O rompimento da barragem de Brumadinho, em Minas Gerais, no fim de janeiro, e a consequente paralisação das operações em algumas minas de minério de ferro da Vale que usam barragens a montante, similares à da tragédia, podem comprometer o abastecimento das maiores siderúrgicas no país entre 30 e 60 dias. A previsão é de Flávio Roscoe Nogueira, presidente da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg).
A Vale divulga nesta quarta-feita, após fechamento do mercado, seu resultado financeiro de 2018. A divulgação, inicialmente prevista para 13 de fevereiro, foi adiada devido ao acidente, que resultou na morte de mais de 200 pessoas e quase cem desaparecidos. Os números que serão informados, portanto, não refletem a situação da empresa pós-Brumadinho.
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Analistas evitam fazer projeções do resultado porque é esperado que a companhia faça provisões (reserva de capital para eventuais perdas futuras) relacionadas ao acidente. Nesta-terça-feira, a Vale confirmou que, após a tragédia de Brumadinho, a empresa teve redução de produção ao ritmo anual de 92,8 milhões de toneladas, quase um quarto da estimativa originalmente prevista para o ano. Com isso, o preço da commodity já subiu por volta de 20% em 2019, dizem especialistas.
— O impacto é enorme para todo o setor. Dependendo do que ocorrer com o futuro da mina de Brucutu, as siderúrgicas podem ficar sem estoques entre 30 e 60 dias. Há risco de paradas nas principais como as de Tubarão, no Espírito Santo, em Santa Cruz, no Rio de Janeiro, e em Congonhas, em Minas Gerais. O minério de ferro de Minas que é produzido pela Vale é o que abastece todo o Brasil. Esse cenário coloca as siderúrgicas do Sudeste em risco, pois elas fazem um mix de diferentes minérios e pelotas, e 90% da produção de pelotas estão paradas — disse Nogueira.
Marco Polo de Mello Lopes, presidente do Instituto Aço Brasil, reafirma a gravidade da tragédia ocorrida em Brumadinho e que cuidar da segurança das pessoas que vivem na região e também do meio ambiente são prioridades. No entanto, destaca ele, é preciso agilidade para garantir que as siderúrgicas não ficarão desabastecidas:
— Um problema de abastecimento às siderúrgicas pode parar o fornecimento de aço para toda a cadeia metalúrgica, o que abriria uma crise de enormes proporções, afetando a produção de máquinas e equipamentos, as montadoras, os eletroeletrônicos. A retomada da operação da mina de Brucutu, cuja barragem tem sistema diferente do usado em Brumadinho, e das pelotizadoras da Vale são fundamentais para manter o abastecimento enquanto medidas importantes poderão ser tomadas — avalia ele.
As siderúrgicas produzem 47% do minério de ferro que utilizam, sengundo dados do Aço Brasil, enquanto 46% vêm da Vale. Em pelotas, o peso da mineradora é ainda maior, com 90% do fornecimento às produtoras de aço.
— Nossa sugestão é que o governo traga entes externos credenciados para atestar a segurança dessas instalações, para que se possa decidir se a produção pode ser retomada — defende Marco Polo.
Carlos Jorge Loureiro, presidente-executivo do Instituto Nacional dos Distribuidores de Aço (Inda), por sua vez, não vê risco ao abastecimento das siderúrgicas no curto prazo.
— As grandes siderúrgicas têm produção própria ou condições de receber minério e pelotas de outras formas. Só vejo risco se a produção de Minas Gerais parasse por um longo prazo. O problema, agora, é que com o corte na produção, o preço do minério de ferro subiu, e será preciso repassar esse custo para o preço final do aço — destaca ele.
Impacto em empregos
Estudo recente feito pela Fiemg prevê que a paralisação das minas da Vale em Minas Gerais terá um impacto de até 3,5% no PIB e o corte de até 146 mil vagas do setor, no cenário mais pessimista, o que inclui a paralisação de Brucutu. Caso a mina de Brucutu volte a produzir minério, o recuo no PIB pode chegar a 2,5% afetando 104 mil empregos.
— A produção atual não consegue suportar o consumo interno do país. A situação fica pior porque Brucutu ainda não voltou a operar. Hoje, as siderúrgicas e as mineradoras ainda têm estoque, mas esse volume está se reduzindo. Por isso, as siderúrgicas podem parar de 30 a 60 dias — afirmou Nogueira.
Outro problema que agrava a situação é a falta de logística. Um exemplo é a produção da Anglo American, em Minas Geerais, que conta com infraestrutura para o embarque do minério através de dutos até o Porto de Açu, no Rio de Janeiro. A mesma situação envolve o complexo de Carajás, da Vale, que conta com sistema voltado para a exportação da commodity e não para escoamento do mercado interno.
No início de fevereiro, a Vale declarou "força maior" em uma série de contratos de venda de minério de ferro a seus clientes no Brasil. Algumas companhias já estão redimensionando sua produção. Há duas semanas, a Ferroeste, no Espírito Santo, já teria desligado um de seus alto-fornos. Procurada, a empresa não retornou.
Fonte: O Globo