O congestionamento do sistema portuário chinês, que está praticamente parado por causa do coronavírus, pôs em alerta os frigoríficos brasileiros e também o governo, apurou o Valor. O Ministério da Agricultura já admite que as exportações brasileiras à China serão prejudicadas nos próximos meses.
Sem o escoamento de cargas que chegaram aos portos da China, o número de tomadas disponíveis para manter o conteúdo dos contêineres refrigerados é cada vez mais escasso. Conforme três fontes da indústria, os importadores estão deslocando cargas para portos de Hong Kong e Cingapura.
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Uma quarta fonte da indústria acrescentou que a programação da produção de carne destinada à China poderá ser afetada. O maior risco é a liberação das cargas que estão nos portos ser postergada. Inicialmente, esperava-se que os produtos que estão nos terminais chineses poderiam ser movimentados a partir de hoje, mas há quem diga que isso só acontecerá na semana que vem.
“Está havendo uma disrupção no funcionamento dos portos por causa do coronavírus, e aí temos que saber se é pessoal do navio que não quer descer ou se é o pessoal do porto que não quer subir. Isso vai afetar o fluxo”, afirmou ao Valor o secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Orlando Leite Ribeiro. “Vai ter registro de queda mensal, certamente”, disse.
É a primeira vez que o governo brasileiro admite a possibilidade. No início da semana passada, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, havia feito diagnóstico diferente. Após duas reuniões com o embaixador chinês em Brasília, Yang Wanming, ela chegou a afirmar que não haviam registros de anormalidades nas exportações nem previsão de algum sobressalto nas relações comerciais com os chineses. Mas o cenário mudou em dias.
No médio prazo, porém, a avaliação de fontes do setor é que a demanda da China voltará com força, tendo em vista que o país sofre com uma epidemia de peste suína africana e que o coronavírus pode afetar a produção local. A dificuldade de transporte no país asiático levou a problemas na disponibilidade de ração em algumas regiões produtoras de aves, o que pode ter um impacto parecido com o que a greve dos caminhoneiros no Brasil teve sobre a produção de aves em 2018.
Na semana retrasada, o presidente da BRF, Lorival Luz, disse, em entrevista após debate promovido pelo Credit Suisse, que o coronavírus pode se refletir no aumento das exportações brasileiras. “Pode ser que tenha uma demanda maior pela segurança alimentar. Não gosto de dizer um resultado positivo, mas vamos dizer que podemos ter um incremento de volume”, disse o executivo na ocasião.
Ao Valor, o secretário de Relações Internacionais do ministério também disse esperar uma recuperação. “Acreditamos que esse baque poderá ser compensado nos meses seguintes”, frisou. Segundo Ribeiro, a China segue com o processo de habilitação de novos frigoríficos brasileiros para exportação e ainda precisa conviver com a epidemia de peste suína africana, que afetou o país no ano passado e demandou a importação de carnes de vários países como Brasil e Argentina. “Não podem parar de comprar comida”.
A China é o maior país importador de carnes do Brasil. Em janeiro, respondeu por mais de 40% da carne bovina exportada pelos brasileiros, conforme dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec). No caso das carnes de frango e suína, os chineses absorvem 20% e 45% das exportações, respectivamente, de acordo com dados da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA).
Considerando todas as carnes, os chineses gastaram US$ 4,5 bilhões para importar 1,3 milhão de toneladas de produtos brasileiros no ano passado, de acordo com o Ministério da Agricultura. Esse montante representou 27,3% das exportações brasileiras de carnes, que renderam US$ 16,5 bilhões.
Fonte: Valor