A pandemia de covid-19 acelerou um processo que já estava em andamento nas principais câmaras arbitrais do Brasil: a possibilidade de procedimentos totalmente on-line, desde o protocolo até audiências e oitivas de testemunhas. Ao contrário da Justiça, que teve que paralisar suas sessões num primeiro momento, as câmaras conseguiram se adaptar rapidamente e mantiveram julgamentos de disputas milionárias.
Nenhum prazo foi suspenso e as audiências têm sido realizadas normalmente por meio virtual, o que tem assegurado agilidade para a resolução de conflitos. Apenas alguns poucos procedimentos mais complexos foram paralisados, a pedido das partes e por decisão dos árbitros.
PUBLICIDADE
Antes da pandemia, apenas a Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM/B3) tinha um procedimento arbitral inteiramente eletrônico, nos casos em que as partes concordassem. Com as restrições impostas pela quarentena, as demais câmaras rapidamente expediram circulares dispondo sobre a dispensa de protocolos físicos, disponibilizando meios digitais para realização de audiências por video conferência, inclusive com técnicos para auxiliar na conexão.
“A necessidade de dar andamento aos processos nos fez superar antigos receios quanto à segurança desses instrumentos [ferramentas digitais]”, diz a advogada Selma Lemes, árbitra e integrante do Conselho Consultivo do Centro de Arbitragem e Mediação Brasil-Canadá (CAM-CCBC), da Câmara de Mediação e Arbitragem da Ciesp/Fiesp e da Câmara de Mediação e Arbitragem Empresarial (Camarb). “Os procedimentos arbitrais totalmente eletrônicos estão funcionando bem.”
Eleonora Coelho, presidente do CAM-CCBC, também acredita que esta é uma tendência que foi acelerada com a covid-19. Hoje, a entidade tem 305 casos em andamento, um total de R$ 90,5 bilhões em disputa. Apenas três foram suspensos até agora, em decorrência da covid-19.
Já foram realizadas sete audiências remotas, segundo Eleonora. “Os árbitros e as partes têm aceitado muito bem. A maioria esmagadora dos casos tem transcorrido normalmente”, afirma. Para ela, as discussões envolvem muito dinheiro e é uma vantagem as disputas não serem paralisadas. “São casos às vezes bilionários. Você imagina o que é suspender tudo e não saber quanto tempo vai demorar para retomar.”
A Câmara de Mediação e Arbitragem da Ciesp/Fiesp também está em pleno funcionamento on-line, segundo o secretário-geral João Luiz Lessa Neto. “Essa situação de pandemia com isolamento social acelerou algo que já estava em curso. Por isso, tivemos uma migração tão rápida”, diz.
De acordo com Neto, o processo arbitral é mais flexível do que o judicial e as câmaras já permitiam, por exemplo, que toda a comunicação com as partes fosse por e-mail. Algumas audiências de termo (primeira no procedimento para combinar meios de comunicação, calendário processual etc) já eram realizadas por videoconferência ou por conferência telefônica, principalmente nos casos com partes de diferentes localidades.
“Agora com a pandemia a audiência de instrução, que envolve a produção de provas e a apresentação do caso, que sempre eram feitas fisicamente, passaram também para o ambiente virtual”, diz. A Câmara tem 94 arbitragens em curso, com valor médio de R$ 34 milhões cada.
A Camarb também tem quase todos os seus procedimentos andando normalmente. Atualmente são 56 e os valor total envolvido supera R$ 2 bilhões. Apenas três estão suspensos. “Não sei dizer se esses casos estão suspensos por causa da covid-19 e preferem fazer uma audiência presencial ou se, por exemplo, resolveram tentar um acordo”, diz o presidente da Camarb, Augusto Tolentino.
Ele afirma que já tem atuado inclusive como árbitro em audiências. “A utilização da plataforma nesta intensidade é uma novidade para todos. Eventualmente há uma ou outra dificuldade. Mas em geral a experiência tem sido extremamente positiva e deve gerar uma mudança de costume”, diz.
Como exemplo de bom funcionamento, ele cita um procedimento realizado recentemente que envolveu mais de 70 participantes on-line. O caso trata da maior arbitragem societária brasileira: a disputa pelo controle da companhia de papel e celulose Eldorado, entre os grupos J&F, da família Batista, e a Paper Excellence, da família Widjaja, da Indonésia.
Devido ao período de reclusão imposto por autoridades em diversos países, a segunda semana de depoimentos (de 17 a 20 de março) aconteceu pelo aplicativo Zoom. A arbitragem ocorre na Câmara Comércio Internacional (ICC, na sigla em inglês). As audiências deveriam ser em São Paulo. As partes não queriam atrasar o processo, que já dura um ano e meio.
O Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) também já vive esta realidade. Neste momento, são 36 arbitragens em curso, com valor total de R$ 2,9 bilhões. Apenas três foram suspensas até o momento em virtude da pandemia - todas por decisão dos árbitros, com a concordância das partes.
O presidente Gustavo Shimidt, afirma não ter dúvidas de que essas mudanças no procedimento vieram para ficar. “Não fazia mais sentido que o procedimento arbitral, tão sofisticado, demandasse um processo físico. Isso agora é uma tendência irreversível”, diz.
O advogado especialista em arbitragem, Erico Carvalho, sócio da Advogacia Velloso, afirma que a arbitragem saiu na frente neste momento de pandemia por já estar mais adaptada ao meio eletrônico. “Por mais que já existisse uma audiência ou outra por videoconferência, essa não era a regra. Antes as oitivas de testemunhas e audiência de instrução eram presenciais. Agora não existe mais essa alternativa”, diz. “Isso é incentivador para os negócios, que não podem parar.”
O advogado Rafael Alves, sócio da área de arbitragem do LO Baptista, também concorda. “Transferir o procedimento arbitral para ser feito remotamente é uma ótima notícia para as empresas que têm um valor expressivo envolvido nessas disputas.
Fonte: Valor