O conflito aberto entre Brasil e Argentina por causa das restrições que o país vizinho vem impondo a importações de produtos brasileiros, em alguns casos violando regras da Organização Mundial de Comércio (OMC) e acordos bilaterais, chegou à mesa do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ele e sua equipe estão analisando uma forma de reação por parte do governo brasileiro.
Nesta quarta-feira, a tensão elevou-se com a publicação em meios de comunicação argentinos de informações sobre um acordo entre o governo do presidente Alberto Fernández e empresas do setor automobilístico que, na prática, estabelece cotas para importações de veículos. A Argentina é um dos principais mercados das montadoras brasileiras.
PUBLICIDADE
O entendimento, de acordo com informações que circularam em Buenos Aires e que aumentaram a irritação da equipe econômica comandada por Guedes, prevê uma autorização para importar 96 mil veículos até o fim do ano, benefício previsto apenas para as montadoras com operações na Argentina.
Em troca, as empresas do setor se comprometeram a elevar sua produção no país vizinho. O plano original da Casa Rosada era terminar 2020 com a produção nacional de 230 mil unidades. Com este novo acordo, a meta — termo que os argentinos evitam usar, mas que explica exatamente sua estratégia de controle das importações — subiu para 250 mil.
Desde o começo deste ano, o governo argentino, retomando uma metodologia muito usada nos governos de Cristina Kirchner (2007-2015), intensificou a aplicação de licenças não automáticas de importação. Essa ferramenta torna mais lento o processo de entrada de produtos estrangeiros no mercado argentino.
De acordo com a OMC, uma licença não automática pode demorar, no máximo, 60 dias. Já segundo o acordo bilateral entre Brasil e Argentina para o setor automotivo, o prazo não pode superar dez dias.
O governo argentino, no entanto, tem atrasado mais de 90 dias. Isso provocou a paralisia de exportações brasileiras na fronteira que, até semana passada, somavam US$ 100 milhões, a maior parte disso em veículos.
No ano passado, o Brasil exportou 216.554 veículos para o mercado argentino. Neste ano, no primeiro trimestre, foram embarcados 50.777 unidades, o que representa uma queda de 19% frente ao mesmo período do ano passado.
Montadoras brasileiras pediram ajuda ao governo brasileiro, que ensaia uma reaproximação com a Argetina.
Neste momento, confirmou uma fonte brasileira, não existe comunicação entre os dois governos. A equipe de Guedes enviou recentemente mensagens ao Ministério da Produção argentino sobre o assunto, mas os contatos, segundo o governo brasileiro, são difíceis e demorados por parte dos argentinos.
Ainda não há uma definição sobre o que fazer e a equipe econômica ainda debate o assunto internamente. No entanto, essa fonte ressalta que “as notícias que chegam de Buenos Aires só pioram as coisas”.
O acordo em Buenos Aires foi selado pelo presidente da Toyota e da Associação de Fabricantes de Automotores da Argentina (Adefa), Daniel Herrero. Não foi informado de que maneira será distribuída a cota de 96 mil veículos liberados para importação.
Em nota oficial, a Adefa afirmou que “as montadoras se comprometeram a elevar seu volume de produção em 20 mil unidades, das quais 15 mil serão destinadas às exportações”. Este entendimento asseguraria ao setor terminar o ano com um saldo positivo em sua balança comercial de US$ 1,7 bilhão.
O governo brasileiro poderia retaliar a Argentina restringindo importações daquele país ou, até mesmo, denunciando o acordo automotivo. Isso significaria, na prática, o abandono, por parte do Brasil, do entendimento com o país vizinho, que prevê a liberalização total do comércio de automóveis a partir de 2028.
Há atualmente um sistema chamado flex que, entre 2020 e 2023, permite que o Brasil exporte US$ 1,8 por cada US$ 1 importado.
O governo brasileiro considera que o acordo selado pelos argentinos com as montadoras representa uma estratégia de reativação do mercado interno barrando importações.
A Argentina pretende aumentar o investimento do setor no país, oferecendo às empresas a possibilidade de exportar sua produção local para o Brasil com os benefícios tributários do acordo bilateral. Por isso o abandono do acordo está sendo avaliado.
Fonte: O Globo