Controlada por Vale e ThyssenKrupp, a CSA enfrenta dificuldades desde o início do projeto, em 2005. Agora tenta reverter os problemas ambientais que causou
Cinco anos depois do casamento entre a alemã ThyssenKrupp e a Vale para tirar do papel a Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA), o início das operações da usina tem sido marcado por uma série de desacertos operacionais que mantém tortuoso o caminho do que é considerado o maior investimento dos últimos anos no Rio de Janeiro.
O empreendimento liderado por um dos grupos mais tradicionais da siderurgia mundial, submetido a rígidas leis ambientais na Alemanha, está envolto por nuvens de poeira cinza que atingem comunidades vizinhas e já custaram R$ 18 milhões em multas e indenizações. Falhas na linha de produção obrigaram a companhia a investir R$ 100 milhões para corrigi-los e estancar a poluição que ameaça a produção plena da planta e sua licença de operação definitiva.
Os problemas, no entanto, são apenas os últimos de uma série de tropeços dados pela CSA desde o início do projeto, em 2005. Valorização cambial, atrasos no cronograma, revisões de projeto e problemas com equipamentos elevaram em 30% os custos da siderúrgica, que consumiu US$ 8,2 bilhões.
Em 2009, com as dificuldades financeiras do sócio alemão decorrentes da crise mundial, a Vale se viu forçada a ampliar sua fatia no negócio de 10% para 26,87%. Precisava evitar o ônus de desistir do projeto depois de ter sido criticada pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva por negligenciar investimentos em siderurgia e demitir em meio às turbulências na economia mundial.
Além dos problemas financeiros, a CSA se envolveu em uma polêmica relativa à contratação de 120 chineses na construção da usina. Decorrente de uma denúncia do Ministério Público do Trabalho do Rio feita em 2008, uma ação tramita ainda hoje em segredo de Justiça. Na época, a companhia alegou que o trabalho era altamente especializado, mas a fiscalização apontou que os estrangeiros atuavam como pedreiros, assentando tijolos refratários.
A CSA também teve de negar denúncias sobre a suposta ação de uma milícia local fazendo segurança privada para a siderúrgica. O caso está sendo investigado pela Polícia Civil do Rio. A apuração de crimes ambientais também rondou as obras, que tiveram o licenciamento desmembrado entre a unidade principal, uma termoelétrica e um terminal portuário privado na Baía de Sepetiba.
O Ibama delegou o licenciamento ao Instituto Estadual do Ambiente (Inea), o que foi criticado por técnicos do próprio órgão federal em um relatório de 2006 que indicou celeridade incomum no processo. O Ministério Público Federal alegou que a licença deveria ter sido federal, uma vez que a ponte do porto avançou 3,8 quilômetros sobre o mar, patrimônio da União.
Os procuradores também apontaram que a ponte foi iniciada apenas com autorização para a operação do porto, não para a construção. A obra chegou a ser embargada e a empresa foi multada pelo então Instituto Estadual de Florestas (IEF), mas o inquérito do MPF não teve consequência e a Justiça garantiu o prosseguimento da construção e regularização do porto privado.
Falhas na máquina. De toda a sequência de tribulações envolvendo a empresa, os episódios recentes de poluição foram os de maior repercussão, evidenciando os inconvenientes que podem resultar da instalação de um complexo siderúrgico em área urbana. Os incidentes são também a face mais visível das fragilidades técnicas da usina.
O primeiro incidente aconteceu em agosto de 2010, um mês depois que a planta foi inaugurada pelo ex-presidente Lula. Falhas na máquina de lingotamento levaram a CSA a depositar ferro-gusa incandescente em poços ao ar livre e impediram que a produção alcançasse a capacidade total de 7,5 mil toneladas.
O resultado foi uma nuvem de poeira sobre Santa Cruz, bairro da zona oeste do Rio onde a siderúrgica foi instalada. Segundo o secretário do Ambiente do Rio, Carlos Minc, os transtornos são explicados, em parte, porque a lingotadeira da CSA não funciona desde agosto. Ela teria sido subdimensionada e não respondeu às tentativas de ajuste.
"Quando o gusa sai fervendo do alto-forno, tem de ir para a aciaria ou para a lingotadeira. Se esses dois falharem, tem de ser utilizado um pit de emergência", disse. "A CSA tinha um modelo pequeno, mas, como a empresa é enorme, resolveram duplicar ou triplicar aquilo. Só que não funcionou. Tentaram consertar. Mas como não deu certo, desistiram. Vão fazer três ou quatro pequenas", explicou Minc em entrevista coletiva no mês passado.
Grávida de sete meses do segundo filho, a dona de casa Neiva Verlingue, de 30 anos, mantém um lençol cobrindo todo o berço que acomodará o bebê. Confeccionado em laca branca, o móvel ficou quase cinza, salpicado de um pó brilhante que chegou à casa dela em meio às primeiras nuvens de poluição emitidas pela CSA no fim do ano passado.
Da janela de casa, Neiva observa com apreensão a siderúrgica vizinha, a menos de um quilômetro. O que foi uma área verde, com árvores frutíferas e um manguezal que encontrava as águas da Baía de Sepetiba, agora é uma paisagem dominada pelos galpões da aciaria e os altos-fornos da usina com suas chaminés. "É esse ar que meu bebê vai respirar?"
Após o primeiro incidente, em agosto, a CSA foi multada em R$ 1,8 milhão pelo Inea. Em renegociação, o valor foi reduzido em R$ 500 mil. Em dezembro, os moradores de Santa Cruz voltaram a sofrer com outra grande emissão de partículas depois que a empresa se viu novamente forçada a verter ferro-gusa nos poços, dessa vez devido a avarias num guindaste da aciaria. Segundo a CSA, ventos fortes arrastaram poeira de grafite para as comunidades vizinhas.
Nas casas que ficam perto dos acessos à siderúrgica, os relatos são de alergias, tosse, irritação nos olhos e na pele. Moradores dizem que a poluição é constante, não se restringe aos dois episódios. "Comprei um nebulizador para o meu filho, mas eu é que estou usando mais", conta a dona de casa Márcia da Silva, 31 anos, mãe de Carlos Eduardo, de um ano e meio.
Quando viu os alicerces da usina subirem diante de sua varanda, Márcia não esperava tanta poluição, já que a Cosigua, siderúrgica do Grupo Gerdau, também fica perto do bairro. "Nunca tinha acontecido isso. Aqui era um lugar tranquilo, agora acabou", lamenta Márcia. Ela agora frequenta reuniões da Defensoria Pública na esperança de conseguir na Justiça uma indenização para se mudar.
Segundo o marido dela, Benedito da Silva, de 35, ninguém consegue vender imóvel ali. Ele conta que nos dias de maior emissão da siderúrgica, as partículas se depositam na pele das pessoas ao ar livre, provocando coceiras. "Quando era de dia, parecia uma chuva de prata. Agora, acho que, para não chamar mais a atenção, eles soltam de noite", diz Silva. "Nesse calor, tem de fechar tudo, não pode ter roupa no varal. Quando estiver tudo funcionando, acabou Santa Cruz", lamenta.
A pensionista Salvina Barbosa da Silva, de 69 anos, mal consegue completar uma frase com a tosse e a voz rouca. "Fui à médica achando que era da minha pressão alta e ela disse que era alergia e me deu um xarope, mas não adianta. Tem hora que a minha voz some, fico sempre cansada."
Os problemas respiratórios não são os únicos revezes que Salvina ganhou com o início da operação da CSA. A casa na qual mora há 40 anos está cheia de rachaduras que começaram com o impacto dos bate-estacas das fundações da usina e agravam-se a cada vez que passa, colada ao seu quintal, uma das locomotivas com insumos para a siderúrgica. "O trem passa umas três vezes por dia. Quando passa às seis da manhã, o barulho é enorme, treme tudo."
Com a reincidência da emissão de partículas em dezembro, a CSA foi punida mais severamente pelo Inea. Foram R$ 2,8 milhões em multas, das quais pode recorrer, além de R$ 14 milhões, valor acordado e que não pode ser revisto.
"Pente-fino". A indenização será aplicada em projetos como asfaltamento de vias para evitar acúmulo de poeira, construção de uma unidade de saúde da família e a dragagem de um canal numa comunidade vizinha. Além disso, a produção da CSA foi restrita a 70% de sua capacidade instalada, até que seja concluída uma auditoria externa, a cargo da concorrente Usiminas. A operação "pente-fino", como chamou Minc, traçará os requisitos que serão exigidos da CSA para a licença de operação definitiva, que era esperada para este mês.
A poluição levou o Ministério Público do Estado do Rio a denunciar executivos da companhia por crimes ambientais. "Uma usina siderúrgica do porte da CSA, construída em pleno ano de 2010, não pode deixar de adotar uma tecnologia de controle adequada, capaz de prever e captar qualquer emissão de poluentes atmosféricos ou hídricos", observou o promotor Daniel Ribeiro.
Procurada pelo Estado, a CSA não deu entrevista. Em nota, o diretor de sustentabilidade da empresa, Luiz Claudio Castro, alegou que desvios são comuns na fase de testes: "Como ocorre em toda pré-operação - no Brasil, na Alemanha, ou em qualquer outro lugar do mundo - algumas não-conformidades são identificadas, e vêm sendo corrigidas."
Segundo o executivo, a poeira que se espalhou na região não é tóxica. É isso que a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) quer verificar com a análise em curso de amostras coletadas na vizinhança da siderúrgica. Moradores foram examinados para a produção do laudo, que deve ficar pronto ainda este mês.
Ex-ministro do Meio Ambiente, Minc acena com a possibilidade de remoção das casas mais próximas à siderúrgica, que já estavam ali quando a área foi decretada de utilidade pública pela prefeitura e o terreno negociado pelo governo estadual com a ThyssenKrupp, acompanhado de incentivos fiscais. Obras de urbanização da prefeitura, no entanto, estão em curso na região.
Fonte: O Estado de S.Paulo/Alexandre Rodrigues e Glauber Gonçalves
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