Já que portugueses e espanhóis não dominam os mares como há 500 anos (a telefonia encurtou as distâncias e, de quebra, mudou o foco de negócio por lá), o redescobrimento do Brasil deve ser protagonizado, no fim das contas, por um navio viking. Desenhada pelos noruegueses, a nova rota que cruza o Oceano Atlântico, desta vez, mira o fundo do mar na costa nacional: ali estão a camada de pré-sal e algumas boas razões para a Petrobras ter anunciado recentemente um plano de investimentos(1) de US$ 224 bilhões.
Parece história do Brasil, mas são outras duas disciplinas do ensino básico que explicam melhor o movimento: geografia e, claro, matemática. No mapa- múndi visualizado na cabeça das empresas norueguesas, os mares do Norte e da Noruega (mais ao sul), ao longo da costa do país, ainda podem render, mas estão superpovoados. E da mesma maneira que se imaginou a Índia em 1500, são as águas asiáticas as cobiçadas da vez (encabeçadas por China e Coreia). O Brasil — um equívoco de trajetória no passado — virou atalho agora. E a costa africana aparece como última escala nessa turnê.
Já a fórmula matemática atende por muitos zeros (os tais US$ 224 bilhões da Petrobras) e seis letras (pré-sal). Mas também há um volume considerável de recursos com carimbo nórdico. O Correio teve acesso aos números do relatório da Intsok (a associação de empresas da indústria norueguesa de óleo e gás) que só será divulgado oficialmente no fim do mês. Os investimentos programados para o Brasil entre 2011 e 2013 passam dos US$ 70 bilhões. Quando apresentar os dados às associadas, a Intsok, capitaneada pelo governo do país e pela Statoil (estatal local de petróleo), vai dividir o bolo da seguinte forma: US$ 21 bilhões no ano que vem, US$ 22 bi em 2012 e US$ 28 bilhões em 2013.
Ao contabilizar esses valores, a indústria soma tudo: do parafuso à embarcação pronta. Até porque o planejamento de desembarque no Brasil inclui uma estratégia de ataque agrupado, o que dá visibilidade às empresas pequenas e fortalece politicamente as grandes. O Correio esteve nas principais cidades da Noruega para ver esse aparato de perto e, de volta ao Brasil, entrevistou o diretor regional para Brasil e Canadá da Intsok, Rune Norseng. Ele não quis confirmar os valores obtidos pela reportagem — falou apenas em “plano bastante ambicioso de investimentos” —, mas foi bem claro em relação ao foco estratégico: “O mercado brasileiro de offshore em óleo e gás está crescendo para se tornar o segundo maior do mundo, atrás apenas do Golfo do México”. E destacou uma pesquisa significativa: “Com base em um levantamento interno, entre os fornecedores da Noruega para a indústria internacional de óleo e gás, 80% das empresas listaram o Brasil como mercado prioritário”.
Capacidade de carga
Nesse time que se uniu para flertar com o Brasil, há conglomerados gigantes como Aker, STX Europe (braço da STX coreana) e Rolls Royce Marine — todas com faturamento anual entre US$ 2 bilhões e US$ 8 bilhões —, e também empresas (bem) menores, entre elas, Evomec e Cebrum, que tem apenas três funcionários. Isso mesmo: três.
Esse sincretismo corporativo só é possível porque o mercado offshore de petróleo e gás, embora sempre apresente números superlativos, trabalha com uma série de especificidades não exatamente comum no mundo dos negócios. Por essa razão, a Cebrum, que criou um software para gerenciar procedimentos em embarcações, pode vir a faturar alto se conseguir emplacar a ideia. Da mesma forma que a Evomec baterá à porta da Petrobras para apresentar suas engenhocas, entre elas um sistema de apoio de mangueiras em embarcações, visando crescer de fora (da Noruega) para dentro.
Isso faz com que mesmo as grandes corporações, como a Rolls Royce Marine (divisão marítima da Rolls Royce inglesa), se aventurem nas minúcias. Uma das atuais ofertas dela para o Brasil, por exemplo, é um sistema de cordas de maior resistência e mais elasticidade, especialmente pensada para águas profundas. Leia-se: pensada para atuar na exploração do pré-sal.
1 - Montante recorde
No último dia 21, a Petrobras divulgou o Plano de Negócios para o período 2010/2014, aprovado pelo Conselho de Administração três dias antes e que prevê investimentos de US$ 224 bilhões nos próximos cinco anos — uma média de US$ 44,8 bilhões ao ano. O volume de recursos é recorde, já que o plano de negócios anterior (2009-2013) estabelecia investimentos na casa dos US$ 186,6 bilhões, ou seja, US$ 31 bilhões a menos.
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Fonte: Correio Braziliense/Alexandre Botão