O fechamento de fronteiras causado pela pandemia e os possíveis efeitos no mercado de grãos colocou os produtores brasileiros em estado de alerta. Durou pouco. Logo a disparada do dólar causou uma escalada nas cotações da soja brasileira.
Em fevereiro, a saca no Paraná era comercializada a R$ 82. Em maio, em plena quarentena, ultrapassou a marca de R$ 100.
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O produtor de soja Márcio Bonesi, de Moreira Salles (PR), já havia comercializado 60% da sua safra de grãos até o final do ano passado. Vendeu cada saca por R$ 78.
Bonesi ainda tinha soja para vender neste ano e conseguiu aproveitar a alta dos preços. Chegou a comprar colheitadeiras novas para dar mais ritmo à produção.
Mas o bom momento do agronegócio brasileiro não tem nenhuma relação com a pandemia. “Cerca de 70% da safra do país já vinha sendo comercializada antecipadamente, com bons preços, desde outubro de 2019”, diz André Pessôa, especialista do setor de grãos e sócio-diretor da Agroconsult.
O principal motivo da valorização é a demanda crescente por alimentos no mundo, especialmente na China, que compra 80% da soja e derivados que o Brasil vende no mercado externo. A maior parte vira ração, com foco na produção de carnes.
Contribuiu também a guerra comercial entre China e Estados Unidos, único mercado capaz de produzir e exportar grãos em patamares próximos aos do Brasil.
Não há sinais de arrefecimento do apetite chinês. A economia do país asiático deve ter crescimento de 1,8% este ano, enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) mundial deve cair 3%, afirma o economista Fábio Silveira, da Macrosector Consultores.
Com ajuda da China, a renda total dos produtores de grãos no Brasil deve saltar de R$ 250 bilhões em 2019 para R$ 304 bilhões neste ano, segundo a consultoria.
E as exportações da soja devem continuar aumentando. No mês de julho, as vendas do grão chegaram a US$ 3,61 bilhões (R$ 20,3 bilhões), alta de 38,8% em relação ao mesmo mês do ano passado. Pelo menos 70% da soja colhida no país vai para o exterior.
Também contribuiu para esse cenário positivo a safra recorde no ciclo 2019/2020: 120,9 milhões de toneladas, de acordo com dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento).
A carne bovina é outro segmento que está passando quase imune pela pandemia. A maior preocupação do setor era uma queda no consumo interno por causa da crise. Não foi o que aconteceu.
O pesquisador Thiago Carvalho, do Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), identificou uma redução de 2,51% no consumo de carne no primeiro semestre de 2020, na comparação com a média de 2019.
Um dos motivos seria o auxílio emergencial dado pelo governo, que ajudou a minimizar a perda de renda das famílias.
Para Alcides Torres, da Scot Consultoria, especializada em pecuária, os efeitos chegaram a ser sentidos nos grandes centros urbanos com o fechamento de restaurantes e hotéis. Mas a demanda da China, principal compradora da carne bovina brasileira, aumentou e compensou qualquer dano.
O país passou a exportar 25% da produção, e 57% dos embarques foram destinados para o país asiático.
O resultado do aumento das exportações foi uma escalada nos preços do boi gordo, que já vinham em alta desde o fim de 2019, quando a peste suína africana dizimou rebanhos na China e obrigou os importadores a buscar mais carne no Brasil.
As cotações até caíram um pouco entre março e maio deste ano em função da quarentena, mas logo se recuperaram. A arroba do boi atingiu recorde histórico e passou a valer em média R$ 224 na primeira quinzena de agosto, segundo a Scot Consultoria.
O primeiro semestre de 2020 já pode ser considerado o melhor da história para as exportações de carne bovina, com uma soma de 777 mil toneladas. O volume mais alto já alcançado até então havia sido de 699 mil toneladas, no primeiro semestre de 2007.
A alta do preços na arroba do boi vem também da oferta mais restrita. A pecuária vive ciclos: se o período é de preços baixos, o pecuarista abate mais vacas. Dessa forma, ao longo do tempo, o rebanho diminui, reduzindo a oferta de animais no frigorífico e fazendo o preço subir.
“Estamos na metade de um desses ciclos de menor oferta, por isso a tendência é de preços altos para a arroba do boi por pelo menos mais dois anos”, avalia Torres, da Scot Consultoria.
Ainda há riscos. Se houver uma piora da Covid-19 no Brasil e um impacto econômico mais grave do que o previsto, a venda de carne bovina tende a cair mais.
“Mesmo assim, considero difícil o preço cair para o pecuarista brasileiro, porque a China entra no mercado e aproveita a oportunidade”, afirma Carvalho, da Cepea.
Há também a chance de um embargo à carne brasileira caso cresça a incidência do novo coronavírus entre funcionários de frigoríficos. Os analistas avaliam que, até agora, o país foi eficiente no controle adotado nas plantas de abate e dificilmente terá problemas tão intensos quanto os EUA, onde muitas fábricas foram paralisadas.
Uma ameaça maior seria a política internacional brasileira. “Ficamos assustados com alguns posicionamentos do governo, com críticas aos chineses”, diz o diretor da Scot Consultoria. “Se o agro brasileiro não para, é porque a China não para.”
Fonte: Folha SP