O choque de preços do petróleo deve reduzir em 18% a arrecadação de royalties dos municípios do Nordeste e fazer evaporar R$ 200 milhões dos cofres públicos das cidades de região em 2020, ante o ano passado, estima a Agência Nacional do Petróleo (ANP). Não bastassem as perdas de receitas com a desvalorização da commodity, a economia nordestina terá pela frente um novo golpe: a Petrobras desativou dezenas de campos em águas rasas e se prepara para reduzir as atividades terrestres nos próximos meses, na região. A paralisação das operações é justificada dentro da lógica empresarial, pelos altos custos dos ativos, e afeta só 1% da produção da estatal. Mas para uma série de pequenos municípios da região, cujas economias giram em torno da petroleira, o impacto promete ser superlativo.
Muitos desses municípios são pobres em receitas e dependem não só dos royalties para manter os serviços básicos para a população, mas também dos efeitos indiretos da atividade petrolífera local, que mobiliza fornecedores de bens e serviços e emprega centenas de pessoas, dinamizando a economia local em áreas relativamente mais pobres e de baixa densidade populacional. O temor é que a redução das atividades no Nordeste leve à perda do principal motor econômico de muitas dessas cidades.
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Como alternativa aos empregados, a companhia abriu um programa de desligamento voluntário e vem, para aqueles que desejam se manter no emprego, realocando os funcionários dos campos desativados em outras unidades pelo país. Entre terceirizados, porém, as demissões já começaram. O Valor apurou que a petroleira desmobilizou sondas que operam em campos terrestres, na Bahia, Rio Grande do Norte e Sergipe, de empresas como Braserv, Conterp e Perbras. Só a Braserv, segundo uma fonte sindical, teve 11 sondas desativadas e deve demitir cerca de 650 empregados.
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, nega que haverá “demissões em massa”. “Sobre [demissões de] terceirizados, essa pergunta tem que ser endereçada a essas empresas, não à Petrobras”, disse, durante teleconferência com jornalistas, em abril.
O impacto sobre os municípios do Nordeste não será homogêneo. Os principais Estados afetados pelas hibernações (desativações) da Petrobras serão Bahia, Ceará, Rio Grande do Norte e Sergipe. Para a grande maioria dos municípios nordestinos, a queda da arrecadação dos royalties não chega a comprometer o orçamento. Levantamento do Valor, com base nos dados da ANP, mostra que, para cada dez cidades beneficiadas pelas receitas petrolíferas na região, praticamente oito recebem menos de R$ 1 milhão por ano. Ao todo, 89% da arrecadação de royalties entre os municípios nordestinos vai para os cofres de cem cidades.
Em geral, a arrecadação no Nordeste é baixa em relação ao Sudeste. Enquanto Maricá e Niterói, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, arrecadam, cada um, mais de R$ 1 bilhão por ano com royalties e participações especiais, nos municípios do Nordeste as receitas são bem mais modestas. Mesmo assim, muitos deles são dependentes das atividades petrolíferas.
A ANP informou que recebeu da Petrobras pedido formal de hibernação de 23 campos no Nordeste, incluindo os ativos em águas rasas, seis campos no Sergipe e mais seis no Rio Grande do Norte.
No Ceará, a Petrobras paralisará todas as suas plataformas, o que deve impactar atividades como hotelaria, transporte e alimentação. Paracuru (CE), de 35 mil habitantes, por exemplo, não chega a ser dependente dos royalties, mas serve como base de apoio para o embarque dos petroleiros. O prefeito, Eliabe Albuquerque (PR), conta que ainda aguarda a estatal se posicionar sobre o futuro da instalação, mas que a desativação dos campos no litoral cearense deve levar a base a operar no mínimo. “Se fechar a casa cai. A movimentação de embarque para os campos traz atividade para as pousadas no município”, explica. Quanto aos royalties, o impacto nas contas públicas ocorrerá a partir deste mês e afetará principalmente a gestão de limpeza da cidade, que possui vocação turística. Segundo ele, há uma previsão de perda de R$ 120 mil na receita mensal, o equivalente a 2% das receitas mensais no todo.
Na vizinha Paraipaba, o impacto com os royalties será maior. O município recebe R$ 700 mil por mês. Trata-se de 10% da receita total do município de 30 mil habitantes. “Ninguém estava esperando por isso. Vai comprometer inicialmente as obras de calçamento, reforma de escolas e hospitais. Mas se a situação perdurar, vamos ter que demitir pessoal”, afirma o prefeito Dimitri Batista (PDT). O Sindicato dos Petroleiros do Ceará (Sindipetro-CE) teme que, com a paralisação das plataformas cearenses, 400 empregados da Petrobras e 2 mil indiretos seja desmobilizado da região.
Na Bahia, o impacto virá não da desativação das plataformas, mas da redução das atividades terrestres. De acordo com o Sindipetro-BA, a Petrobras comunicou que vai parar quatro campos até junho, numa primeira fase, incluindo Candeias, o primeiro campo comercial da história da empresa. O sindicato afirma que a intenção da companhia, porém, é reduzir ainda mais a produção terrestre, até o fim do ano, o que tem gerado comoção entre os prefeitos locais. Eles têm se mobilizado junto a parlamentares, para tentar pressionar a Petrobras a reaver a decisão.
Na primeira leva de campos a serem paralisados, serão afetadas cidades como Candeias, São Francisco do Conde, Pojuca e Catu. Com 54 mil habitantes, Catu, a 85 quilômetros de Salvador (BA), tem 30% da sua receita mensal proveniente de royalties e ISS ligados à produção de petróleo. Por mês, a receita total no município é de R$ 12 milhões. “O impacto social é duplo. Além da queda na arrecadação de ISS e nos royalties, temos um aumento do desemprego por conta de demissões na cadeia de terceirizados”, afirma o prefeito Geranilson Dantas Requião (PT).
Segundo o Sindipetro-BA, cerca de cem trabalhadores da Petrobras serão desmobilizados da região a partir de julho. Entre prestadores de serviço, contudo, o receio é de que milhares de trabalhadores terceirizados sejam demitidos, a depender do tamanho da redução que a empresa efetivamente fará nas operações locais.
“A redução das atividades da Petrobras na região vai afetar toda uma cadeia: de empresas terceirizadas de limpeza, vigilância e transporte à construção civil. O desemprego, na região, afeta os restaurantes, os hotéis”, comenta o diretor do Sindipetro-BA, Radiovaldo Costa. “O mais importante, sendo a Petrobras uma estatal, nesse momento de crise, deveria ser a manutenção dos empregos.”
Um estudo do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo (Ineep) estima que as atividades da Petrobras se concentram, sobretudo, em 15 municípios baianos, que reúnem cerca de 5,3 mil empregados no setor, com destaque para Catu e Alagoinhas.
Com 151 mil habitantes, Alagoinhas funciona como fornecedor de mão de obra e serviços para as atividades petrolíferas do entorno. A cidade é sede da Braserv, empresas de sondas. O município possui economia mais diversificada e abriga um polo da indústria de bebidas, com unidades da Brasil Kirin e Grupo Petrópolis, mas, ainda assim, tem no setor de óleo e gás uma importante fonte de receitas: cerca de R$ 24 milhões por ano, em royalties e ISS, pouco menos de 10% do orçamento do município. Para o prefeito, Joaquim Belarmino Neto (PSD), a hibernação da Petrobras na Bahia ocorre num momento crítico para a cidade, que já convive com a perda de empregos no setor de bebidas e, agora, também no petrolífero.
“Já perdemos ISS e ICMS por causa da pandemia e agora vamos perder mais impostos com o setor de óleo e gás. Vai ser uma sucessão de estragos. Está acontecendo tudo ao mesmo tempo. Empresas de bebidas estão suspendo atividades. E com a hibernação dos campos da Petrobras, podem ser mais 2 mil desempregados. Isso é igual a duas fábricas de bebidas”, afirma.
Procurada, a Petrobras justificou a hibernação das plataformas em águas rasas como uma medida “com foco na sustentabilidade da empresa nesta que é a pior crise da indústria do petróleo em cem anos” e destacou que os ativos não apresentam condições econômicas para operar com preços baixos de petróleo. A empresa esclareceu, ainda, que os campos terrestres seguem em operação e que os processos de vendas de ativos continuam em andamento. Com crise, municípios devem receber 18% a menos este ano e ANP estima perda de R$ 200 milhões
Fonte: Valor