Diante do anúncio da Argentina de que abandonará negociações de acordos do Mercosul, o governo brasileiro quer sugerir mudanças nas regras de funcionamento do bloco para viabilizar tratativas comerciais sem a participação do país vizinho.
Negociadores brasileiros argumentam que regras vigentes hoje podem impedir o andamento de acordos futuros se não houver aval do governo argentino. A ideia, segundo relato feito à Folha, é retirar essas travas.
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A preocupação diz respeito não apenas a futuras iniciativas, mas também a diálogos já iniciados formalmente nos últimos anos com países como Canadá, Coreia do Sul, Líbano e Singapura.
Criado em 1991, o Mercosul tem como membros fundadores Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. A Venezuela aderiu ao bloco em 2012, mas está suspensa desde 2016.
Na sexta-feira (24), a Argentina anunciou deixará de participar das negociações de acordos comerciais do Mercosul, com exceção dos dois mais importantes em andamento, com a União Europeia e a Associação Europeia de Livre Comércio (Efta).
O país vizinho afirmou que a decisão se deve ao fato de que a prioridade agora é o combate ao coronavírus e as emergências econômicas internas causadas pela pandemia. No comunicado, ponderou que “não será obstáculo para que os demais países prossigam com seus diversos processos de negociação”.
O governo brasileiro viu como positivo o comunicado dos argentinos porque deixa claro que eles querem ficar de fora do processo de abertura do bloco, facilitando a ação dos outros componentes. Entre os negociadores, a avaliação é de que a mensagem foi um presente dado aos outros membros, que agora têm liberdade para reformatar o bloco sem maiores tensões políticas.
Em outra linha de análise, membros do governo afirmam que a “saída elegante” da Argentina seria uma desculpa encontrada porque o país não tem consenso nas negociações e teme a aproximação entre Brasil e Estados Unidos.
Em resolução editada em 2000, os países fundadores do Mercosul firmaram o compromisso de negociar acordos de natureza comercial e tarifária sempre de forma conjunta. Esse, portanto, seria o principal entrave para o andamento dos trabalhos a partir de agora.
O governo brasileiro aguarda uma definição mais clara sobre o que a Argentina fará para propor as mudanças, mas a ideia é mudar as regras para retirar o país das novas tratativas e criar mecanismos de proteção para o restante do grupo.
No caso de um novo acordo comercial, por exemplo, a economia argentina ficaria totalmente segregada dos termos firmados. Seriam impostas regras para impedir que o país vizinho se beneficiasse do livre comércio ou de tarifas mais favoráveis.
A avaliação entre membros do governo é de que a mudança não significaria o "início do fim" do Mercosul. Nas novas regras, o Brasil quer que haja uma cláusula para que a Argentina possa retornar às negociações quando houver uma mudança de governo ou de diretriz da política externa.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, tomou posse no fim do ano passado. A campanha presidencial argentina foi marcada por trocas de farpas entre ele e o presidente Jair Bolsonaro.
O presidente brasileiro não escondeu que preferia ter visto o ex-presidente Mauricio Macri reeleito e afirmou por mais de uma vez que a volta do peronismo ao poder na Argentina poderia gerar uma “nova Venezuela” no continente sul-americano.
Fernández, por sua vez, defendeu durante a campanha a liberdade do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e, no dia de sua vitória eleitoral, posou para fotos fazendo um “L” com as mãos, símbolo do petista.
Após a campanha, porém, ambos os governos passaram a dar sinais de que pretendem trabalhar para melhorar a relação entre os dois países.
Para membros do governo brasileiro, os argentinos indicam que, ao menos na atual gestão, seguirão um caminho de maior fechamento e desintegração da economia.
Atualmente, a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás de China e Estados Unidos. Segundo dados do Ministério da Economia, a corrente de comércio entre os dois países somou US$ 4,4 bilhões (R$ 23,9 bilhões) no primeiro trimestre deste ano, mas o saldo da balança foi negativo para o Brasil em US$ 69 milhões (R$ 374 milhões).
Formalmente, o Itamaraty informou que a decisão do país vizinho de suspender as negociações dá transparência aos processos e facilitará a busca por melhores resultados a todos os membros do Mercosul que estão interessados na abertura comercial com o mundo.
“O governo brasileiro continuará, junto com Paraguai e Uruguai, a perseguir o objetivo de comércio aberto e livre com outros países”, disse em nota.
Fonte: Folha