As duas maiores economias do planeta, Estados Unidos e China, já espelham em seus indicadores oficiais o impacto da pandemia de coronavírus. O Departamento de Comércio dos EUA divulgou nesta quarta-feira que o Produto Interno Bruto (PIB) americano caiu a uma taxa anualizada de 4,8% no primeiro trimestre, pior resultado desde o quarto trimestre de 2008, quando o país foi o epicentro da crise financeira global.
Há duas semanas, a China divulgou um tombo de 6,8% em sua economia nos três primeiros meses de 2020, primeiro resultado negativo desde 1992.
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Para economistas, o forte impacto da pandemia nos dois principais motores da economia global indicam que os outros países devem divulgar números piores nas próximas semanas, particularmente o Brasil. A China e os EUA são dois dos principais parceiros comerciais do país.
Para Luiz Carlos Prado, professor do Instituto de Economia da UFRJ, a pandemia afeta a economia global como um todo, já que praticamente todos os países tiveram atividades econômicas limitadas. No entanto, ele avalia que a recuperação brasileira tende a ser mais lenta que a de economias mais ricas, como as europeias:
— A queda nos PIBs americano e chinês no primeiro trimestre não é surpresa nenhuma. O grande debate agora é para tentar entender o que vai acontecer com a economia global este ano. Esta avaliação depende de como os países vão sair das quarentenas, principalmente se a reabertura das economias levar a uma segunda onda da doença.
De acordo com o relatório mais recente do Fundo Monetário Internacional (FMI), a economia mundial deve contrair 3% este ano. O Fundo prevê uma recuperação chinesa no segundo semestre capaz de fechar o ano com um crescimento de 1,2% no PIB, o que é de qualquer forma uma forte desaceleração para as altas taxas chinesas dos últimos anos. No ano passado, sob impacto da guerra comercial com os EUA, o país asiático cresceu 6,1%.
Já no caso americano, a projeção é de um recuo de 6% no PIB. Para o Brasil, o FMI projeta uma queda de 5,3%, mas economistas brasileiros acreditam que o resultado pode ser ainda pior.
— A queda de 4,8% no PIB dos EUA (no primeiro trimestre) é inferior à projeção do FMI para a economia do país no ano. Isso mostra que o pior, economicamente, falando, ainda está por vir — acrescenta Prado.
Em relação ao Brasil, os economistas avaliam que o primeiro trimestre também será negativo, mas apresentando recuo menos intenso do que o observado nas duas maiores economias do mundo porque a pandemia só teve efeitos práticos na economia em março. O IBGE divulga o dado em 29 de maio.
— Até fevereiro, os maiores impactos no Brasil estavam ligados à indústria, com a falta de suprimento vindo da China. A partir de março, quando começaram as medidas restritivas, a situação ficou mais negativa, porque isso atinge fortemente o setor de serviços, que tem peso grande no PIB do país — avalia Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre/FGV, cuja edição mais recente projetou queda de 0,7% no PIB brasileiro no período entre janeiro e março.
Silvia avalia que o resultado do segundo trimestre tende a ser pior, uma vez que as medidas de isolamento dos que podem ficar em casa na maior parte das cidades ainda não têm uma previsão definitiva para terminar. A expectativa agora é que durem pelo menos até meados de maio.
— A grande preocupação é com o segundo trimestre. Nossa estimativa gira em torno de uma queda de 6%, na comparação com os três meses iniciais do ano. Mesmo já sendo uma queda forte, os números podem ser piores, a depender de quanto tempo será necessário adotar medidas de isolamento para conter a doença — diz a economista, acrescentando que a projeção do boletim para o ano é de uma retração total de 3,4%.
Prado, da UFRJ, diz que a recessão pode ser ainda pior. Ele destaca que os problemas internos do Brasil, como um cenário de baixo crescimento antes da crise da Covid-19 e crise política, colocam o país em uma situação mais vulnerável. Além disso, o impacto da pandemia nos países da América Latina também atrapalha.
— No caso brasileiro, os problemas já vêm desde antes do coronavírus. Sem crise global, cresceríamos na faixa de 1% em 2020. Com o coronavírus, o país foi empurrado com força para baixo. O cenário ruim é intensificado por conta de uma falta de sintonia entre os governos da América do Sul, que têm dificuldades de diálogo, e pelo fato de a administração pública local estar muito fragilizada. Isso atrapalha muito o enfrentamento da crise. Assim, o desempenho do Brasil, neste ano, deve ser pior do que o da economia global — observa Prado.
Para o país minimizar o impacto, o economista diz que é preciso unidade no governo para definir as prioridades e traçar as metas para alcançá-las, aumentando a confiança dos agentes econômicos:
— Para enfrentar o atual momento, não pode haver atritos e discussões entre os Poderes, é preciso que sejam feitos acordos sobre qual a agenda que deve ser tocada adiante, para enfrentar situação tão excepcional como essa. O Brasil está com muita dificuldade para enfrentar um cenário tão difícil.
Silvia, da FGV, adverte que a retomada da economia não será um processo uniforme, e lembra que países emergentes e pobres tendem a ter mais dificuldade para superar este período por diversos fatores, como a maior desigualdade:
— O cenário segue incerto mundialmente, mas estudos apontam que alguns países desenvolvidos já passaram do pico da curva de contaminação. Em relação aos emergentes e países pobres, parece que ainda não foi alcançado o pico da doença. Por conta do descompasso, estes tendem a ter uma saída da crise mais lenta e, dado os aspectos de suas economias, mais custoso tanto para a população quanto para as finanças.
Fonte: O Globo