A meritocracia, ou seja, a administração fundamentada no mérito, está em alta nas campanhas dos três principais candidatos à Presidência da República. Serra fala em avaliação de desempenho. Dilma defende o concurso público e as carreiras de Estado. Marina concorda com os dois e acrescenta que também devemos combater os cargos de indicação política. Excelente debate! Sem um Estado eficiente e protegido do aparelhamento, não há como executar planos ambiciosos de desenvolvimento para o Brasil em uma economia globalizada. Principalmente se quisermos que os benefícios sejam distribuídos a toda a população e não apenas a uns poucos privilegiados.
Países como Inglaterra, Alemanha, Estados Unidos e China adotaram estratégias em que desenvolvimento econômico e inserção internacional são indissociáveis. Todos fizeram uso consciente do mercado externo para gerar demanda para suas indústrias. Ao mesmo tempo, criavam internamente as condições para formação de mão de obra qualificada e estruturação de pesquisa, desenvolvimento e inovação. A China tem programas de Estado que buscam formar cada vez mais engenheiros para habilitar suas empresas a competir em setores de alta tecnologia. Acima de tudo, nesses países, as estratégias foram, e ainda são, parte de um plano de ação consistente do Estado, em que a qualidade da máquina pública é essencial ao resultado de longo prazo.
Nessas eleições temos oportunidade de exigir que os candidatos debatam o planejamento de um processo estruturado de desenvolvimento. O controle social que podemos exercer sobre as autoridades e políticos responsáveis pelo destino da nação precisa começar na campanha, pautando sua agenda e a elaboração dos planos de governo. Como pretendem identificar e fortalecer os setores que criam empregos de qualidade, têm maior efeito multiplicador e geram ganho de competitividade sistêmica na economia? Como propõem a construção de uma economia aberta que gere empregos e qualidade de vida? Nossa história está cheia de oportunidades não aproveitadas.
A inclusão massiva das micro, pequenas e médias empresas no comércio internacional é um bom exemplo. Elas detêm apenas 8,4% do valor exportado. Das cinco milhões de MPEs, apenas 11 mil exportam (0,2%). Nos últimos anos, conquistamos avanços como a Lei Geral das MPEs e a atuação de órgãos como o BNDES, a Apex-Brasil e o Sebrae, mas os números evidenciam o nosso atraso. Considerando que as micro, pequenas e médias empresas respondem por mais de 50% dos empregos formais no Brasil, é de se imaginar o impacto econômico da ampliação de sua participação no mercado externo. Taiwan, Itália, Estados Unidos e China têm políticas nesse sentido há décadas. O Presidente Obama acaba de criar, em março de 2010, a Iniciativa Nacional de Exportações, cujo principal objetivo é a "coordenação de todos os esforços nacionais para a criação de empregos por meio da promoção das exportações".
Políticas desse tipo não nascem do acaso, precisam ser formuladas e implantadas por um Estado eficiente. E para que o Estado funcione melhor, precisamos reduzir os cargos de indicação política e dar espaço aos servidores de carreira. Toda instituição deve buscar quadros técnicos qualificados, que não sejam substituídos a cada quatro anos e nem estejam comprometidos com interesses alheios. Os servidores de carreira devem seguir as orientações do governo eleito para implementar os projetos vencedores nas urnas, sim; mas sempre pautados pela defesa dos direitos do cidadão, zelando pelos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. É preciso profissionalizar o Estado brasileiro. Nossa inserção internacional também é modulada por essas condições.
As diretrizes para o desenvolvimento econômico e o comércio exterior devem ter a coordenação de um órgão central. Elas precisam estar presentes na formulação das políticas de crédito, juros e câmbio. Sua execução deve ser conduzida por quadros de carreira especializados, que atuem em longo prazo. Esse órgão deve ter escritórios de comércio nos mercados mais importantes, para apoiar nossas empresas na prospecção de oportunidades, como fazem os países ricos. Ele precisa conduzir processos de desburocratização, desoneração, apoiar a inovação e a melhoria da infraestrutura de logística. É preciso ter competitividade em nível internacional para chegar ao desenvolvimento.
O Brasil sempre esteve em posição de dependência sistêmica na economia global. Mesmo hoje, temos apenas 1,2% do comércio internacional, o fluxo comercial é de 17% do PIB, as empresas gastam apenas 0,5% do PIB em pesquisa e desenvolvimento, e as exportações são, na maioria, de baixo conteúdo tecnológico. Essa condição histórica deixou um legado de pobreza na sociedade e baixa capacidade do Estado para atender demandas básicas da população. Nos últimos dez anos, consolidamos fatores que nos permitem sair dessa armadilha e cobrar outro tipo de inserção. Temos potencial para ser a quinta economia do mundo em 10 ou 15 anos, mas essa conquista só será alcançada com planejamento e vontade política acima de tudo.
O novo Presidente da República terá essa grande oportunidade nas mãos. As carreiras de Estado estão prontas para participar desse processo de construção nacional. Essa é nossa missão dentro da máquina pública e nossa vontade como cidadãos brasileiros.
Fonte: Valor Econômico/Rafael de Sá Marques/presidente da Associação dos Analistas de Comércio Exterior - 01/03/2005 a 31/05/2010
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