo.
A carne bovina também é outra demanda iraniana, e o Brasil foi responsável pelo fornecimento de 48% do produto importado pelo país persa.
Um exemplo da fricção diplomática é que importadores do Irã já manifestam que a compra da carne brasileira pode ser impactada se houver alinhamento político do governo com os Estados Unidos.
“A posição do Brasil afeta 100% a decisão dos comerciantes iranianos, que perderiam interesse em comprar porque o governo daqui para de cooperar”, disse Mohammad Hosseyn Mohammadzaman, presidente da Ghaza Faravar Penguin, via telefone de Teerã.
O empresário diz ter importado de 8 mil a 10 mil toneladas das 63 mil compradas pelo Irã no Brasil, em 2019.
No ano passado , o país foi o sétimo importador de carne do Brasil, representando 3,4% das vendas ao exterior.
Em caso de eventual ruptura, empresários do setor dizem que o Irã buscaria mercados mais próximos, como Romênia e Cazaquistão, que já vendem ao país.
Os argentinos, que lideraram as exportações mundiais de carne bovina na década de 70, e perderam espaço, voltaram a crescer e teriam produto para abastecer o Irã.
Uma missão de empresários do Irã esteve recentemente no Brasil e na lista de produtos que eles querem do país estão arroz e açúcar —neste caso, os argentinos podem fornecer arroz, mas açúcar iranianos buscariam na Índia.
As opções ideológicas do governo podem complicar a vida de um dos setores mais dinâmicos da economia nos últimos anos. Além disso, o alinhamento ideológico com os EUA tem pouco a acrescentar ao agronegócio, uma vez que os dois países são concorrentes em praticamente todos os produtos.
Fonte: Folha SP