A medida provisória 873/2019, caso seja convertida em lei, pode por fim às discussões na Justiça sobre a obrigatoriedade ou não de cobrança da contribuição sindical. A MP, em vigor desde sua publicação na última sexta-feira (1º), estabeleceu que a contribuição para sindicatos ocorra somente após autorização expressa e individual do trabalhador, não sendo válida a simples aprovação do desconto em assembleia geral da categoria e sua posterior inclusão em acordo coletivo. Em caso de concordância, o pagamento terá de ser feito por meio de boleto bancário, a ser enviado à casa do empregado ou à empresa, e não mais em desconto na folha de pagamento.
O advogado sênior do escritório Ruy de Mello Miller, Lucas Rênio, considera que a medida barra o sistema alternativo, por aprovação em assembleia, que vinha sendo adotado pelos sindicatos, além de retirar das empresas a tarefa de efetuar os descontos. Ele observou que o Ministério Público do Trabalho (MPT) vinha seguindo tendência de concordar com esse artifício nas decisões. O advogado entende que a MP acaba com essa possibilidade porque estabelece que a autorização seja individual e expressa, que não cabe a aprovação coletiva em assembleia, e que a empresa não pode mais descontar do salário do trabalhador. Ele diz que a fixação da obrigatoriedade das contribuições sindicais e em pacto coletivo, seja convenção ou acordo, teoricamente já estavam barrados pelo texto da Lei 13.467/2017, que alterou as regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
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Rênio ressalta que, apesar de já estar valendo desde a publicação, essa medida não acaba com a discussão porque a MP tem prazo de vigência. “Se ela não for convertida em lei, o que ela está instituindo cai, e pode ganhar força de novo a questão da autorização via assembleia — o que é bom para os sindicatos, porque nem sempre os trabalhadores participam das assembleias”, acredita. Ele acrescenta que o controle dos sindicatos sobre assembleias poderia ser um meio de essas organizações continuarem a impor as contribuições. “Se a MP for convertida em lei, coloca pedra final na questão e deverá haver convencimento junto a cada trabalhador, autorização expressa e cobrança via boleto”, analisa Rênio, que é presidente da comissão de direito portuário da OAB-Santos.
Em outubro do ano passado, o juiz titular da 5ª vara do trabalho de Santos (TRT 2ª Região), Wildner Izzi Pancheri, derrubou a cobrança da contribuição à Excel Santos Transportes Rodoviários pelo Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Carga e Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis). Na decisão, o magistrado proibiu a inclusão dos dados da empresa junto ao Serasa e demais órgãos de proteção ao crédito pela cobrança de contribuição sindical referente a 2018. O advogado Luiz Henrique de Oliveira ressaltou que, em relação ao caso da Excel, o sindicato não recorreu e a decisão transitou em julgado, formando coisa julgada. Dessa forma, a defesa entende que a empresa está livre de pagar a contribuição sindical. Oliveira é especialista em direito marítimo e diretor da Associação Brasileira de Direito Marítimo (ABDM).
Em fevereiro deste ano, uma decisão de primeira instância da Justiça Federal desfavorável à Satel Despachos e Serviços Aduaneiros e favorável ao Sindicomis estabeleceu a obrigatoriedade da contribuição sindical patronal, mesmo após a reforma trabalhista. Em seu despacho, o juiz Xerxes Gusmão, da 2ª vara do trabalho de Santos (TRT 2ª Região), decidiu que a contribuição sindical possui natureza jurídica de tributo, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre o tema.
O magistrado entendeu que uma lei ordinária, como a Lei 13.467/17, não poderia eliminar a obrigatoriedade da contribuição sindical sem ferir o artigo 3º do código tributário nacional, que estipula o tributo como toda prestação ‘pecuniária compulsória e não facultativa’, como consta no texto da CLT alterado pela lei. Segundo o juiz, tal modificação reduz substancialmente as fontes de custeio e inviabiliza o prosseguimento das atividades dos sindicatos profissionais, além de violar a convenção 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), no que tange o funcionamento destes sindicatos.
O Sindicomis alega ter comunicado seus representados sobre a obrigatoriedade do tributo, de maneira clara e objetiva, durante todo ano de 2018. “Emitimos inúmeros comunicados a todas as empresas que compõem nossa categoria, explicando que até o STF [Supremo Tribunal Federal] já havia se manifestado de que a contribuição sindical deveria ser mantida e recolhida, desde que houvesse decisão soberana da assembleia geral de cada classe nesse sentido”, disse o presidente do Sindicomis, Luiz Ramos. A assembleia geral do sindicato que aprovou a continuidade do pagamento da contribuição sindical foi realizada em novembro de 2017.
O sindicato também diz ter encaminhado cobranças da contribuição sindical de 2018 para o Serasa, como última tentativa de equacionar a questão de forma amistosa. O Sindicomis defende que o pagamento da contribuição é essencial à manutenção das atividades sindicais e observa que o sindicalismo nacional passa por uma grande reformulação. “Não existe mais lugar para entidades representativas que não agem, não planejam ou que servem apenas como um grande varão para pendurar cabides de empregos ou de cargos”, afirmou Ramos.
A MP 873, que torna mais rígidas as regras para arrecadação dos sindicatos, é vista por alguns interlocutores como uma forma de enfraquecer os sindicatos contrários ao texto da Reforma da Previdência e desagradou alguns aliados do governo. Após a publicação da MP, representantes de sindicatos ingressaram com ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo Tribunal Federal (STF) na tentativa de suspender os efeitos da medida. Até o fechamento desta matéria, não havia um parecer do supremo sobre essas ações.
Por Danilo Oliveira
(Da Redação)