A Bacia de Campos, área de produção de petróleo que fez do Norte do Rio de Janeiro uma região próspera em arrecadação e emprego, entrou em uma onda de decadência que já se estende por cinco anos e foi reforçada pela pandemia. Nunca antes a Petrobrás se desfez de tantos campos e plataformas como nos últimos dois anos. Em 2020, pela primeira vez, a produção da Bacia de Campos caiu abaixo da marca de 1 milhão de barris por dia. Além disso, a covid-19 permitiu que funcionários que antes davam expediente na região passassem a trabalhar de outros locais.
O efeito dessa confluência de fatores negativos é visível em cidades como Macaé, Campos dos Goytacazes e Rio das Ostras. A proliferação de placas de aluguel e venda de imóveis retrata a crise e revela que o Norte fluminense já não é a uma terra de oportunidades. “Abri um espaço pequeno no centro de Macaé, em 2010, para servir almoços e lanches. Foi muito bom até 2015. Mas, três anos depois, já não estava legal. Com a covid, encerrei o negócio. Agora faço bolo em casa”, conta Manoela Guedes, que chegou a ter 11 funcionários com carteira assinada e, neste ano, dispensou os últimos três.
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Em Campos dos Goytacazes, o município mais beneficiado com a arrecadação de royalties nos tempos de prosperidade, o presidente da associação comercial, Leonardo Abreu, diz que ele próprio está sendo afetado pela crise.
Ainda em 2019, após a Petrobrás esvaziar um prédio no município, seu faturamento caiu 30%. Antes mesmo dos prejuízos da pandemia tomarem proporções maiores, em março, Abreu fechou sua loja de salgados em Macaé. “Se há queda da atividade de petróleo, a mão de obra vai buscar outros lugares. É menos gente para circular e gastar”, afirma Abreu.
Para contornar os desafios, Herbert de Paula, que há 15 anos é dono de três padarias em Macaé, tem apostado na venda de alimentos mais sofisticados e, por isso, mais caros. Ele relata que o número de clientes vem caindo desde 2015. “Isso já estava acontecendo antes da covid-19. Começou com a Lava Jato. Foi um monte de gente embora”, diz.
Uma fotografia da queda do investimento da Petrobrás e dos efeitos na cidade de Macaé é o Edifício Novo Cavaleiros, o último a ser esvaziado pela estatal na cidade. O contrato do aluguel do prédio foi encerrado em 2019. A entrega ocorreria no fim do ano. Veio, então, o coronavírus e todo pessoal foi liberado a trabalhar a distância. Segundo cálculo do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF), 1,7 mil trabalhadores ocupavam o prédio.
O prédio é hoje uma estrutura às escuras numa zona nobre da cidade, ocupado por poucos seguranças e cercado por um estacionamento abandonado e um terreno baldio. Na portaria, maquetes de plataformas estão amontoadas num canto. No dia em que a reportagem foi ao local, móveis de escritório que estavam amontoados na calçada diante do edifício foram posteriormente levados por um caminhão de mudança.
Os efeitos da derrocada da região começaram com a Operação Lava Jato, continuaram com a queda da cotação do petróleo e agora são ampliados pelo programa de desinvestimentos da Petrobrás. Nunca a estatal se desfez de tantas áreas de produção como em 2019 e 2020, diz o professor do Instituto de Economia da UFRJ Iderley Colombini. Foram vendidos integralmente seis campos e parcialmente outros dois. Em 2020, com a pandemia, o pesquisador contabiliza a interrupção da produção em oito plataformas.
Resultado: no acumulado de janeiro a setembro de 2020, a queda da produção de barris de óleo pela Petrobrás foi de 17%, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
A Petrobrás refuta a tese de que reduziu sua presença no Norte fluminense. Por meio de sua assessoria de imprensa, afirmou que “mantém-se em plena atividade” na área, onde atua com um plano de renovação com foco em ativos de maior valor agregado. “Esse plano inclui a instalação de pelo menos três novas unidades na Bacia, nos próximos anos, além de diversos projetos de desenvolvimento para aumento da produção, revitalização e reorganização da malha de escoamento.”
Região fechou 50 mil vagas
A contração da produção da Bacia de Campos custou 50 mil postos de trabalho, nos últimos cinco anos, a dois municípios do Norte fluminense, Campos dos Goytacazes e Macaé. Os dados são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho, e fazem parte de pesquisa de Iderley Colombini, professor do Instituto de Economia da UFRJ.
Os efeitos no mercado de trabalho são mais sentidos em Macaé, onde funciona a sede administrativa da Petrobrás e também estão instaladas dezenas de empresas fornecedoras de bens e serviços à estatal. A cidade responde por 80% do saldo entre admissões e dispensas desde 2015.
Uma peculiaridade, no entanto, aconteceu no mercado de trabalho em Macaé, no ano passado. Após cinco anos de perdas, o número de pessoas que conseguiram um emprego superou o de demissões – mas esse efeito não veio da indústria do petróleo. O respiro ocorreu no segmento de serviços de engenharia e arquitetura, que inclui trabalhos como os de assessoria técnica de engenharia.
Ao mesmo tempo em que foram fechados 358 postos de trabalho em atividades diretas e apoio à extração de petróleo no ano passado, foram criados 1,4 mil em serviços de engenharia e arquitetura. Ainda assim, o total de salários pagos para manter as plataformas funcionando, R$ 21,5 milhões, superou o do segmento em expansão, R$ 13,7 milhões.
“A situação só tem piorado para os petroleiros. A cada ano são condições piores de trabalho e salários menores para os terceirizados”, afirma o presidente do Sindicato dos Petroleiros no Norte Fluminense, Tezeu Bezerra.
Fonte: Estadão