O convite para uma conversa pessoal foi feito por telefone em 29 de março, e no dia seguinte já estava tudo certo. Aos 69 anos, Carlos Viacava aceitava o desafio de José Luiz Cutrale e tornava-se diretor corporativo da maior empresa produtora e exportadora de suco de laranja do mundo. Mais que isso: transformava-se no porta-voz de uma companhia conhecida pela eficiência no que faz, mas também por ser pouco transparente, avessa a entrevistas, alvo de investigações antitruste e líder em um produto cuja demanda internacional derrapou nesta década.
Pouco mais de um mês depois, ainda se adaptando a uma rotina que envolve questões geridas no escritório da Cutrale na capital de São Paulo, na sede em Araraquara, nas cerca de 40 fazendas próprias no Estado e no Triângulo Mineiro e nas representações mantidas nos principais mercados no exterior, Viacava expõe as diretrizes da gigante com tranquilidade. Secretário-geral do Ministério da Fazenda e diretor da Câmara de Comércio Exterior (Camex) no turbulento início da década de 80, crepúsculo do regime militar, o executivo fala em mudanças.
Entre suas missões estão a melhoria das relações com os fornecedores independentes de laranja, a maior integração da cadeia, o aprofundamento das discussões sobre o futuro da citricultura, o estímulo ao incremento das vendas de suco no mercado doméstico e a abertura de novas fronteiras para o produto, tendo em vista as dificuldades dos últimos anos nos destinos tradicionais.
Em 2009, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), as exportações da Cutrale, que representam a maior parte de seu faturamento, renderam US$ 676,3 milhões, 22,1% menos que em 2008. No total, os embarques brasileiros, dominados por Cutrale, Citrosuco, Louis Dreyfus e Citrovita, recuaram 18,6%, para US$ 1,838 bilhões, incluindo suco congelado e concentrado (FCOJ, na sigla em inglês), não congelado (NFC) e subprodutos.
Como os preços internacionais do suco dispararam em 2009 em razão de problemas na oferta e de alguma recuperação da demanda em mercados maduros como o americano e o europeu, Viacava projeta aumento das receitas nacional e da empresa com exportações de suco em 2010. Se dependesse apenas da oferta de laranja em São Paulo, que reúne o maior parque citrícola do planeta, os preços do suco seguiriam firmes. A Cutrale estima que a produção da fruta no Estado e no Triângulo Mineiro deverá alcançar 286 milhões de caixas de 40,8 quilos na recém-iniciada safra 2010/11, quase 11% menos que em 2009/10. Desse montante, a empresa prevê que 251 milhões de caixas serão processadas pelas indústrias de suco, uma redução de 13% na mesma comparação.
O problema é que a Flórida, cujo parque perde só para o paulista, deverá produzir mais em 2010/11, e ainda é preciso mais informações sobre a produção americana para saber se o saldo será positivo ou negativo para os preços no exterior. Ontem, na bolsa de Nova York, os contratos futuros de segunda posição de entrega do suco fecharam a US$ 1,3805 por libra-peso, altas de 1,51% no dia e de 52% em 12 meses.
Apesar da variação positiva no último ano-móvel, as cotações ainda dependem mais de restrições na oferta do que do aumento da demanda para se manterem atraentes a produtores e exportadores. Com o aumento da concorrência de bebidas como sucos prontos, refrescos e refrigerantes, entre outros, o suco de laranja integral, mais caro, vem perdendo espaço. O aumento das exportações de NFC amenizou o problema nos últimos anos, mas também elevou os custos com logística. Por não ser congelado e concentrado, o produto ocupa seis vezes mais espaço em caminhões e navios.
Viacava conhece os meandros do segmento. No campo, ele é mais conhecido pela atuação na pecuária, mas começou a produzir laranja em Paulínia, região de Campinas, em 1986 - e desde então é fornecedor da Cutrale. "Conheço a família e o setor desde os tempos da Cacex, quando o governo tinha instrumentos para interceder no mercado, inclusive nas relações entre indústrias e citricultores". De lá para cá, reconhece, houve muitos avanços no comércio exterior brasileiro, mas as relações na cadeia produtiva pioraram.
Fonte: Valor Econômico/ Fernando Lopes, de São Paulo
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