A abertura do mercado de gás natural ainda deve levar alguns anos para se materializar, mas o termo de compromisso assinado entre a Petrobras e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), para reduzir a presença da estatal no setor, promete movimentar a iniciativa privada no curto prazo. Segundo analistas, as empresas ainda devem esperar a definição de alguns detalhes sobre como se dará o acesso à infraestrutura, antes de decidir investir em grandes projetos. A expectativa, porém, é que as petroleiras se lancem desde já no mercado em busca de clientes para os seus volumes de gás, de olho nas oportunidades por vir.
Investidores, por sua vez, devem aproveitar o momento para se capitalizar para uma rodada de aquisições, diante do compromisso assumido pela Petrobras de vender todos os seus ativos de transporte e distribuição.
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"O efeito imediato do termo é a mudança nas expectativas do mercado. Há um caminho posto para a abertura, a mensagem é clara de que ela vai acontecer. A abertura não ocorre somente no momento em que a molécula de gás dos novos agentes começar a chegar no mercado. A abertura começa agora, com a movimentação das empresas em busca de novos contratos", afirma o diretor-executivo da Gas Energy, Rivaldo Moreira Neto.
O termo assinado com o Cade determina que a Petrobras deve sair integralmente do transporte e distribuição até 2021, mas também traça outras metas para o curto prazo: a estatal, por exemplo, terá 90 dias para indicar qual a sua real demanda por capacidade nos gasodutos de transporte, abrindo a possibilidade para que as capacidades ociosas sejam ofertadas ao mercado.
Para o secretário-executivo de gás natural do Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), Luiz Costamilan, é razoável imaginar que as transportadoras façam uma chamada pública para alocação dessa capacidade disponível já em 2020. "Já há uma leitura preliminar de que haverá capacidade disponível a ser oferecida", disse.
Essa abertura da infraestrutura de transporte, segundo o analista de gás da Wood Mackenzie Mauro Chavez, destrava um importante gargalo do mercado e pode trazer oportunidades de negócios no curto prazo, já que as distribuidoras estaduais, cujos contratos de compra de gás da Petrobras vencem a partir de 2020, estão promovendo chamadas públicas conjuntas para seleção de novos supridores.
"Outros agentes terão acesso ao transporte e vão poder ofertar na chamada pública. Podemos esperar novos players além da Petrobras nas chamadas. Existe hoje gás disponível na Bolívia, oportunidades de importação de gás natural liquefeito [GNL]. E, daqui para frente, quem descobrir gás vai ter mais opções de monetização disponíveis", comenta.
Nem todas as mudanças, porém, surtirão efeito no curto prazo. A Petrobras se comprometeu a não comprar mais gás de terceiros, o que abre espaço para que suas sócias nos campos de produção, sobretudo do pré-sal, possam buscar mercado para seus volumes. A expectativa, contudo, é que os contratos entre a estatal e terceiros se encerrem na primeira metade da próxima década. Atualmente, a Petrobras responde por 77% do gás produzido no país, mas é praticamente a única fornecedora relevante do mercado, porque as demais empresas veem dificuldades para chegar ao consumidor e optam por vender suas parcelas de gás, a preços baixos, para a estatal.
A reforma do marco regulatório do gás é hoje o principal ponto da agenda das petroleiras. Sem conseguir acessar o mercado, as empresas acabaram optando, nos novos projetos, por reinjetar o gás nos reservatórios, para aumentar a produção de petróleo. Carcará, operado pela Equinor, no pré-sal, por exemplo, não ofertará gás ao mercado. E o temor é que projetos essencialmente voltados para produção de gás, como Pão de Açúcar, também da empresa norueguesa, acabem não se viabilizando, por falta de um destino comercial para o gás.
O tempo corre. A consultoria Wood Mackenzie destaca que a capacidade dos atuais gasodutos marítimos de escoamento da produção (rotas 1, 2 e 3) deve se esgotar a partir de 2024 ou 2025 e que investimentos têm que ser feitos urgentemente para ampliar a infraestrutura, já que a construção desses projetos demanda, em média, cinco anos.
"A direção do governo está correta, mas ainda faltam algumas definições sobre como se dará o acesso de terceiros aos gasodutos de escoamento e unidades de processamento. Uma tomada de decisão de investimentos desse tamanho não é simples. As novas rotas já eram para estar sendo negociadas, em fase de projetos, mas ainda não há regras claras de acesso aos gasodutos", comenta o chefe de pesquisa na área de exploração e produção da Wood Mackenzie na América Latina, Marcelo de Assis.
A consultoria alerta que, se foram confirmadas descobertas nas áreas leiloadas entre 2017 e 2018, o gás poderá não chegar ao mercado, se não houver uma infraestrutura definida de forma rápida.
"Não vemos mudanças estruturais de curto prazo sem a definição do acesso à infraestrutura. O acordo foi tímido nesse sentido", comenta o diretor de estratégia e mercado da Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás), Marcelo Mendonça.
Costamilan, por sua vez, afirma que não basta a Petrobras e o governo federal avançarem com as medidas pró-abertura. O secretário do IBP cobra também o esforço dos Estados para reverem seus marcos regulatórios, de forma a criar um ambiente mais favorável ao mercado livre de gás.
"É o mercado livre que vai dar condição efetiva para abertura do mercado, dar novas opções de clientes para os produtores, para além das distribuidoras. Há um papel relevante para os Estados, nesse sentido", defende.
Fonte: Valor