Um resultado notável passou praticamente despercebido na divulgação dos resultados do comércio exterior brasileiro de março: mesmo com o dólar situado em uma das mais baixas cotações da história, os exportadores de produtos manufaturados, como autopeças, automóveis e aços laminados planos, aumentaram em 10,3%, em média, o volume de suas venda ao exterior em relação a março do ano passado. No caso de veículos de carga, o aumento foi de 80%; no de laminados planos, passou de 60%. Um resultado que contraria a tese da "doença holandesa", de desindustrialização do parque exportador brasileiro.
À exceção de alguns produtos, como os laminados planos (queda de 15% no preço), o aumento no volume de exportações de manufaturados ocorre paralelamente ao crescimento nos preços dessas mercadorias, de 6,3% em média, e mostra que, embora os produtos básicos e commodities, como soja, minério de ferro e açúcar, ganhem fatia maior na pauta de exportações, a indústria ainda consegue ampliar as vendas, aproveitando a recuperação dos mercados internacionais.
Seria um cenário de festa para os responsáveis pela política comercial, afinal foi o aumento das importações, não a debilidade das exportações, o responsável pela queda brutal no saldo do comércio, de 70%, no primeiro trimestre do ano, comparado ao mesmo período do ano passado. Mas há preocupação na equipe econômica. As vendas estão apenas recuperando os patamares de antes da crise, e não em todos setores. As estatísticas escondem sintomas preocupantes de dificuldades no setor exportador, e os dados agregados de comércio podem gerar equívocos.
No caso das vendas de manufaturados, por exemplo, as estatísticas são influenciadas pela forte ampliação na venda de produtos industrializados de baixíssimo valor agregado, como os óleos combustíveis, em segundo lugar na pauta de exportações de manufaturados, encostados aos automóveis, com um aumento de 182% no primeiro bimestre, em comparação com janeiro e fevereiro do ano passado.
Embora as vendas de calçados e produtos do setor automotivo, especialmente veículos pesados, tenham se recuperado vigorosamente, a pauta de manufaturados ainda é enormemente influenciada por commodities, como açúcar refinado, polímeros e óxidos e hidróxidos de alumínio. As vendas à América Latina vão bem, mas as dirigidas á África, que cresciam em ritmo acelerado, sofreram um baque. Só no primeiro bimestre, a queda foi de 30% - as compras dos africanos, que caminhavam para absorver 10% das vendas de manufaturados brasileiros, caíram para pouco mais de 5% nesse período, comparadas às do mesmo período em 2009. Esse resultado indica perda de competitividade em mercados promissores.
A perda de mercado, relacionada à valorização do real em relação ao dólar, é o que mais preocupa as autoridades da área econômica, pois tende a se agravar. Segundo um graduado integrante do governo, embora continuem crescendo, as exportações de produtos industriais aumentam em ritmo menor que o da recuperação do mercado externo, e isso reduz a fatia de mercado do Brasil no exterior, dando vantagens de escala de produção para os concorrentes estrangeiros em terceiros mercados.
Um dado importante da balança comercial aponta outra fragilidade da indústria exportadora, na avaliação de economistas: o grande motor das importações são as compras de matérias-primas e bens intermediários, que deram um salto de US$ 5,4 bilhões, ou quase 42% no primeiro trimestre (quase US$ 3 bilhões só em março, um aumento de 56%). Esses valores não são um mal em si, mas refletem uma tendência progressiva de troca de fornecedores nacionais por estrangeiros; as empresas exportadoras incorporam cada vez mais componentes importados nos produtos que vendem aos mercados interno e externo.
A opção por fornecedores do exterior reduz a capacidade de setores, como o automotivo e o de eletrodomésticos, como impulsionadores do restante da indústria. "As cadeias produtivas no país se tornaram menos intensas, o país vem perdendo densidade industrial", diz o diretor-executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Júlio Sérgio de Almeida. A distribuição da cadeia de fornecimento para outros países, especialmente os vizinhos, também acontece em outras regiões, como na Ásia, mas o Brasil depende cada vez mais de fornecedores da própria Ásia e de outros mercados de fora da vizinhança.
Os exportadores brasileiros que surfam na onda favorável do mercado mundial estão mais vulneráveis a mudanças de maré, inclusive dentro do Brasil. Uma eventual correção do dólar terá impacto imediato sobre custos dos exportadores, sem lhes dar condições imediatas de recuperar o espaço perdido no mercado externo. Enquanto isso, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, se diz incapaz de reduzir a cobrança indevida de impostos dos exportadores, porque a medida ameaçaria as contas fiscais.
Fonte: Valor Econômico/ Sergio Leo
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